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Ninguém é menAs mãe por não conseguir amamentar

Nana Queiroz é mãe do Jorge e fala sobre o que as campanhas de amamentação não te contam: amamentar dói pra muitas mulheres

Por Nana Queiroz*
Atualizado em 16 set 2020, 10h18 - Publicado em 1 ago 2020, 10h30
 (Nana Queiroz/Arquivo pessoal)
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Meu filho Jorge nem quis descansar do esforço de nascer: foi se contorcendo e contorcendo até alcançar e abocanhar meu seio poucos minutos depois de sair do útero, como se já tivesse lido todo o manual de instruções da mamada. Naquele momento, eu me senti gigantesca. O meu parto havia sido longo e difícil, mas amamentar seria fácil. Nisso eu me provaria enquanto mãe.

Foi em nossa primeira noite em casa que percebemos que a coisa havia desandado. Comecei ali a jornada que me fez perder um terço do mamilo, passar mais dor do que em trabalho de parto, enfrentar 11 sessões de laser nos mamilos, duas cirurgias de freno na língua do meu filho e ter crises de pânico por privação de sono e medo da dor lancinante que eu sabia que viria a cada vez que ele acordasse madrugada adentro.

Essa é uma verdade que as campanhas de amamentação não te contam: amamentar dói pra muitas mulheres. E, se não dói, te faz sofrer seriamente de privação de sono. E eu acho que a ideia romantizada de que amamentar é simplesmente maravilhoso não só é desonesta com as mulheres como é responsável por apenas 39% das mães amamentarem exclusivamente até os 5 meses do bebê.

Nana Queiroz
(Nana Queiroz/Getty Images)

Há quem diga que vender a imagem da mãe bela, maquiada e ternamente olhando seu filho no seio que nem a Virgem Maria incentive muitas a amamentar. Discordo redondamente. Eu, por exemplo, quando enfrentei as primeiras dificuldades com a amamentação, achei de cara que o problema era comigo. Vai ver meus mamilos são deformados? Vai ver eu estou rejeitando meu filho e essa dor é psicológica? Mais: como nunca ouvi falar dos desafios, eu não sabia o que fazer!

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Foi apenas graças a mulheres corajosas que se abriram comigo sem medo de serem julgadas que eu consegui prosseguir até que Jorge fizesse um ano – e até que a amamentação, finalmente, se tornasse prazerosa e responsável por lindas memórias de chamego a dois. Elas me ensinaram que a amamentação é uma luta que você faz por convicção e amor. E que não é pra todo mundo – e tudo bem. Ninguém é menos mãe por não passar pelo mesmo calvário que eu. Cada pessoa tem um limite diferente.

Nana Queiroz
(Nana Queiroz/Getty Images)

Outra coisa que é estrategicamente ocultada nas campanhas de amamentação: amamentar é um privilégio de classe. Nos dois primeiros meses de vida do meu filho a amamentação nos custou quase o equivalente ao que pagamos no parto. Pagamos duas cirurgias (meu filho tinha o freno preso), almofadas de amamentação caras (porque eu tive problemas na coluna), consultoras, psicóloga (pras crises de pânico) e sessões de laser para ajudar na cicatrização. Claro que nosso caso foi mais complicado que a média, mas se você considerar que as mulheres mais pobres de nossa sociedade fazem trabalhos braçais pesados e não têm direitos trabalhistas (ou licença maternidade), como é possível seguir na amamentação exclusiva, com noites de sono interrompidas e sem espaço apropriado para tirar e armazenar leite?

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O que a gente precisa para que mais mães e bebês tenham os benefícios da amamentação é de mais honestidade, menos julgamento e mais direitos trabalhistas. Quem diz isso é uma mulher que jorrou sangue pela amamentação e achou que valeu a pena – mas que ela não seria nem um pouco menos incrível enquanto mãe caso não tivesse conseguido.

 

*Nana Queiroz é mãe do Jorge, de 1 ano e 11 meses, e autora dos best-seller “Presos que Menstruam” e “Eu, Travesti”. Siga ela no Instagram: @nana.queiroz

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