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“Amamentar não é nada romântico”, o relato das dores de uma mãe

Ana Soares, mãe da pequena Nina, abre o coração em um depoimento forte e intimista sobre a enorme dificuldade que teve para amamentar

Por Ana Soares*
Atualizado em 16 set 2020, 10h19 - Publicado em 1 ago 2020, 08h00
 (Ana Soares/Arquivo pessoal)
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O início da amamentação foi a experiência mais avassaladora da minha vida. Minha filha Nina tem 3 meses e no seu primeiro mês de vida eu chorei copiosamente de dor todas as vezes que dei o peito. Nunca havia chorado lágrimas tão sentidas, nem poderia imaginar, quando engravidei, que amamentar seria a maior treta.
Me preparei para um parto visceral, mas não li nem uma linha sobre amamentação. Não fiz cursos nem li livros sobre gestação, mas foi mais fácil acessar essas informações na internet e entre amigas. Só que quando comecei a dar o peito pra Nina e vi que não seria tão simples, não entendi porque ninguém falava sobre esse assunto. Achei que tiraria de letra, como foi com o meu parto. Ledo engano.

A apojadura, que é o momento em que o peito se enche de leite pela primeira vez, foi dolorosa e difícil, nunca vou esquecer. A sensação das mamas endurecidas me dava calafrios, comecei a vazar muito leite e não conseguia colocar uma blusa sem me molhar inteira. Comecei a pedir ajuda a uma amiga querida, que me deu de presente uma consultoria em amamentação com uma profissional qualificada, nutricionista, que quebrou vários mitos sobre alimentos (tirando a alergia da proteína do leite, não tem essa de alimentos que dão mais gases), ingestão de álcool (dá pra beber tranquilamente minha cervejinha enquanto dou de mamar) e tempo de mamada (aqui é livre demanda, quando o neném quiser, nada de oferecer só de 3 em 3 horas!). Ainda tem muitas informações desencontradas e errôneas, inclusive entre médicos e dentistas, por isso é importante obtê-las de fontes confiáveis, baseadas em evidências científicas.

Com tudo isso contornado, veio o drama maior, com meus bicos completamente feridos. Não eram feridinhas, era tecido exposto, carne viva. Eu não conseguia de jeito algum acertar a pega. Doía tanto que eu segurava as mãos do meu marido e gritava quando ela abocanhava. Ficava aos prantos com a água do chuveiro batendo nos seios, andava curvada e gemendo, não conseguia sequer abraçar minha filha. As mamas enchiam rapidamente, ardiam, parecia ter miniadagas me espetando, e foi aí que tive meu primeiro início de mastite, com febre alta e tremores. Tomei antibiótico, fazia massagens pra desencaroçar as mamas ingurgitadas e ordenhava manualmente. Eu só fazia isso o dia todo, cheguei a ficar com dor nas mãos e meu marido me ajudava nas massagens. Era um porre ficar em função disso. Recebi um tanto de dica, fiz todas e nada funcionava. Não tem dicas que te preparem pra essa experiência, só vivenciando para saber as suas reais necessidades.

ana soares
(Ana Soares/Arquivo pessoal)

O tempo passava e as feridas não melhoravam. Liguei pro instituto Fernandes Figueira, especialista em banco de leite aqui no RJ, (viva o SUS!) que não está atendendo presencialmente por conta do Covid-19, mas fui superbem orientada por telefone. Entendi sobre ductos entupidos e a importância de ordenhar, já que mamas são fábricas e não estoques. Mesmo assim, tive mais quatro episódios de princípio de mastite, parecia um mal estar de início de gripe e eu só desejava que não piorasse.

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Em todos esses momentos eu poderia ter desistido. Mas eu escolhi continuar. Não titubeava quando minha filha chorava – eu dei o peito todas as vezes. Ela é a parte indefesa da história, e eu não sofria por amor, não existe essa de padecer no paraíso, sentir dor não é normal. Eu fiz o que era preciso para nutrir um ser dependente de mim. Mas eu não estava bem. Quando falava pra alguém, ouvia “é assim mesmo, a gente sofre!”. Eu me sentia sozinha, como a única mãe no mundo desejando que passasse logo. Mas não passou.

Até que outra amiga comentou que já estava muito prolongado esse processo. Conversando com minha consultora (que atendeu à distância também por conta da pandemia), ela pediu vídeos da Nina chorando e chegamos à raiz dos problemas: parecia ser culpa do freio da língua encurtado.

Desde 2014, pela lei nº13.002/14, o Teste da Língua passou a ser obrigatório em todos os hospitais e maternidades, mas como minha filha nasceu em casa, não fomos orientadas corretamente, mesmo perguntando por ele. Esse exame ajuda a detectar a famosa língua presa, que hoje já se sabe ser um fator que dificulta a pega correta do bebê e até ser razão da dificuldade do ganho de peso e desmame precoce. Já tinham me avisado sobre a importância desse exame e eu ignorei, não acreditava que isso era tão comum, não aceitei que minha filha teria isso. Não repitam meu erro, procurem fonoaudiólogos especializados, contestem o exame feito inicialmente se as feridas persistirem além dos 15 dias iniciais.

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A essa altura, Nina não conseguia mais pegar minha mama direita, e eu comecei q ficar desesperada. Consegui indicação de uma fonoaudióloga especializada em aleitamento materno com minha cunhada e fomos atrás. O procedimento para correção foi feito dois dias depois com uma odonto pediatra, e já no consultório eu notei a diferença: que alívio ao sentir sua boquinha encaixando sem dor na areola! Pela primeira vez, eu sorria ao alimentá-la.

Ana Soares
(Ana Soares/Arquivo pessoal)

Voltamos na fono para que ela passasse exercícios. Três vezes ao dia meu marido massageava com os dedos o interior da boca e língua da Nina, eu ajustava a pega a cada mamada para corrigir a forma como ela sugava. Em poucos dias, meus seios foram cicatrizando e a hora do tetê virou o momento mais esperado dos meus dias!

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Amamentar não é nada romântico mas é o melhor pelo seu filho e por você. É instintivo, é fisiológico, é hormonal, mas somos atravessadas pela cultura do desmame, tão sólida na nossa sociedade, onde bicos artificiais e chupetas são ofertados como forma de alívio para as mães. Mães precisam é de rede de apoio, de alguém que as deixem descansadas das tarefas para poderem amamentar. Os bicos, além de não oferecerem nenhum benefício, causam confusão na pega do neném, que pode desmamar mais cedo, fora outros problemas como vícios orais e até psicológicos. Em nenhum momento eu pensei em dar mamadeira, só cogitei tirar meu leite e dar na colher ou no copinho, que exigiriam paciência, mas seriam a melhor alternativa. Fui tinhosa contra o sistema, porque eu sei que o leite materno é rico, é forte, é o alimento mais completo para minha filha, o mais sustentável, o mais prático. Eu sei que mamar é seu alento, onde ela se sente mais segura.

Somos atravessadas por uma sociedade que desmotiva a amamentação desde o enxoval, colocando esses itens na lista. Você não quer correr esse risco? Não compre. Somos atravessadas desde a maternidade, onde tentam empurrar fórmula nas primeiras horas de vida do bebê, desnecessariamente. Somos atravessadas pelos parentes que argumentam sobre a qualidade e potência do seu leite, sobre suas horas de sono (“dá logo a chupeta pra poder dormir mais”), com opiniões não solicitadas. Somos atravessadas pela sociedade que acha feio criança que anda ainda mamar, que repudia amamentação em público, que sexualiza mamilos. Somos atravessadas pela publicidade da indústria, que burla leis para vender composto lácteo e viciar os paladares das nossas crianças com açúcar desde cedo. Pelo mercado de trabalho, que não oferece suporte a essa mãe que precisa voltar aos 4 meses, que precisa ordenhar escondida nos banheiros, que acredita que precisa desmamar seu filho mais cedo. Pela moda, que não se preocupa em criar roupas que facilitem colocarmos os peitos pra fora, que naturaliza estampas de leite engarrafado e vaquinhas. O leite da minha filha vem de mim, não da vaca!

Maridos, mães, pais, esposas, tios, amigos, todo mundo deveria saber mais sobre o assunto para ajudar mais mulheres a conseguirem seguir adiante. É uma jornada, mas com apoio tudo se cura.

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Hoje estou feliz e quero construir uma trajetória bonita amamentando minha filha, até quando ela desejar. Esse episódio só fortaleceu nosso vínculo e a minha defesa pelo tema. Espero que meu relato ajude a encorajar as que estejam passando por esse momento e que sirva de alerta para as futuras mamães.

Não se trata de estar competindo sobre quem conseguiu ou não, de não apoiar ou culpabilizar mulheres, mas de recebermos informação para que não nos façam mais desistir de oferecer o melhor aos nossos filhos e a nós mesmas. Amamentar é poder. Sigamos!

Dedico esse texto às minhas apoiadoras: Viviane, Debora, Marcela, Julia, Narda e a incansável Veronica Linder, por seu trabalho no Instagram. Ao meu marido Igor, por estar comigo inteiro nesta jornada.

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*Ana Soares é mãe da Nina, de 3 meses e meio, e consultora de estilo. No instagram, assina a página @modapenochao

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