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Lugar de feminista é na escola

A geração Z promete ser ainda mais engajada na defesa de direitos. Em iniciativas feministas, jovens estudantes mostram que a luta vai se intensificar

Por Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jun 2021, 13h28 - Publicado em 8 mar 2020, 07h00

Uma sala de parede espelhada, o reflexo de pouco mais de 75 meninas parece multiplicá-las em centenas. Sentadas no chão, em roda, conversam e trocam experiências. Esse é o primeiro encontro promovido em 2020 pelo coletivo feminista Maria Quitéria, organizado por alunas de um colégio particular da Zona Sul de São Paulo. O grupo existe há quatro anos e leva o nome da revolucionária baiana que precisou se disfarçar de homem para lutar no Exército na época da independência. “No final de 2015, li uma matéria sobre meninas que estavam criando coletivos feministas. Era um jeito de levar esse tipo de discussão para a escola. Não tive muito apoio no início, então corri atrás sozinha. Até que chamei as alunas que organizaram um coletivo no colégio Gracinha, com mais experiência, para trocar ideias”, conta a hoje estudante universitária Isadora Albano Fernandes, 19 anos, fundadora da frente. Não foi tão simples alcançar uma fórmula que funcionasse tanto para os alunos quanto para a instituição. O jeito foi dividir em dois pilares: acadêmico (com participação da escola) e de partilha (reservado às meninas). O primeiro tinha reuniões mistas, com alunos e alunas, direcionadas por textos compartilhados por uma antropóloga responsável, cujos temas variavam entre pautas como lugar de fala e papel dos homens no feminismo. Já o segundo eram grandes reuniões femininas – dentro do colégio ou fora dele, num parque acessível a todas.

Representantes da frente feminista Maria Quitéria, de um colégio particular em São Paulo.
Representantes da frente feminista Maria Quitéria, de um colégio particular em São Paulo. Da esquerda para a direita, no topo, Anita Gaspar e Helena Frontini; no centro, Giovana Andrade e Ana Beatriz Inati; na base, Marina Mota, Isabella Lopes e Camila Stockler (Bel Lafer/CLAUDIA)

“Era a parte mais fascinante para mim. Os encontros tratavam de muitas questões relacionadas às vivências do machismo, mas também de dilemas pessoais. A gente se abraçava. Saíamos cansadas, mas renovadas”, conta Isadora. Falavam de autoestima e aceitação, relação com os pais, e até episódios de automutilação, assédio e abuso eram compartilhados naquele ambiente seguro. As garotas optaram por estender as reuniões à turma noturna, focada em alunos de baixa renda. “Percebemos que os recortes de classe e de raça eram importantes. Enquanto falávamos de uma situação numa festa, elas mencionavam um toque de recolher na comunidade. Se nos sentíamos frustradas por não ter o corpo da mulher da revista ou da novela, elas nem sequer se sentiam representadas lá”, relata Isadora.

Representantes da frente feminista Maria Quitéria, de um colégio particular em São Paulo.
Representantes da frente feminista Maria Quitéria, de um colégio particular em São Paulo (Bel Lafer/CLAUDIA)

A iniciativa dela continua pelas mãos de Anita Gaspar, Giovana Andrade, Ana Beatriz Inati, Helena Frontini, Marina Mota, Isabella Lopes, Fernanda de Freitas, Maria Fernanda Inati, Teresa Pilotto, Luiza Rosani e Camila Stockler, todas entre 15 e 17 anos, as administradoras do grupo em 2020. A pauta saiu da troca verbal e foi também para a ação. Elas se provaram boas articuladoras quando conseguiram levantar doações de absorventes para mulheres em situação de cárcere. Atuaram ainda num campeonato escolar, quando o troféu reservado aos garotos era maior do que a honraria das garotas. “Esse reconhecimento era importante para a gente”, argumenta Helena. Elas acreditam que a união e o diálogo são fundamentais para que as mulheres possam se reconhecer em situações de opressão e transcendê-las. “Quanto mais a gente fala, mais percebemos o padrão do machismo. Isso nos torna cientes até das pequenas coisas”, garante Anita.

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A estudante paulistana Kauane Andrielly, 16 anos, está empenhada em retomar o projeto Clube Feminino na escola estadual que frequenta
A estudante paulistana Kauane Andrielly, 16 anos, está empenhada em retomar o projeto Clube Feminino na escola estadual que frequenta (Mariana Pekin/CLAUDIA)

OLHAI E VIGIAI
Foi uma surpresa quando a estudante Kauane Andrielly, hoje aos 16 anos, foi abordada por outra aluna da Escola Estadual Augusto de Oliveira Jordão para falar sobre uma experiência de violência. “Ela disse que sofreu assédio dentro da escola. Foi chocante ter alguém me pedindo socorro, mas, depois disso, começaram a chegar vários relatos sobre bullying, depressão”, diz. Kauane fez parte da primeira formação do Clube Feminino, um espaço proposto pela então diretora do colégio para incentivar o diálogo entre as garotas. Foram quase dois anos de troca sobre temas diversos, como machismo, sexo e religião. “Vejo muitas pessoas julgando a educação sexual entre os adolescentes, mas falar sobre isso é corajoso, porque faz a menina enxergar o que está acontecendo com ela e ao seu redor. É cada relato difícil que elas escondem… Dói em mim só de pensar”, diz a jovem.

As reuniões eram oportunidades de falar daquilo que não está nas apostilas nem nas conversas de casa. Infelizmente, o coletivo se dispersou em razão da formatura das alunas mais velhas e da resistência das mais novas em fazer parte. Agora, Kauane está empenhada em reatar os laços do projeto para retomá-lo. “Quero que outras garotas tenham a mesma experiência que eu tive, a mesma união que criei com as minhas amigas. Há pessoas que se equivocam sobre o significado do feminismo, confundem com o contrário de machismo. Só queremos garantir o nosso lugar”, reflete ela, que aprende sobre feminismo na internet, pegando recomendações de livros e acompanhando repercussões de casos no Twitter.

Lauanny Brandão, 17 anos, atua no grêmio estudantil e quer ser defensora pública
Lauanny Brandão, 17 anos, atua no grêmio estudantil e quer ser defensora pública (Landau/CLAUDIA)

MANAS ONLINE
A quarta onda feminista é impulsionada pela retomada de temas de violência de gênero e o amplo acesso às redes sociais, como o próprio Twitter. O movimento é liderado por jovens de 20 e poucos anos ou menos, as millennials e a geração Z. Essa última, por sua vez, se mostra ainda mais comprometida com o coletivo e usa a web para se conectar com universos que não necessariamente se aproximam do seu. “A internet se tornou um espaço de conhecimento para aquela menina que não tem acesso. E ela leva essa discussão para o ambiente escolar. Assim, identifica situações de machismo, de racismo”, afirma Juliana Andrade Lessa, 18 anos, eleita representante do Rio de Janeiro no Parlamento Juvenil do Mercosul. Ela foi a candidata mais votada do estado, em uma disputa online promovida pelo Ministério da Educação. O objetivo do MEC é estimular o protagonismo juvenil e incentivar projetos de melhoria das escolas.

Ex-aluna da unidade São Cristóvão do Colégio Pedro II, referência nacional em articulação de movimentos estudantis, Juliana nem sempre esteve envolvida em organizações do tipo. A história mudou quando saiu de uma escola municipal e ingressou no colégio, que tem frentes feminista negra e LGBT+, além do grêmio estudantil. Ingredientes fundamentais para a faísca da mobilização social são a teoria dentro da sala de aula e os projetos de iniciação científica relacionados a temas como política, classe, gênero e raça. Todos esses componentes se misturam aos incômodos pessoais. “Venho de um bairro pobre, onde as ruas têm barricadas. Uber não entra ali e eu tenho que correr de camburão subindo o morro. Um bairro onde não posso estudar porque tá tendo tiroteio. Quando saio de uma realidade assim, me sinto responsável por trazer um debate feminista que atenda a mim e às pessoas que convivem comigo. Falo como uma menina preta e periférica”, argumenta.

Quem segue seus passos é Lauanny Brandão, de 17 anos. Estudante do 3º ano no Pedro II, teve contato cedo com a pauta feminista. “No 8º ano do ensino fundamental, fizemos um trabalho que recapitulava a história do movimento. Logo em seguida, comecei a participar de projetos de iniciação científica, e foquei no feminismo negro. Dou muito valor a isso, porque ele não é só um pensamento, é uma luta. Você não pode só estudar, tem que produzir também”, defende. Assim criou o coletivo Agbara, ao lado de Juliana e outra colega, Stephany Oliveira, com atuação em espaços e colégios fora do grupo Pedro II. Esse movimento, de extrapolar o ambiente escolar, é a maneira de fazer o tema chegar a mais gente. “O que podemos fazer para a política deixar de ser reduto de homens brancos? Há uma necessidade latente de mudar essa situação. Os jovens precisam se organizar, especialmente os de colégios públicos. E é importante se articular não só na política formal como no dia a dia. São sempre as mesmas caras falando em renovação”, defende Lauanny, que também faz parte do grêmio Balbúrdia, do Pedro II, e da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro (Aerj). Em ano de vestibular, ela se divide entre as demandas dos movimentos estudantis e a dedicação para entrar na faculdade de direito. Quer ser defensora pública. Não restam dúvidas de que o caminho de combate às injustiças já começou a ser trilhado.

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