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A vida antes da pandemia acabou. Como equilibrar a rotina daqui em diante?

Pensar em uma combinação do que mais lhe trouxe bem-estar nos dois tempos pode garantir uma jornada de prazer e satisfação pessoal

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
16 ago 2020, 12h00
 (Getty Images/Getty Images)
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Todo dia a gente faz tudo sempre igual. Ou assim parece que tem sido nos últimos meses, pelo menos para a parcela da população que passou a ficar em casa por causa do isolamento social. O cenário se apresentou repentinamente e deu poucas chances de preparo, mas, com os dias se estendendo, tivemos que nos adaptar. Arrumamos um canto para home office, mudamos horários, usamos o tempo do deslocamento no trânsito para limpar a casa, cozinhamos mais, transformamos a sala em academia. O que se mostrava desafiador no começo passou a ser entediante e repetitivo. Afinal, a falta de mudança de cenário e de casualidades, que tornam a vida interessante, impactou nossos hábitos – os antigos e os recém-adquiridos. E está tudo bem. Em tempos de exceção, a rotina não segue tão linear. Mas, após alguns meses, já dá para olhar para trás, fazer um balanço e pensar no que você quer de agora em diante.

A vontade de se reorganizar é natural e urgente. Com o clima de retomada em grande parte do país, a vida vai virando um misto do que era antes da pandemia e durante esse período. O trabalho remoto não deve entrar em desuso tão cedo, pois muitas empresas pretendem continuar com a política indefinidamente. Já as academias ainda não estão funcionando 100%, assim como os parques. Isso sem falar da escola das crianças, cuja abertura gera mais dúvidas do que respostas. Se não é possível voltarmos no tempo, devemos optar conscientemente e de acordo com as nossas condições por aquilo que aumenta nosso bem-estar. Além disso, o isolamento também pode ter trazido novas e benéficas rotinas – quem costumava se arrastar à academia todos os dias e começou a gostar de se exercitar sozinha em frente à TV vai entender bem esse contexto. Com alguns ajustes, podemos ficar com o melhor das duas etapas.

Revisão das fórmulas

Se adotar novos hábitos fosse um processo simples, não estaríamos sempre penando para fazer mudanças cotidianas ou prometendo mais disciplina e dedicação a cada Réveillon. Essa complexidade também explica por que O Poder do Hábito: Por Que Fazemos o Que Fazemos na Vida e nos Negócios (Objetiva), do jornalista Charles Duhigg, se tornou um best-seller em diferentes países. A fórmula apresentada pelo autor para inserir novos comportamentos à rotina é conhecida: a repetição faz com que alguns de nossos movimentos se tornem tão automáticos que nem precisamos pensar para executá-los. Mas para isso precisamos de uma deixa, anseios e busca por benefícios. No caso de uma meta para praticar exercícios físicos com regularidade, a deixa seria manter os tênis de corrida à mostra; o que nos moveria, o anseio pela liberação de endorfina; e o benefício final, mais resistência ou condicionamento, dependendo de cada um. Fácil? Nem tanto.

O hábito é aquilo que se torna tão introjetado na nossa vida que fazemos sem pensar, como o ato de acordar e escovar os dentes, e uma situação como a pandemia pode colocar quase tudo a perder. O objetivo, contudo, não é nos tornarmos sistêmicos a ponto de excluir qualquer flexibilidade do dia a dia. “A adoção de novos comportamentos tem mais chances de dar certo quando feita a passos tão curtos que fica difícil errar. Assim não nos frustramos nem nos culpamos e temos mais motivos para continuar”, explica a psicóloga comportamental Camila Muchon de Melo, professora da Universidade Estadual de Londrina. Uma rotina de treinos todas as manhãs pode começar com se vestir e fazer alongamentos e, depois, ir incluindo novos desafios à medida que os anteriores já estiverem automatizados.

“A adoção de comportamentos tem mais chances de dar certo e se tornar um hábito quando feita a passos tão curtos que fica difícil errar”

Camila Muchon de Melo, professora de psicologia da Universidade Estadual de Londrina

 

 

Lembrete: “fiz o meu melhor”

Aprendemos por meio de instruções frequentes e de modelos. Cercar-se de lembretes gentis que reforcem esse rumo a um novo hábito – é o caso dos tênis, para continuar no exemplo das práticas físicas, mas serve para tudo – faz bastante diferença no estímulo. Se você é uma pessoa que gosta de escrever listas e riscar o que realizou, também vale usar essa estratégia. “Nossos comportamentos são baseados em buscar vantagens, como experimentar sensações agradáveis, ou nos desviar de consequências ruins, mesmo que isso exija passar por algo que não nos faz bem”, afirma Camila. Ela ressalta que a primeira opção deve motivar a maior parte das nossas escolhas. Para tanto, é interessante começar um diário com itens sobre o seu bem-estar. Anote como anda a qualidade do sono, o que você sentiu e qual foi sua disposição. Isso ajuda a enxergar a diferença que certas atitudes têm sobre nossa qualidade de vida. “Saiba, contudo, que esse processo não é linear. No meio do caminho há perdas que podem indicar a necessidade de ajustes de acordo com o seu estilo de vida. E não cumprir um dia não significa que tudo está perdido”, diz a psicoterapeuta Blenda de Oliveira, de São Paulo.

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VIDA PRATICA 03
(Getty Images/Getty Images)

Retorno às origens

Embora as repetições sejam importantes para habituar nossa mente a automatizar decisões, os dias não precisam ser exatamente iguais. Tente fazer planos para períodos de uma semana, entendendo quanto tempo terá para se dedicar a determinadas tarefas. Isso pode ser bastante útil para hábitos que exigem não apenas força de vontade mas também organização, como começar a cozinhar para manter uma alimentação saudável. Você pode planejar o preparo de diversas refeições e deixá-las refrigeradas ou congeladas, garantindo almoço ou jantar para períodos mais corridos. “Os hábitos dos nossos avós de escolher pratos mais naturais para ser saboreados até chegar à sensação de saciedade e em um momento correto, com total concentração, precisam ser resgatados”, diz a nutricionista Sophie Deram, autora do livro O Peso das Dietas: Emagreça de Forma Sustentável Dizendo Não às Dietas (Sensus).

Estar atenta ao que você está comendo é uma forma de reduzir a mastigação ansiosa e rápida, que impede que o gosto seja apreciado. Aproveite a permanência em casa para arrumar a mesa para as refeições e remova as distrações, como o celular. Essa pausa vai transformar a ocasião em um acontecimento. A atenção plena às refeições é proposta do mindful eating. “São horas de conforto que servem também para experimentar novos alimentos”, diz a nutricionista Natalia Barros, de São Paulo. Ela sugere incluir aos poucos comidas diferentes sem excluir grupos inteiros. Assim você evita ficar frustrada ou desanimada com o processo.

“As refeições devem ser horas de conforto para ampliar o leque de alimentos que nos agradam”

Natalia Barros, nutricionista
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Atos de conforto

Enquanto para muita gente o principal empecilho para comer bem é cozinhar há outro grupo que encontra no preparo de refeições uma válvula de escape. Esse time aumentou bastante durante a pandemia. As buscas no Google por receitas consideradas trabalhosas comprovam isso – entre a metade de março e o final de maio, houve média de crescimento de 35% na pesquisa “como fazer pão”. Na procura por alívios e pequenos prazeres, muita gente encontrou hobbies que gostaria de manter a longo prazo. Com a volta do trabalho fora de casa, no entanto, será mais desafiador preparar pães de fermentação lenta, fazer cursos online sobre temas de reflexão profunda ou continuar seguindo roteiros longos de meditação guiada. Mas não abra mão facilmente. Avalie os benefícios que essas práticas trazem que a levam a querer prosseguir com elas.

“A consistência garante a certos comportamentos resultados mais positivos, como é o caso da meditação. Fazer cinco minutos todos os dias é melhor do que sessões de 30 minutos apenas uma vez por semana. Até porque se torna mais difícil encontrar ânimo quando a atividade exige muito tempo”, diz Amanda Dreher, terapeuta integrativa focada em meditação. A mesma lógica de dividir os hobbies em sessões mais curtas e consistentes poderia ajudar a firmar outros. Ler todos os dias em períodos de relaxamento, como antes de dormir ou no intervalo de compromissos, em vez de devorar livros inteiros nos fins de semana, ajuda a estabelecer a regularidade do hábito.

Questão de saúde mental

Desde o início do confinamento, profissionais de saúde e cientistas projetavam um aumento de problemas relacionados à saúde mental. A manutenção de rotinas saudáveis é apontada como um mitigador dessas consequências. “Entretanto, é importante não nos impor mudanças drásticas, o que pode afetar a sensação de bem-estar. Mesmo com a flexibilização, ainda viveremos uma situação complicada por um bom tempo”, diz o psicólogo Alberto Filgueiras, coordenador do Laboratório de Neuropsicologia Cognitiva e Esportiva (LaNCE) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Nos últimos meses, o grupo tem feito, juntamente com a Universidade Federal do Ceará, levantamentos periódicos relacionados à rotina de milhares de pessoas.

Entre os achados preliminares, um deles aponta que quem aumentou a frequência e a intensidade de exercícios físicos em casa teve reflexos emocionais negativos. A melhor medida seria uma manutenção mais leve e moderada. As práticas de cuidados, como alimentação focada em fibras e proteínas e sessões de psicoterapia online, foram relacionadas a sensações positivas e poderiam estar incluídas entre os hábitos que valem o esforço para manter. “Mais recentemente, observamos que as pessoas que saíram da quarentena para atividades de lazer não necessariamente se sentiram melhor depois disso, pois tinham menos ferramentas

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