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“Fiz 40 anos, me separei e floresci profissionalmente”, diz Negra Li

A cantora lançou seu novo trabalho, a música "Comando", que conta com a partição da filha e de uma equipe exclusivamente negra. Assista ao clipe

Por Ligea Paixão (colaboradora)
Atualizado em 31 Maio 2021, 16h31 - Publicado em 28 Maio 2021, 19h07

Conhecida como uma das pioneiras na cena do rap brasileiro, Liliane de Carvalho, mais conhecida como Negra Li, é referência não só por sua trajetória artística como pessoal.

Nascida na periferia da Zona Norte de São Paulo, Negra Li celebra hoje os seus 23 anos de carreira com o lançamento do seu novo single, o Comando, divulgado nesta semana.

“Gosto de dizer que essa música é um salve ao meu passado e um brinde ao meu futuro, relembrando a minha trajetória com orgulho e enxergando um futuro de vitória para o povo preto, porque nós estamos caminhando para isso”, conta Li em uma conversa bem franca a CLAUDIA.

Esta música também fala muito de legado e eu vou deixar o meu para quem? Para a Sofia, não só por ser minha filha, mas pela mulher que ela vai se transformar. Ela é um exemplo de força. É uma menina feminista, revolucionária, adora se posicionar, luta pelas causas, levanta as bandeirinhas

A música, que conta a sua filha mais velha, Sofia, no clipe, nasceu de um processo de transformação da artista, que aos 40 anos, se redescobriu como mulher, mãe e profissional, além de ter se conectado ainda mais com a sua ancestralidade. “Hoje, eu tenho o comando da minha própria vida, da minha careira, dessa força e compreensão do meu poder e potencial e do que eu represento para outras pessoas”, garante.

Para CLAUDIA, a cantora relembra os passos dados no passado, tanto pessoais como profissionais, que foram essenciais para a solidez que desfruta atualmente. 

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Negra Li
(Foto: Rodolfo Magalhães/Negra Li/Divulgação)

Um dos aspectos mais marcantes da sua trajetória é a versatilidade. Afinal, você é cantora, já atuou e em alguns momentos ainda somos agraciados com você tocando, tudo isso em um mundo que, por muitas vezes, diz que o negros não são capazes. Você sempre sonhou em ser artista?

Sempre, desde pequena, tanto que eu sempre falava sobre ser artista para minha mãe, dançava em frente ao espelho, fingia que minhas bonecas eram o meu público e sempre treinava que estava dando entrevista, falando que era atriz, modelo, cantora e compositora. Foi algo meu mesmo, pois ninguém da minha casa era artista. Minha mãe gostava de cantar e meu pai era músico, mas tudo por conta da igreja, nada artístico.

Olhando para esses 23 anos de carreira, quais foram os principais desafios que você enfrentou?

Escolher caminho fácil não é comigo, mas às vezes eu me perguntava “o que que eu quis da minha vida?”, porque eu sempre fui subestimada por ser mulher, negra, pobre, da periferia e cantando rap. Enfrentei o machismo na música tendo que me podar, vestindo roupas dos meus irmãos, não sorrindo e não cumprimentando com beijos, o isolamento quando eu estudava em um colégio particular na infância, porque as meninas não queriam fazer amizade comigo por não ser interessante para elas. Além disso, para ensaiar com o RZO, eu ia a pé da Brasilândia para Pirituba e diversas outras situações. Apesar de todas as dificuldades, nunca fugi da raia e sempre agarrei todas as oportunidades. Devo ter puxado isso da minha mãe, porque ela trabalhava, cuidava da casa, resolveu terminar os estudos e fazer faculdade depois dos 40 anos, sem que meu pai quisesse. Ainda assim, ela o enfrentou e sempre deu conta de tudo, mostrando que eu também podia ser assim, mesmo que não fosse seguindo pelo caminho fácil.

Atualmente, você está com 41 anos. Além de ser artista, você também é mãe e se divorciou recentemente. Você está curtindo este momento da sua vida, mesmo com pandemia e todo esse caos que a gente está vivendo?

Sim! Depois dos 40 anos a gente cria uma maturidade e uma serenidade (risos). Inclusive meu novo álbum é sobre este momento que estou vivendo. De 2019 para 2020, foi quando muitas coisas aconteceram. Fiz 40 anos, me separei, assinei contrato com uma nova empresária e tudo isso fez com que eu entrasse para dentro de mim, trabalhasse o meu autoconhecimento e me fez florescer uma mulher empoderada, forte e intensa. Eu também me conheci sexualmente, o que foi muito importante pra mim. Tudo isso fez com que eu me inspirasse para compor esse novo álbum, que fala muito sobre a minha experiência de vida, da minha história, das minhas fases, do luto do amor e das novas relações. Esta primeira música Comando, ela fala exatamente sobre isso: ter o comando da minha própria vida, da minha careira. Essa força e compreensão do meu poder e potencial e do que eu represento para outras pessoas, porque, quando a gente entende o nosso propósito e faz as coisas baseado nisso, tudo o que fazemos é pensando na coletividade e se torna tão grandioso. Uma mulher negra pode mudar toda uma sociedade, quando ela trabalha isso.

Negra Li
(Foto: Negra Li/Divulgação)

O rap brasileiro sempre foi um manifesto em prol das causas da população preta. Você, como uma das pioneiras dessa cena, representou simultaneamente três causas: a da população negra, da periferia e a das mulheres. Em algum momento, isso se tornou um peso? Já sentiu vontade de parar em algum momento?

Sim, só que quando a gente sente o peso e está preparada para aquilo, com uma base sólida e firme, é diferente do peso de quando você não está. Eu já quis fugir desta responsabilidade, de não fazer mais o rap, porque eu achava que era pesado demais este fardo. Eu também já quis parar, porque estava difícil conseguir aquilo que eu almejava e sonhava. Mas, tinha mais a ver com uma coisa minha, tanto que hoje eu olho e vejo que a culpa era minha por cultivar esses pensamentos. Só que agora que eu me sustentei, deixei a minha base forte com essa força interior que hoje eu sinto que tenho, percebi que posso aguentar qualquer coisa. Hoje, para mim é uma honra e um orgulho ser referência, porque agora eu tenho forças pra carregar esta responsabilidade e dizer: ‘pode vir, pois eu tenho 41 anos de idade, 23 anos de carreira e eu tenho experiência e propriedade para aceitar esse lugar.’ Hoje eu consigo falar isso com a maior alegria, porque eu também aprendi a respeitar as mulheres pretas, tal como Elza Soares, Sandra de Sá e Zezé Motta e tantas outras famosas e anônimas que vieram antes de mim e, assim como eu, fizeram a diferença.

A internet é um campo minado e, nas redes sociais, dá pra ver que você é cautelosa em tudo o que é falado. Já teve algum caso que não teve como se segurar e teve que opinar?

Sim. Eu sou medrosa e tenho muito cuidado com o que eu falo na internet e por causa disso já sofri muitas críticas, porque as pessoas acabam achando que sou morna demais e não me posiciono. Sou virginiana, então isso tem muito a ver com a minha personalidade, com o medo de errar e ser muito autocrítica. Mas, no caso da Karol Conká no BBB21, eu queria ficar quieta, afinal, ela é minha colega de trabalho. Independente dos erros dela, ela já estava sendo malhada e julgada demais, não queria fazer aquilo com ela, mas as pessoas estavam exigindo de mim um posicionamento, comecei a perder seguidores e recebi mensagens malcriadas. Então eu e minha equipe tivemos que bolar uma abordagem, ainda que generalizada, para que eu pudesse falar sobre o assunto. Esse foi o único momento em que eu me senti obrigada a me posicionar, porque em outras vezes eu quis mesmo, achei importante e quero fazer mais isso, quando eu quiser, porque eu entendo que sou referência e as pessoas precisam disto, da mesma forma que eu preciso utilizar este espaço.

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Negra Li
(Foto: Negra Li/Divulgação)

O anúncio dessa nova fase da sua carreira veio acompanhado de um novo posicionamento: o do controle total de sua carreira. Então você já sentiu que não estava fazendo as coisas baseada na sua essência?

Esta é uma questão muito difícil, porque eu sempre mudei muito e sempre quis fazer aquilo que eu tinha em mente. Sempre fui verdadeira comigo mesma. No entanto, já teve sim uma época em que eu olhei e senti que estava um pouco longe da minha essência, mas de uma forma pequena e não grave. Isso tem a ver com as escolhas que eu fiz dos gêneros musicais ao longo dos anos, como pop, MPB, e com o fato de eu ser uma garota de fases. Eu não vi como algo ruim, vi como uma experimentação e não me arrepende de nada. Os erros e os acertos são meus.

Um aspecto interessante desta sua nova fase é resgatar em suas músicas a ancestralidade. Por que decidiu incluir esta característica?

Eu tenho muito orgulho da pessoa que eu sou. Nós pretos fomos bastante moldados desde a escravidão, com o modo de falar, de vestir, de se portar e é gostoso você se aprofundar nesta ancestralidade e imaginar como as coisas teriam sido um dia se meus antepassados tivessem sido escravizados. Onde eu estaria agora? Esta é a pergunta. Provavelmente, vivendo e me comportando de uma forma diferente. Então, é muito importante a gente entender, ter a curiosidade de saber de onde vem. Eu me inspirei nos trabalhos atuais da Beyoncé, que também está cada vez mais se aprofundando nisso, e trabalhei com uma equipe majoritariamente preta pra fazer o álbum.

Se tem uma coisa que nós amamos, são as suas parcerias musicais. O que podemos esperar para as suas próximas produções?

Olha, tem parceria sim, só não posso dizer quais (risos). É muito gostoso essa ideia de parceria, pois a gente vê que dá certo unir vozes, cantores e públicos. É diferente. E eu gosto de dizer que agora é a revanche, pois eu não serei mais a convidada, eu serei a anfitriã. Me aguardem.

Qual a parceria musical que mais marcou a sua vida?

Nossa, não é difícil de falar! Charlie Brown Jr. com toda a certeza, porque tem todo um diferencial. Mudou a minha vida. Foi nela que eu chamei atenção de gravadoras, da mídia e passei a ser conhecida nacionalmente. Sem contar que essa é uma música atemporal. Sou muito grata por esta participação. E tem o RZO também, mas eu sinto que foi mais do que uma parceira, eu fiz parte daquela família.

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Por fim, qual o recadinho que você deixa para o público sobre esta sua nova fase e o seu legado?

Eu quero dizer que é para eles e por eles, pois eu fui muito incentivada pelo meu público a continuar e a ser mais do que eu mesmo queria. Tinha hora que eu falava que estava bom para mim, mas o meu público queria mais. Eu via que eles queriam me ver e me escutar mais. A certeza que eu tenho hoje de que vai dar certo, de que eu vou vencer, é por causa desta força e deste apoio que eu recebo de fãs, familiares e amigos. Por isso eu estou me sentindo tão poderosa. Eles que me fizeram ter mais audácia, ser mais ousada. Se o público fala que eu sou, eu tenho que ser. Espero que tenha valido todo este tempo de espera e que vocês fiquem feliz e surpresos.

Negra Li

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