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Luh Maza, a primeira roteirista trans negra da TV brasileira

A multiartista conta como o reconhecimento da sua identidade de gênero consolidou ainda mais sua trajetória profissional na arte

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 jun 2021, 14h05 - Publicado em 5 jun 2021, 20h14
Luh_Maza
 (Cléber Corrêa/Reprodução)
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A coxia do teatro serviu de morada para a inquietação de uma menina carioca, de Olaria, subúrbio do Rio de Janeiro, aos 12 anos. Filha de um bombeiro e uma professora, a multiartista Luh Maza nasceu em uma família com pouca estrutura financeira, mas que nunca podou seus sonhos. Pelo contrário, a troca com a arte só aconteceu, segundo ela, graças ao apoio dado pelo núcleo familiar.

“Sempre fui muito ao teatro com a minha mãe. Com 12 anos, comecei a estudar teatro e me encontrei nesta arte de me comunicar por meio de personagens e histórias, que sempre me aventurei a escrever ainda na infância”, lembra Luh, que hoje coleciona trabalhos como diretora, roteirista, atriz e escritora.

Antes de chegar ao audiovisual, a fluminense se fortaleceu primeiro na dramaturgia. Aos 16 anos, com o financiamento das economias da avó e a força de produção totalmente familiar, Luh estreou sua primeira peça teatral.

De lá para cá, ela se desdobrou com maestria em diversas funções. “Sou atriz, diretora, dramaturga, iluminadora, cenógrafa, já fui crítica de teatro também. Isso me deu flexibilidade para sobreviver da arte. Além disso, tive uma persistência, que não sei nem explicar. Sou uma mulher preta, pobre, que chegou em São Paulo com 600 reais no bolso. Sabia que precisava me concentrar e investir”, afirma a artista, que também se formou em marketing.

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Faço questão que as pessoas saibam que meu trabalho saiu dessa cabeça e desse corpo, que, até 10 anos atrás, jamais estaria ocupando esse lugar. Então, cada vitória é muito grande

 

Liberdade para ser quem é

Existir e crescer na cultura com esses marcadores sociais já eram fatores desafiadores para Luh. Mas um chamado interno, provocado por um convite do diretor Rodolfo García Vazquez para fazer uma peça sobre identidade de gênero, falou mais alto.

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“Passei a entender melhor meu gênero dos 18 para os 20 anos, mas tinha muito medo. O convite do Rodolfo para o espetáculo Cabaré me colocou em contato com outras sete pessoas trans e foi aí que me entendi”, lembra.

Na família, a transição trouxe afastamentos de alguns parentes, mas a sua base se manteve sólida. “O acolhimento da minha mãe e da minha avó foi total. A gente discute quando erra um artigo, mas tem um amor para tentar acertar. Isso é o que importa”, explica a neta da dona Cleia e filha da Ana Lúcia.

O processo de autoconhecimento foi um divisor de águas na vida dela em todos os sentidos. Ainda que já tivesse uma excelência artística consumada, as portas se abriram ainda mais para os seus sonhos, quando se reconheceu como mulher.

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“Era uma urgência interna para ser eu mesma, que me causava medo. Quando me entendi, fui acolhida totalmente pela TV e pelo teatro, conquistando o reconhecimento que sempre busquei”, celebra a dramaturga, que furou a bolha do perfil de roteiristas constantemente chamados para trabalhos na televisão.

Sua estreia foi em Sessão de Terapia, na Rede Globo, graças a um convite da autora da produção, Jaqueline Vargas. “Escrevi um roteiro para o personagem Nando, um homem negro que passava por problemas no casamento. Foi interessante, porque tinha acabado de entrar no meu processo de reconhecimento enquanto mulher e revisitei o tema da masculinidade com outra perspectiva”, comenta. Após a atuação na série, ela ainda integrou produções da Netflix e Globoplay.

Para a fluminense, a entrada nesse universo pode ser comparada a uma catraca de um clube de elite. Seu maior sonho? Ser a responsável por liberar a entrada de todos que são barrados nesse baile.

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“O teatro é pobre, por isso há mais acolhimento. Já a TV é uma indústria com salários altos e poder de influenciar uma nação a se descobrir. A gente precisa pular essa catraca. Não é só para o povo preto e trans, mas para todos que estão do lado de fora”, alerta a multiartista, que ainda deixa uma provocação ao mercado: “me contratem e deixem eu montar uma equipe diversa real, de cima para baixo.”

Pioneirismo

O movimento que a roteirista procura fazer na telinha já é praticado por ela há muito tempo no teatro. Além do pioneirismo na televisão, Luh é a primeira autora e diretora trans convidada pelo Theatro Municipal de São Paulo. O convite foi aceito com uma condição: levar mais dez atrizes trans para estrelar a sua peça Transtopia, exibida em 2019.

“Hoje, olho para essa menina que nem deixaram ser e me sinto vitoriosa, mas é uma vitória um tanto agridoce, porque nenhum aplauso silencia o barulho das minhas caindo mortas. Vivemos em um país em que o genocídio é infindável e ninguém faz nada para mudar. Enquanto tiver ruim para indígenas, pessoas com deficiência, soropositivas, asiáticos, entre outros grupos oprimidos, não vai estar bom pra mim também”, garante.

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Para a multiartista, que também já foi indicada ao Prêmio Jabuti de Literatura, o aflorar e protagonismo do seu trabalho é resultado de uma luta coletiva e anterior a sua existência.

”Essa epígrafe com ‘primeira roteirista, primeira diretora’ mostra como demorou para uma identidade humana ocupar um lugar de fala. É assustador, mas vale lembrar que não começou comigo. Pessoas trans e pretas lutaram para eu estar lá e muitas que lutaram antes de mim não conseguiram esse reconhecimento. Recebo esses títulos com respeito pelos que vieram antes e pelos que vão vir, até que esse número não faça sentido. A representatividade só acontece quando é coletiva”, aponta.

Artevista

O ativismo e a arte sempre andaram de mãos dadas no caminho de Luh. A intersecção dos seus marcadores sociais: mulher, trans, preta e de origem periférica mostra a ela que a luta contra a opressão e o direito de existir dignamente é infindável. Porém, a vida lhe ensinou que o enfrentamento não pode e não deve ser contínuo. Parar, respirar e experienciar o amor são atos vitais.

Aprendi que não preciso aguentar tudo, porque tem outros comigo nessa caminhada para dividir o fardo da luta. Hoje, isso me dá mais tranquilidade para ser mais leve e feliz

“O afeto me alimenta. Recebo e dou carinho aos meus amigos e às pessoas que me amam e que eu posso amar. Corpos trans sempre foram odiados ou usados, por isso nos amamos entre nós. Parafraseando o rapper Rincon Sapiência, digo que: ‘faço questão de botar no meu verso que trans e trans estão se amando’. Uma mulher preta tem que ser forte, mas tem horas que cansa. Preciso descer do salto para não quebrar o pé. Caso contrário, a vida fará isso por mim”, finaliza. 

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