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Livro conta as histórias de luta de 15 mulheres durante a ditadura militar

Indígenas, operárias ou camponesas, todas elas buscam por justiça contra a barbárie que aconteceu no Brasil durante os anos de chumbo

Por Colaborou: Esmeralda Santos
Atualizado em 20 mar 2020, 17h19 - Publicado em 19 mar 2020, 09h00

A cacica xavante Carolina Rewaptu tinha apenas 6 anos quando três aviões da FAB – Força Aérea Brasileira pousaram na aldeia Umréruré, no Mato Grosso, onde nasceu e vivia. Essa ação separou o povo Marãiwatsédé, levando-os de forma forçada para outro território, a 457 km de onde moravam.

Eles tiveram suas terras literalmente doadas a apoiadores do regime militar e, partir daí, travaram uma luta incansável pela restituição por elas. Em meio a embates contra políticos, pastores e madeireiros, a vitória desses indígenas levou 46 anos para acontecer. Hoje, Carolina dá continuidade a uma luta que iniciou há quase 50 anos: a de replantar o que foi perdido ao longo da história, sendo líder de uma rede de mulheres coletoras de sementes do Xingu.

A história da cacica Carolina é um dos 15 perfis do livro “Heroínas desta História – Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura”, que narra a trajetória da luta por justiça e direito das mulheres que tiveram suas vidas impactadas pela violência militar do Estado.

A obra foi escrita por uma equipe 100% feminina e organizada por Carla Borges e Tatiana Merlino . Com uma pesquisa extensa elas localizaram cerca de 70 mulheres que foram atingidas pela repressão militar, chegando aos 15 perfis retratados na obra.

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“Revimos os principais documentos que existem sobre as vítimas da ditadura, e a cada mulher citada fizemos uma lista traçando esses perfis. Um dos principais desafios foi escolher as 15 perfiladas”, conta Tatiana, que é jornalista especializada em Direitos Humanos.

O livro nasceu da vontade de Ivo Herzog e Marcelo Rubens Paiva filhos de Vladmir Herzog e Rubens Paiva de contar a história de suas mães Clarice Herzog, e Eunice Paiva que perderam seus maridos assassinados pela violência da época. “Elas são verdadeiras heroínas desta história, porque é graças a elas que sabemos muito sobre o que aconteceu e os avanços que foram alcançados”, contou Ivo Herzog em uma Flip junto a Marcelo Rubens Paiva.

O livro também busca contar um lado menos conhecido da brutalidade da Ditadura – a luta das mulheres que perderam seus entes queridos e fizeram da perda um motivo para buscar justiça pelas mortes da época sombria a que o Brasil foi submetido. De indígenas a camponesas, o objetivo do livro é jogar luz às histórias menos contadas, e retratá-las como protagonistas.

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Mas não é apenas essa trajetória que o livro conta. Com uma linguagem literária, delicada e envolvente a cada novo capítulo, a intenção é também retratar o dia a dia dessas mulheres, mostrando que a batalha delas ia além do grito por justiça. “Queríamos reconhecer como heroico o fato da mãe não tirar a mesa de jantar esperando o filho voltar pra casa, ou entrar na faculdade para poder trabalhar com temas sociais depois do desaparecimento do filho”, explica Tatiana.

“Se tivesse se comportado dentro dos limites impostos pela ordem ditatorial, Clarice Herzog jamais teria conseguido desmascarar a farsa de suicídio que tentaram forjar sobre o seu marido, torturado e assassinado numa cela do DOI-CODI”, diz o prefácio, intitulado como “Mães coragem”, escrito pela jornalista Maria Rita Kehl.

O livro já está disponível nas lojas online (Divulgação/Divulgação)

Elizabeth Teixeira, Eunice Paiva, Clara Charf, e Elzita Santa Cruz estão entre as homenageadas. Foi lutando que essas e muitas outras mulheres desmitificaram o estigma de que elas não poderiam fazer nada além das tarefas do lar em um período em que até quem não estava envolvido nas lutas sociais e políticas era perseguido. “Muitas mulheres não tinham a militância prévia, tem o caso da Diana Piló, que não era ativista política”, aponta Carla.

Diana Piló é um exemplo de simplicidade e força. Ela demora a saber que seu filho Pedro Alexandrino era militante – e ele fica desaparecido por anos por viver na clandestinidade. Quando a verdade sobre ele vem a tona, Diana se transforma em uma verdadeira lutadora. “Ela constrói uma vida totalmente diferente depois dessa violência que aconteceu em sua vida. É sobre essa força que estamos falando”, diz Carla.

As autoras afirmam terem sido tocadas e inspiradas por cada relato das perfiladas. “Encontrar essas mulheres e ver a força que elas têm depois de tudo o que passaram é um alento. Queremos que, quem ler o livro se sintam tão inspirado quanto ficamos a lutar e nunca se calar diante de qualquer injustiça”, diz Tatiana, empolgada com o projeto.

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Apesar do lançamento do livro ter sido adiado em todos os estados por conta do coronavírus, a animação das organizadoras não foi limitada por esse impasse. “Foram 2 anos de pesquisa e muitos entraves, foi bastante desafiador. Queremos ver a felicidade dessas mulheres ao se verem retratadas como protagonistas no livro. É muito gratificante e cumpre um grande papel social”, diz Carla.

Tatiana nasceu em meio a ditadura e é sobrinha do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto pela repressão do Estado. Apesar de não ter tido contato com o tio, sua trajetória foi um grande incentivo para a realização do livro. “Vivemos um momento de negacionismo no brasil. É forte ter um presidente que exalta Carlos Brilhante Ustra, um dos maiores torturadores que existiu. Contamos a trajetória de algumas das mulheres que foram torturadas por ele no livro”, explica ela. “É urgente ter livros que contam essa história de várias perspectivas em um momento em que tentam apagar o que aconteceu”, concluiu.

Carla ressalta a importância do livro em um momento delicado da política brasileira.  “São dois ataques principais: à memória e às mulheres. É um governo misógino e que tenta distorcer o passado. Ter esse livro que vai dar voz a essas mulheres, escrito por mulheres de diferentes perfis e jornalistas em sua maioria, que contam a história da ditadura de uma perspectiva que não tinha sido explorada é se posicionar contra essa tentativa de manipulação do passado”.

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O próximo passo é falar sobre as mulheres que perderam seus filhos em um período pós-ditatorial, que é o caso da organização Mães de Maio – um movimento de mães que perderam seus filhos para a violência policial. O livro Heroínas Desta História traça uma linha do tempo entre passado e futuro. “Muitos envolvidos nas agressões, torturas e assassinatos não foram condenados pelos crimes e a violência vivenciada por essas mães é um reflexo da impunidade”, finaliza Tatiana.

Recém chegado a livrarias de todo o Brasil, o livro já está disponível também em lojas online.

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