Joana Lira: a artista que leva brasilidade para dentro da sua casa (e da Tok&Stok!)
Com trajetória marcada pela brasilidade, a artista constrói uma ponte sensível entre design e cotidiano

A artista Joana Lira tem a carreira marcada pela fusão entre arte, design e cultura popular brasileira. Pernambucana e filha de arquitetos, ela cresceu em um ambiente criativo que estimulou sua sensibilidade estética desde cedo. Aliás, você pode não saber, mas com certeza já viu alguma de suas peças por aí – isso porque, há mais de 16 anos, ela cria coleções para a loja Tok&Stok.
A partir de cores vibrantes, desenhos que se assemelham a gravuras e muitos pássaros, ela traduz todo o afeto que vê ao seu redor e ainda honra a conexão com as raízes nordestinas. A criações transitam por múltiplos suportes, como cerâmica, papel, tecido e meios digitais, sempre com cuidado nos detalhes. “Me guio muito pela emoção e pelas coisas que me tocam”, afirma à CLAUDIA.
Entre seus projetos mais emblemáticos está a cenografia do Carnaval do Recife, além de exposições como “Quando a vida é uma euforia“, apresentada no Instituto Tomie Ohtake e no Museu Cais do Sertão. Abaixo, confira a entrevista completa com a artista:
CLAUDIA: O que fez você se aproximar das artes visuais?
Joana Lira: Meu berço já era cercado de arte. Nasci em uma família em que meus pais são formados em arquitetura. Além disso, meu pai é um grande colecionador de arte, especialmente de arte popular. Ele tem cerca de três mil peças acumuladas ao longo da vida. Eu cresci cercada por essas obras e com esse olhar apurado para o ambiente ao nosso redor. Ser pernambucana também pesa nesse sentido porque somos muito atravessados pela cultura local. A vivência é intensa, rica. Depois de um tempo, minha mãe também passou a se dedicar ao design têxtil.
Então, quando chegou a hora de decidir o que fazer profissionalmente, arquitetura parecia o caminho óbvio. Mas percebi que queria algo com mais fluidez, aí acabei optando por design gráfico. Já na faculdade, eu tive uma atuação muito multidisciplinar. A verdade é que esse viés artístico era tão forte dentro de casa que, por muito tempo, eu nem percebia. Era como se tudo isso estivesse naturalmente embebido em mim. Foi um caminho muito orgânico, quase inevitável.

CLAUDIA: Você tem uma parceria importante com a Tok&Stok. Como surgiu essa colaboração e como você percebe esse desdobramento do seu trabalho em produto?
Venho de uma família muito ligada ao fazer, à descoberta. Por muito tempo, criei produtos e obras muito únicas, o que, claro, gerava um valor final mais alto. Isso me deixava um pouco triste porque pessoas com menos acesso não conseguiam adquirir. Comecei essa parceria com a loja há cerca de 16 anos. Depois da primeira coleção, entendi o impacto real do que eu fazia: uma história contada por meio de um produto pode tocar alguém profundamente.
Recebi relatos emocionantes de pessoas contando como esses objetos se tornaram importantes para elas. Era uma ampliação daquele propósito que eu já vivenciava com o Carnaval do Recife, um trabalho de rua, democrático. Agora, em outra escala, também estava criando experiências para o cotidiano das pessoas. Fiquei encantada com essa possibilidade de gerar conexão e afeto.
CLAUDIA: Você traz elementos de brasilidade nas suas peças. Como eles surgem?
A gente mora num país continental com muita diversidade. Eu me guio muito pela emoção e pelas coisas que me tocam. E eu sempre tive essa coisa de me arrepiar ao conhecer uma cultura nova. Me lembro quando fui pela primeira vez ao Pará e como era entender aquele ambiente, o clima, a comida, as cores… A gente tem um Brasil cheio de contrastes culturais e isso me encanta muito, acho tudo muito rico. Minhas obras são uma maneira de honrar.
Tem algo que falo muito que é: não se voa sem chão. E esse chão, para mim, que estou esse tempo todinho aqui em São Paulo, é Pernambuco. Esse chão tem essa parte cultural, musical, artística, essa veia que pulsa do Carnaval, da fantasia.

CLAUDIA: Tem uma parcela das artes visuais que separa o artesão do artista. Mas, pelo que entendi, você não faz essa separação, certo?
Essa separação é uma régua muito elitista. O artista dito popular é uma pessoa mais humilde, que não necessariamente está no mercado de arte. Mas, por vezes, ele é lido como se fosse uma pessoa com menos informação e poder intelectual. No entanto, são pessoas que têm um trabalho genuíno. E a arte é essa expressão que vem do cerne da pessoa, é uma oportunidade de colocar no mundo como você vê a vida.
Por que a gente vai dizer que uma coisa é menos que a outra se somos todos indivíduos?! Deveríamos ter o mesmo lugar de reconhecimento e de valor. Mas hoje o mercado de arte hoje está com esse olhar bem grande para essa fatia da arte dita popular, acho que tem mudanças acontecendo.

CLAUDIA: Na nossa conversa, falamos muito de acesso. Tanto de pessoas que podem comprar obras até artistas-artesãos. Ainda falta uma discussão social sobre acesso?
Estamos muito atrasados. Mas podemos falar isso de todos os assuntos que permeiam nossa vida. Tudo está ligado às camadas de poder e de influência, dessa forma econômica que existimos. E eu nem sei se a gente consegue resolver essa equação em vida!
Mas me preocupo um pouco da arte popular virar uma moeda de troca. Meu pai tem uma relação muito emocional com a coleção dele. Ele mora sozinho em uma casa antiga e teve que adquirir outros espaços porque é uma obsessão. Ele sabe a história de todas as peças, tem uns bonecos enormes articulados e brincou com eles durante a pandemia. Ele é completamente atravessado emocionalmente por essas peças. Meu desejo é que todo mundo tenha essa relação.
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