Gastar tempo e dinheiro viajando é sempre um bom negócio
Boas viagens começam antes do embarque e terminam depois do desembarque
Junto com os livros da série Vaga-Lume (Ed. Ática), lidos por muitas crianças e adolescentes da minha geração, as revistas foram fundamentais na minha formação como leitora. Capricho (na época com edição mensal, nos submetia a uma espera sem fim), Elle, Vogue, Marie Claire, Superinteressante, Viagem e Turismo, a National e até a saudosa Interview (ainda hoje me pergunto de onde tirei aquilo: era uma garotinha e chegava na banca do Wagner pedindo um título tão adulto!).
Os editoriais de moda eram encantadores, as reportagens de sociedade também, mas tirar do chão, ah, esse era um sintoma causado pelas materias da viagem. Foi com esses títulos que embarquei pela primeira vez para o sul da Itália, para o interior da França e para o Deserto do Atacama. O Chile, aliás, tinha um lugar especial reservado na minha imaginação romântica. Nesse caso por causa de um livro – que virou filme – escrito por Isabel Allende. Em A Casa dos Espíritos (1982) ela narra lindamente a saga da família Trueba.
Por ter nascido curiosa, além de morar perto da banca do Wagner, de certa maneira abracei a ideia de que viajar, mais do que sair de um lugar para o outro, é colocar-se no lugar dos outros. Isso significa interessar-se por pessoas e ficar atento para manter a mente aberta o suficiente para se desligar do seu mundo, valores e costumes e abraçar o delas. Não é, evidentemente, uma verdade absoluta sobre o que é viajar, mas tem sido um jeito (ou uma fórmula) de garantir aquele tipo de saciedade reservado a não muitas ocasiões na vida.
É certo que não precisa ir longe para fazer isso – pecado é ir longe, muito longe, e não fazer! Alain de Botton, espécie de filósofo pop e escritor-de-autoajuda-intelectualizada e autor de livros deliciosos, escreveu em A Arte de Viajar (2003). “Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio – com toda a sua empolgação e seus paradoxos – quanto o ato de viajar. […] Ele expressa um entendimento de como a vida poderia ser fora das limitações do trabalho e da luta pela sobrevivência.” Para Botton, uma viagem nos aproxima daquilo que os filósofos gregos chamavam de “eudaimonia“, ou “desabrochar humano”. A “eudaimonização” de um viajante é, no entanto, um processo mais longo do que a viagem em si.
É mais do que pegar a estrada ou o avião, mais do que chegar a outra cidade seja no Brasil ou no resto do mundo, seja só ou acompanhada. Começa antes do embarque e termina depois desembarque.
Conhecer sobre o solo onde se pisa e entender do passado para se conectar ao presente é um dos caminhos para criar empatia com o lugar e as pessoas que fazem ele ser como é. Mais ainda, aposto nisso como uma maneira de entendermos mais sobre nós mesmos, nossa cultura e sociedade. É uma forma de conhecer o que nos assemelha e nos difere do mundo lá fora. Voltar para casa transformada de algum jeito é a parte que vem depois – e que nos faz, de certo modo, prolongar a viagem.
Para viajar
Confira filmes que mostram períodos da história de alguns países pelo olhar de personagens femininos
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Belle (2015)
Inspirado numa história real, a trama se passa na segunda metade do século 18 e tem como protagonista Dido Elizabeth Belle, filha de uma escrava com um navegador inglês de família nobre. O filme mostra como essa consegue interferir no fim do tráfico de escravos – primeiro passo para o fim da escravidão.
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O Amante da Rainha (2012)
Caroline Matilde é uma jovem inglesa antenada com o iluminismo, a mais sofisticada linha de pensamento de sua época. Enviada à Dinamarca (que ainda era um país atrasado) para se casar com Cristiano VII, o rei maluco do país, ela se vê proibida de ter qualquer contato com as ideias progressistas do iluminismo. É quando conhece o gentil e inteligente médico do seu marido. Juntos, eles conseguem revolucionar as instituições dinamarquesas. Caroline foi, assim uma das responsáveis por plantar a semente de modernidade que até hoje governa o país escandinavo.
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Histórias Cruzadas (2011)
Nos anos 60, Eugenia “Skeeter” Phelan é uma mulher do sul dos Estados Unidos que quer muito ser jornalista. Ela decide escrever um livro e o tema não poderia ser mais apropriado à época: o racismo dessa região americana, sob a perspectiva das empregadas domésticas e babás negras. Fudamental para entender a segregação racial dos Estados Unidos e refletir sobre a nossa.
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Persepólis (2007)
Baseado na coletânea de livros que leva o mesmo nome, essa animação conta a história de Marjane Satrapi e sua trajetória desde a queda do Xá e o início da brutal ditadura iraniana.
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Zuzu Angel (2006)
Conta a história de uma das mais importantes estilistas brasileiras dos anos 60, que teve seu filho morto pela ditadura e depois foi ela própria assassinada pelos militares.