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Filho de Elis Regina revela lado desconhecido da cantora

As doces lembranças da infância de João Marcello Bôscoli misturam-se aos registros do auge da carreira da cantora no livro Elis e Eu

Por Texto: Isabella D'Ercole | Fotos: Julia Rodrigues
Atualizado em 17 fev 2020, 11h16 - Publicado em 29 nov 2019, 18h38
 (Julia Rodrigues/CLAUDIA)
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Outro dia, caminhando pela rua, João Marcello Bôscoli foi abordado por um estranho que disparou: “Ei, você não é o pai do Arthur?”. Arthur, 8 anos, é o filho mais velho do músico e empresário, fruto do relacionamento com a apresentadora Eliana. Ele também é pai de André, 3, com Juliana D’Agostini. Essa foi a primeira vez que João, 49 anos, foi lembrado pela relação com o pequeno. Mas não a primeira vez que foi reconhecido na rua; está acostumado a um certo grau de assédio. Se não pelo próprio trabalho – João é profundo conhecedor e estudioso da música –, por outro parente, a mãe, Elis Regina. Inclusive, foi por causa da abordagem de fãs que, ainda criança, descobriu que a mãe era famosa. Ele e a cantora andavam por uma feira no Brooklin, em São Paulo. “A Mãe era minha, mas Elis Regina era do mundo”, escreveu no livro Elis e Eu: 11 Anos, 6 Meses e 19 Dias com Minha Mãe.

Mãe, para ele, é com maiúsculo mesmo. Afinal, não há figura mais importante para os filhos. A obra escrita por João Marcello tem dois propósitos. O primeiro é deixar um legado aos seus filhos, que nunca conheceram a avó. O outro é a tentativa de responder à pergunta que ouve todas as semanas desde os 11 anos: “Você se lembra da sua mãe?”. Sim, ele se recorda de tudo, com detalhes minuciosos que fazem com que as 200 páginas virem uma viagem no tempo. Descreve as gravações de Elis & Tom em Los Angeles, no ano de 1974, o nascimento dos irmãos e a visita que fez com a gaúcha a Rita Lee, na prisão, durante a ditadura. Aliás, é Rita quem escreve o prefácio do livro.

Se para o leitor a obra é um presente, para João é um trauma. “Meu neurologista disse que, quando minha mãe morreu, meu cérebro recebeu uma grande descarga elétrica e reagiu resgatando todas as memórias do inconsciente e armazenando-as. É consequência do choque”, contou em um encontro com CLAUDIA no seu grande complexo de estúdios, em São Paulo.

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A convite de CLAUDIA, João Marcello estrelou uma releitura da foto da capa do álbum Elis – Como e Porque (Divulgação/Divulgação)

A carreira de João Marcello é apenas uma das influências da mãe. E não tinha como ser diferente. “Você tem noção do que é ouvir Elis cantando a capela em casa? Mesmo antes disso, ela fez shows até os oito meses de gravidez. Eu estava lá, protegido pelo líquido amniótico, em meio ao som alto, à bateria, escutando a voz dela”, conta. “Foi ela que me apresentou o Prince, o Quincy Jones, Nat King Cole, Stevie Wonder.”

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O garoto que dormia em meio aos instrumentos hoje é sócio-fundador da maior empresa de música indendepente do Brasil. No mesmo lugar em que esta matéria foi feita, gravaram Herbie Hancock, Djavan e, naquele dia em que estávamos lá, Titãs. “A arquitetura de um estúdio é padronizada. As cores são claras, os materiais orgânicos, para não cansar, porque você passa muito tempo ali. E aí tem um ponto de cor forte, tipo vermelho, que é pra animar. É uma coisa mágica, lugar de nascimento de algo. Quem entra aqui traz o melhor de si”, prossegue João, visivelmente apaixonado pela ocupação.

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(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

A conexão com Elis vai além, é física. João cruza os braços e mordisca a ponta do dedão da mão. “Tá vendo isso? É atávico? Elis fazia isso. Eu sou um pedaço vivo dela. É genética”, explica, acrescentando que o diálogo com a mãe é permanente. “Eu tento me nortear pelos princípios éticos e morais dela.” Tantos laços não o incomodam, não acredita nessa coisa de ser sombra da mãe. “Pelo contrário, amo que ela seja lembrada. Meu maior medo, quando Elis morreu, era de que ela fosse esquecida logo. Porque o Brasil não tem memória cultural. Eu queria que outras artistas fossem tão resgatadas quanto ela”, afirma, citando Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Sylvia Telles.

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Admite que ele e os irmãos se engajam em manter viva a história de Elis. Por isso, de tempos em tempos, apoiam projetos relacionados ao nome da mãe. Já teve exposição, musical, filme. “A gente não se intromete. Não fazemos exigências ou vigiamos. Só vemos o resultado no final”, diz.

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O livro “Elis e Eu” (Divulgação/Divulgação)

As últimas imagens

Elis Regina alcançou o estrelato aos 20 anos, estourou na televisão, veículo então recém-lançado, fez apresentações por todo o Brasil, viajou para Estados Unidos, Europa e Japão. Mudou-se várias vezes do Rio para São Paulo. Construiu uma casa na Serra da Cantareira, no interior paulista, com estúdio, galinheiro e estufa de flores. E fez tudo isso com os filhos acompanhando-a – João Marcello é o mais velho, do relacionamento com Ronaldo Bôscoli; depois veio Pedro Mariano, 44 anos, e Maria Rita, 42, ambos músicos, filhos de César Camargo Mariano. O lar era um lugar feliz onde quer que fosse. A farra dos três era frequente, mas, quando passavam do ponto, Elis se mostrava uma mãe rígida. Certa vez, fez João dormir no hall do elevador do apartamento em que moravam porque o menino tinha feito amizade com pessoas que Elis considerava corruptas.

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A proximidade dos últimos dias não foi notada por ninguém. “Totalmente avessa às drogas, Elis era considerada a polícia dos amigos e se chateava com isso. Estava cansada de ver todos evitando o assunto ou disfarçando quando ela chegava”, conta João. Um dia, ela tirou os músicos de um hotel durante uma turnê porque sentiu cheiro de maconha. Quem me contou foi um dos artistas. E ele falou que era alguém da banda que estava fumando”, conta, rindo.

Nunca viu a mãe usando cocaína, mas relata uma festa no apartamento em que, do seu quarto, ouvia inalações rápidas, que entregavam o que estava acontecendo. Elis morreria dali a alguns dias e seus filhos seriam separados – João só voltou a morar com os irmãos três anos depois. “Foi quando recuperei a estabilidade, até melhorei na escola”, recorda-se. Os anos de terapia e psicanálise não só ajudaram João Marcello a superar as dores como fortaleceram as lembranças felizes. Em momentos especiais, quando ele quer reativar esse sentimento, escuta Só Tinha de Ser Com Você. “É nosso hino de amor.”

*Assistente de fotografia Duda Gulman • Capa do disco, reprodução • Chapéu, Brechó Minha Avó Tinha

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