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Falar de pessoas trans na novela não é meter opinião goela abaixo

Não é de hoje que a pauta LGBT está presente na grande mídia e nas redes sociais, mas a visibilidade trans na novela reacendeu com força total o debate.

Por Júlia Warken
Atualizado em 20 jan 2020, 08h57 - Publicado em 10 ago 2017, 14h47
 (Divulgação/)
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“A Força do Querer”, atual novela das 21h da Rede Globo, é o folhetim mais assistido da emissora desde “Avenida Brasil”. Com isso, milhares de espectadores estão acompanhando de perto a história de Ivan – personagem que se descobre como homem trans. E, apesar de a trama estar tropeçando em alguns quesitos na forma como retrata transexuais e travestis, não podemos negar o fato de que, pela primeira vez, essas pessoas estão tendo destaque em uma novela. E isso é super significativo.

Essa repercução inédita está sendo festejada por muita gente, mas, por outro lado, cada vez que o assunto é abordado, vemos uma chuva de reações negativas. Boa parte das pessoas acredita que colocar LGBTs na mídia é uma forma de “meter goela abaixo” o assunto.

Não é de hoje que a pauta da diversidade sexual e de gênero está pipocando na grande mídia e nas redes sociais. O assunto tem ganhado cada vez mais destaque, graças a um trabalho de formiguinha que já vem sendo feito há muito tempo. É o bom e velho “ei, nós existimos e merecemos respeito” sendo repetido até o ponto em que milhares de vozes tornam-se um coro – e já não é mais possível ignorá-las.

O mundo anda muito chato?

Historicamente, os movimentos sociais sempre existiram. E não vão desaparecer tão cedo. Seja os que lutam pelos direitos das mulheres, dos negros, das pessoas com deficiência, dos idosos e por aí vai. As minorias políticas nunca têm seus direitos entregues de bandeja. Se hoje esse texto está sendo escrito por uma mulher e se há mulheres tendo acesso livre a ele, é porque tantas outras precisaram lutar para que nós tivéssemos direito à educação à escolha profissional.

Frente a isso, também é válido dizer que as reações contrárias a esses movimentos também sempre existiram. “Abolir a escravatura? Parem de vitimismo!”, “Mulheres usando calças? Querem virar homem, por acaso?”, “Legalizar o divórcio? Mas que putaria é essa?”.

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Ou seja: o mundo sempre esteve “muito chato” e o tal “mimimi” está bem longe de ser exclusividade dessa geração. Talvez o momento atual pareça fora da curva por três motivos: 1) muita gente ignora completamente a história da humanidade; 2) o ativismo definitivamente caiu no gosto da grande mídia e da publicidade; 3) as redes sociais possibilitam a comunicação horizontalizada e a propagação de ideias e opiniões.

Também é importante perceber que os motivos 2 e 3 acabam desencadeando um efeito bola de neve. E isso está bem aflorado nessa época em que a causa trans passou a ser debatida no horário nobre da televisão.

Representatividade e a busca por novos temas

Se você é uma pessoa branca, heterossexual, cisgênero, magra e sem nenhuma deficiência, então talvez você não compreenda a importância da palavrinha representatividade. Isso porque você é amplamente representada no cinema, na televisão, nas revistas, nos outdoors… enfim, em toda parte. Durante muito tempo a grande mídia e as campanhas publicitárias não estavam muito preocupadas com essa falta de pluralidade, mas as coisas estão mudando – graças àquela multiplicação de vozes que viram um coro, como já foi dito.

Aí, quando não se reconhecem como semelhantes a um personagem de novela (só para citar um exemplo), alguns cidadãos acreditam que aquela vivência lhe está sendo sendo “enfiada goela abaixo”. Por que é tão difícil encarar que as pessoas são diferentes umas das outras? E por que é tão difícil perceber que os diferentes também têm o direito de verem suas histórias sendo contadas?

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Ah, e tem outra coisinha: as novelas já mostraram DE TUDO. Já teve clone, já teve tráfico humano, já teve criança com síndrome de Down, já teve mulher biônica, já teve bebê sendo roubado no hospital, já teve a gêmea boa e a gêmea má, já teve índio loiro, já teve muita gente se encontrando na orla do Leblon e já teve até a Sandy sendo hippie. Será que é tão difícil de entender que Gloria Perez resolveu, tipo assim, falar sobre algo novo? Faz parte, né?

Sim, ela está bebendo de uma fonte bem contemporânea e levou para o folhetim um assunto que está “em alta”. Ninguém está dizendo o contrário. Mas isso não exclui o fato de que essa foi uma escolha criativa como tantas outras – apesar do potencial político que ela tem. E para a turma que acredita que falar sobre a vivência LGBT é uma forma de doutrina: pode ter certeza de que uma briga violenta, onde rola até sapatada na cara, é algo com potencial muito maior de influenciar o comportamento dos jovens.

Faz sentido ficar preso ao passado?

É importante lembrar que, desde sempre, as novelas acompanham o momento sócio-político em que estão inseridas. Isso é algo bem óbvio, mas é convenientemente esquecido pela galera do “estão enfiando goela abaixo”. Como você acha que foi a reação ao primeiro beijo na boca da TV, por exemplo? Esse marco rolou em 1951, na novela “Sua Vida me Pertence” e, obviamente, foi um escândalo. Mas, em algum momento da história, ele inevitavelmente haveria de acontecer.

Vinte anos depois, em 1970, o folhetim “Verão Vermelho” apresentou ao público o primeiro casal divorciado. A pauta era considerada tão indecente que a Rede Globo só aceitou transmitir a atração no horário das 22 horas – e assim surgia a primeira novela “proibidona” do canal, dessas que só podem passar após o horário nobre.

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Enfim… novas novelas – e novos filmes, séries e comerciais de margarina – para novos tempos. Por que as coisas mudam, né, minha gente? E que bom que mudam!

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