Conheça Angela Davis, grande ativista do feminismo negro que vem ao Brasil
Logo após se aproximar do Partido dos Panteras Negras, ela foi presa durante um ano e meio. Entenda!
Em uma visita aguardadíssima, neste sábado (19), a americana Angela Davis desembarca oficialmente no Brasil. A primeira parada da ativista e escritora negra é no Sesc Pinheiros, para o seminário internacional “Democracia em colapso?”. Já no dia 21, no Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer, ela participa da conferência “A liberdade é uma luta constante”. E, por fim, a escritora bate um papo com os cariocas no dia 23, na abertura do “Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul: Brasil, África e outras diásporas”.
Para o encontro que acontece no auditório do Ibirapuera, com capacidade para 15 mil pessoas e a entrada gratuita, mais de 17 mil pessoas marcaram que têm interesse de participar – através da página do evento no Facebook. E mais de 5 mil já confirmaram presença. E a empolgação coletiva não é por acaso: todo mundo quer conhecer essa mulher que é uma das idealizadores do feminismo negro.
Através do livro “Uma Autobiografia” da autora, trazido para o Brasil pela editora Boitempo, é possível conhecer um pouco mais dessa história impactante, que começa quando ela tinha 26 anos. No dia 13 de outubro de 1970, em Nova York, Angela foi abordada por um agente do FBI. Ele a segurou pelo braço e questionou se ela respondia por “Angela Davis”. O motivo? Ela foi apontada como uma das dez pessoas mais perigosas dos Estados Unidos pelo agente Edgar Hoover.
Do que Angela Davis era acusada?
Ao confirmar o que o policial indagou, a ativista foi presa com a justificativa de “assassinato, sequestro e conspiração” pelo caso Marin County – e teve a ficha rotulada como pública.
Em 7 de agosto de 1970, Jonathan Jackson, junto com outros militantes do Partido dos Panteras Negras, invadiu o Tribunal Superior do Centro Cívico de Marin County para tentar transformar os réus George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette em reféns. Eles haviam sido acusados de matar um policial da Prisão de Soledad, em Monterey, na Califórnia.
Ao conseguirem segurá-los para fugir do tribunal, um tiroteiro começou e Jonathan morreu, assim como o juiz Harold Haley e mais dois réus que estavam no local. Já a ligação com Angela foi pela arma do crime. Mais tarde, o juiz do novo caso afirmou que essa arma estava registrada no nome da ativista. A partir de então, ela foi dada como cúmplice do ataque e começou a ser perseguida em tempo integral – conseguiu fugir por dois meses, mas foi presa em outubro de 1970.
O caso ficou tão conhecido que a frase “Libertem Angela Davis” surgiu com inúmeros protestos indignados ao redor do mundo. Inclusive, um documentário de mesmo nome foi lançado em 2014 e dirigido pela editora Shola Lynch. Angela também se tornou inspiração de músicas como ‘Sweet Black Angel’, do Rolling Stones, e ‘Angela’, de John Lennon e Yoko Ono.
Solta após um ano e meio de cadeia, hoje sabe-se que existem motivos obscuros por trás da retenção da ativista. Ela sempre se posicionou contra governos extremamente nacionalistas, como foi o caso de Richard Nixon e Ronald Reagan. Tais presidentes defendiam o uso de medidas extremas para combater a influência da União Soviética nos Estados Unidos e isso sempre foi contrário ao que Angela defendia.
Durante toda militância social praticada durante seus 75 anos, o destaque é principalmente para a luta por mais direitos às pessoas negras – especialmente no que diz respeito ao sistema carcerário, que é apenas punitivo e não reinsere o indivíduo na sociedade, de acordo com a ativista.
Os estudos de Angela Davis também são importantes porque ela destrincha todas as estruturas da sociedade para entender como negros sofrem racismo. Isso significa que, assim como o título da sua obra “Mulheres, Raça e Classe” (1981), ela analisa como a discriminação por raça é potencializada ou atenuada dependendo do gênero, classe social, características genéticas e fenótipos, além da influência do patriarcado e da heteronormatividade.
O comunismo na vida de Angela Davis
Além do posicionamento claro sobre questões social, outra motivo que causou a perseguição da filósofa desde cedo foi ser totalmente contra o sistema capitalista e acreditar que a verdadeira liberdade passa pelo socialismo utópico. Isso é tão real para Angela Davis que ela se filiou ao Partido Comunista em 1968. Outros ainda dizem que ela também fez parte do Partido dos Panteras Negras, mas não é verdade – por mais que tivesse ligação com os ideais e até com alguns integrantes dos Panteras, tinha discordâncias ideológicas com eles.
Ao se declarar filiada do Partido Comunista, a Universidade da Califórnia (UCLA) tentou impedi-la de trabalhar como professora assistente do departamento de Filosofia da instituição, a pedido de Reagan. Mas educadores e alunos não deixaram isso acontecer. Pressionaram tanto a universidade que a aula inaugural da matéria comportou mais de 2 mil pessoas e precisou ser feita em um anfiteatro.
Toda essa bagagem de confiança no comunismo vem da família da ativista, especialmente do pai, que era professor de história (mas pediu demissão para abrir um posto de gasolina, já que ganhava muito pouco) e da mãe que lecionava na escola primária. Ambos eram comunistas. Com isso, desde muito jovem, Angela Davis foi uma das militantes que boicotaram os ônibus que obrigavam pessoas a sentarem separadas de acordo com o seu tom de pele.
O segregacionismo que Angela viveu era ainda mais forte pelo local onde morava. A ativista nasceu em Dynamite Hill, Birmingham, no Alabama, onde grupos racistas como Ku Klux Klan estavam a todo vapor atacando negros. Inclusive, o nome do local era Dynamite Hill porque brancos não aceitavam negros morando no mesmo ambiente que eles e, de tempos em tempos, estouravam bombas para matá-los no bairro. A ativista saiu de lá aos 14 anos, quando conseguiu uma bolsa em Nova York e terminou seus estudos na Little Red School House, instituição predominantemente esquerdista.
Até hoje, Angela Davis continua a jogar luz sobre questões raciais, e a ser uma exemplo de resistência para pessoas negras, especialmente mulheres. Além de ser a atual diretora do Departamento de História da Universidade da Califórnia – exatamente o local que queria impedi-la de lecionar.