Conheça a história da criança presa aos 2 anos durante a ditadura militar
Ernesto Carlos Dias do Nascimento, o Ernestinho, foi preso em 1970 e logo depois acabou sendo expulso do Brasil (sem os pais) pelos militares.
Na última segunda-feira (25), foi anunciado que o presidente Jair Bolsonaro ordenou ao ministro da Defesa que faça as “comemorações devidas em homenagem aos 55 anos do golpe militar no Brasil”. Essa notícia foi dada por Otávio Rêgo Barros, o porta-voz da República.
No dia 31 de março de 1964, os militares retiraram o então presidente João Goulart e assumiram agressivamente o poder sem eleição direta. Para Bolsonaro, não houve um golpe de estado e sim um “regime com autoridade”. A comemoração ficaria por conta dos comandantes das tropas e da maneira que acharem melhor.
Três dias após o anúncio polêmico, na última quinta-feira (28), o presidente voltou a se pronunciar sobre o assunto dizendo que sua intenção não era exatamente “comemorar” e sim “rememorar” o acontecimento. Segundo ele, a intenção era identificar os pontos positivos e negativos do marco para o “bem do Brasil no futuro”.
O fato é que o Brasil se livrou, há 34 anos, do regime ditatorial, mas ainda permanecem o luto e as cicatrizes cicatrizes dos milhões de sobreviventes que contam até hoje como era viver naquele pesadelo. Muitas pessoas sofreram abusos, foram torturadas e carregam em suas memórias o fardo do trauma.
Em 2013, a Rede Record transmitiu uma série especial de cinco reportagens chamada “As Crianças e a Tortura“, sobre as memórias desses acontecimentos, focados especificamente nas crianças que enfrentaram o momento turbulento. Um desses personagens é Ernesto Carlos Dias do Nascimento, o “Ernestinho”, que foi o preso político mais jovem do Brasil.
Ernesto tinha apenas 2 anos e 3 meses de idade quando foi mantido preso por 1 mês, sem qualquer direito garantido. Em 1970, ele foi detido com a mãe, Jovelina Tonello, e o pai, Manoel Dias do Nascimento, no auge da ditadura militar no Brasil, e levado ao centro de tortura da época, o DOI-CODI (Destacamento de Operações de informação – Centro de Operações de Defesa Interna).
Sua família fazia parte da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), um grupo de extrema esquerda liderado por Carlos Lamarca, que entrou diversas vezes em conflito com os militares durante o período ditatorial. Na reportagem exibida no Jornal da Record, Ernesto contou que o pai sofreu tortura física e psicológica. Esta última o envolvia, pois os torturadores traziam-no para o mesmo quarto que Manoel e simulavam espancamentos na frente dele para conseguir arrancar informações.
Jovelina relata que os militares pressionavam ela e o marido a entregar Ernesto para a adoção como se fosse a “melhor opção” naquele momento.
A avó de Ernestinho, Tercina Dias de Oliveira, também havia sido presa e levada para o mesmo local com mais três crianças: Samuel Dias de Oliveira, de 8 anos, Luiz Carlos Max do Nascimento, de 6, e Zuleide Aparecida do Nascimento, de 4, todos primos dele.
Após um mês detido, ele foi solto com a avó e as outras crianças em uma troca realizada pelo sequestro do embaixador Ehrenfried von Holleben, em junho de 1970. A VPR havia comandado a captura do alemão e outros 40 presos políticos também foram libertados.
Após a soltura, o governo expulsou os cidadãos recém livres do país, com a justificativa de que eles eram um “perigo nacional”. Ernesto estava nessa leva e foi para Cuba, onde morou até 1986. Mais tarde, já crescido, ele se formou como técnico de projetos mecânicos. Posteriormente retornou ao Brasil, onde vive até hoje.
Os pais de Ernestinho também saíram do Brasil seis meses depois de seu filho, por causa de outra troca realizada pela libertação do embaixador suíço Giovanni Bucher, que também tinha sido raptado pelo grupo radical. No exterior, tanto eles quanto os outros ex-presos políticos deportados denunciaram para a imprensa internacional o esquema e os métodos de tortura utilizado aqui no Brasil.
Outras crianças presas durante a ditadura militar
Ernesto foi só uma das diversas crianças vítimas do regime autoritário brasileiro. Assim como ele, muitos outros pequenos eram usados para fazer tortura psicológica nos pais, que sofriam todo tipo de agressão. Foi assim com Carmen Nakasu.
Quando era bebê, com apenas 1 ano de idade, Carmen foi presa junto aos pais em uma estação de trem de São Paulo. Na época, a garotinha era usada como forma de ameaça aos pais pelos torturados. Era dito a eles que Carmen seria deportada do Brasil e que eles nunca mais a veriam novamente.
Por mais que Carmen tenha sido presa antes dos 2 anos, Ernesto é considerado o preso político mais jovem do país, pois a menina ficou apenas 5 dias com uma investigadora da polícia e logo após foi encaminhada a um familiar próximo. Ernesto permaneceu detido por um mês e só foi libertado por conta do acordo com a Vanguarda Popular Revolucionária – tendo sido expulso do país logo depois.
Outro caso marcante é o de Édson Teles e Janaína Teles. Filhos de Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, e César Augusto Teles, os dois foram levados com os pais (ele com 4 anos e ela com 5) quando presos e constantemente assistiam às agressões que eles sofriam.
Sob o comando de Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos maiores torturadores da época, Amelinha relatou na Comissão Nacional da Verdade – que investigou os graves crimes cometidos durante o regime militar – que levava choques no corpo, passou pelo pau-de-arara, pela palmatória e sofreu violência sexual. As crianças chegaram a vê-la completamente nua, cheia de sangue, urina, vômito e fezes.
Já Ivan Seixas não escapou nem dos métodos de tortura. Ele e o pai, Joaquim Seixas, foram capturados e torturados no DOI-CODI. Ivan tinha 16 anos. Ele ficava no pau-de-arara enquanto o pai era acorrentando na chamada “cadeira do dragão” – uma espécie de cadeira elétrica, em que a vítima sentava em um assento revestido de zinco e recebia descargas elétricas.
Os torturadores falavam a Ivan que iriam matá-lo e chegaram até a simular um fuzilamento em um parque de São Paulo para intimidar o jovem. Joaquim não resistiu às agressões e morreu na mão dos militares. Ivan ficou preso até os 20 anos.
Muito do sofrimento causado às pessoas que viveram naquele tempo continua assombrando suas mentes até hoje. Mães tiveram seus filhos arrancados de seus braços antes de irem para as salas de tortura onde agonizavam por horas, ou até mesmo dias. Outras sofreram vários tipos de violência enquanto grávidas. Algumas crianças foram afastadas de seus pais e, mesmo anos depois, nunca mais tiveram notícias deles.
Não deveríamos prestigiar um regime que matou centenas de pessoas e destruiu famílias. A ditadura militar no Brasil deixou uma ferida enorme que ainda não cicatrizou – e que irá manchar para sempre a história do nosso país.