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Game of Thrones: vocês têm mesmo estômago para isso?

Não é todo mundo que se diverte vendo cabeças rolando

Por Liliane Prata
Atualizado em 22 out 2016, 16h20 - Publicado em 19 jun 2015, 14h01
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Ainda me lembro daquela quarta à noite na cozinha, quando, debatendo sobre que iríamos assistir durante o jantar, meu marido propôs um episódio da série que ele estava adorando (aliás, às vezes penso: o que os casais faziam em casa quando não havia seriados, mesmo?). Pegamos os sanduíches e as taças de vinho e rumamos para o sofá. O ano era 2012. A série era Game of Thrones. E a minha vontade de comer meu sanduíche foi embora antes da metade do episódio (a vontade de tomar o vinho continuou, admito. Era um vinho muito bom).

Confesso que faço parte do grupo de pessoas impressionáveis. Quando eu tinha 5 anos, estava com minha mãe em uma feira e vi um velhinho sem os dois olhos. Nem lembro mais o que tinha naquela feira, mas a imagem do velhinho está fresca até hoje. E, se você já viu algum episódio de GoT, sabe que nenhum personagem está com os dois olhos garantidos. Nem nenhum membro do corpo. Nem a liberdade de ir e vir. A qualquer momento, uma cabeça humana pode ser decepada e pendurada, uma criança atirada por uma janela, uma moça violentada até a morte.

Eu, que sou fã de Modern Family e The Big Theory e já nem sei quantas lágrimas chorei em Grey´s Anatomy, perguntei, entre um gole e outro de vinho: quem tem estômago para ver isso?

Bom, além do meu marido, uma média de 7 milhões de espectadores. Foi o DVD mais vendido entre as séries da HBO, mais do que Sopranos (que eu gostava, mesmo olhando para o lado em algumas cenas). Está na quinta temporada e basta dar um Google para ver que, além dos cofres da HBO, o mundo ama, ama aquele Jamie, aquela neve, aquele sangue jorrando. Homens, mulheres, crianças… Espera um pouco, crianças?

– Claro, lá em casa todo mundo assiste – meu vizinho comentou comigo no elevador, segurando a pizza, rumo ao último episódio da quinta temporada. Ele tem um filho de 10 anos e eu perguntei se o pequeno via a série também.

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Me lembrei de um garoto do clube, 11 anos de idade, que viu Breaking Bad do início ao fim.

– Essa não é tão violenta, você está exagerando – meu marido falou quando, no sofá, expressei meu choque. – Você, Lili, não é parâmetro. Você fecha os olhos em The Walking Dead.

Ok, Breaking Bad não se entrega já no título, mas como falar que não é violenta uma série chamada THE WALKING DEAD?

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Penso nas pessoas rindo com I Love Lucy e Os Três Patetas. Fecho os olhos, agora não por medo, mas por pura nostalgia daquele tempo que nem vivi. Ali, tentando aceitar aquela violência toda à minha frente, sinto falta dessa inocência que parecia tomar conta dos antigos espectadores e produtores de TV. Dos antigos habitantes do planeta Terra, talvez? Outro dia, vendo um episódio de Downton Abbey (amo), senti uma ternura por aquele grupo de adultos da primeira metade do século 20 brincando felizes em um parque infantil, desses com carrossel, jogos de argola.

Bom, Lili, hora de voltar para 2015, onde apenas crianças de até 5 anos e olhe lá se divertem com jogos envolvendo argolas, digo a mim mesma. E não adianta se iludir: se romances antigos ou filmes mudos nos fazem lamentar pela inocência perdida, é bom lembrar que torturas variadas, corpos em chamas e genocídios não são de hoje. Que cabeças decepadas e corpos empalados eram práticas quase rotineiras em povos antigos como os assírios.

Que a violência, afinal, pode ser nova na TV, mas é bem velha fora dela.

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Abro os olhos e, antes do fim do episódio, levanto do sofá com minha melhor cara de “Não sou obrigada”. A humanidade é o que é fora das telas, mas, desculpe, não me acrescenta nada ver essa série. Meu marido e 7 milhões de pessoas se divertem, e diversão, na minha concepção, é algo fundamental nesta vida de Meu Deus: é suficiente para eu considerar que algo está me acrescentando. Mas eu não me divirto com GoT. Em vez disso, desperdiço meu maravilhoso tostex de queijo branco com mostarda dijon (sim, o raio gourmetizador atingiu o misto quente lá de casa) e fico pensando que poderia ter feito qualquer outra coisa naquela hora. Não digo jogar algum jogo de argolas, mas, quem sabe, assistir a algum episódio de Seinfeld – George, você e sua cabeça bem grudada no pescoço só me fazem bem.  

 

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