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“Tenho 57 anos, acabei de começar meu segundo ato”, diz Claudia Raia

A atriz, que protagoniza espetáculo sobre Tarsila do Amaral, analisa o legado do Modernismo e conta que vive um reencontro consigo mesma

Por Beatriz Lourenço
25 jan 2024, 13h45
Entrevista com Claudia Raia sobre "Társila".
Claudia Raia fala sobre a sua nova peça ,"Tarsila", e reflete acerca da maternidade e críticas etaristas.  (Paschoal Rodriguez/Reprodução)
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Há pouco mais de cem anos, um grupo de artistas passou a discutir a cultura a partir do rompimento com as regras impostas sobre o fazer artístico. O chamado Movimento Modernista se aproximou da cultura popular e dos costumes brasileiros. Uma das artistas mais importantes dessa fase é a paulista Tarsila do Amaral, que até hoje ocupa nosso imaginário como alguém que superou barreiras de gênero e evidenciou questões sociais.

É esse legado que a peça “Tarsila, a Brasileira” pretende explorar. Produzido e protagonizado por Claudia Raia, o musical conta a história da artista desde seu retorno da Escola de Artes de Paris até a morte de sua neta – passando pelo romance com Oswald de Andrade e a criação de uma das obras mais icônicas de sua carreira, o Abaporu. “Queremos mostrar a mulher de carne e osso que ela foi. E, claro, falar sobre as mudanças que vimos acontecer no Brasil naqueles anos. Nossa missão é provocar, instigar e fazer refletir”, conta a atriz.

Com estreia prevista para o dia 25 de janeiro, o espetáculo também marca a retomada de Claudia aos palcos após dois anos de pausa para se dedicar à maternidade do seu filho caçula, Luca. “É difícil retomar a rotina de trabalho, mas é muito bom. Para mim, especialmente, foi um reencontro comigo mesma. Foi um momento de me rever dentro de mim e de entender o que ainda faz sentido para mim ou não”, diz.

A montagem, com texto e letras de Anna Toledo e José Possi Neto, traz ainda Jarbas Homem de Mello dando vida a Oswald de Andrade e um elenco de 23 atores cantores que representam Pagu, Anita Malfatti, Mário de Andrade, entre outras personas da época. Abaixo, leia a entrevista completa com Claudia Raia:

Claudia Raia e o elenco de Tarsila.
Claudia Raia e elenco de “Tarsila, A Brasileira”. (Paschoal Rodriguez/Divulgação)

CLAUDIA: Como surgiu a ideia da peça e o processo de transformar a vida da Tarsila num musical?

Claudia Raia: “Ainda estávamos na pandemia quando recebi uma ligação da Tarsilinha, sobrinha-neta da Tarsila do Amaral, que me falou da vontade de levar a história da tia-avó para o palco. Eu achei ótimo porque ela é uma personalidade que precisa ser mais conhecida. Sabemos muito do seu trabalho como pintora, das suas obras, da sua contribuição imensa para a nossa cultura. Mas quem é essa mulher? Essa era uma pergunta para a qual eu ainda não tinha resposta. Conversa vai, conversa vem, Tarsilinha disse: “quero você produza o espetáculo e que você interprete Tarsila”. Ela continuou: “para mim, você e ela têm a mesma energia, a mesma força. Tem que ser você a contar essa história”.

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Depois de tudo isso, a única resposta possível para mim era SIM. E aí começou um mergulho na obra e na história dela, especialmente. Nosso musical ganha muito ao mostrar a mulher de carne e osso que ela foi, além do ícone que nós já conhecemos. Li muita coisa, vi muita foto e conversei com Tarsilinha, que me deu informações sobre como ela era no convívio familiar, quais eram suas questões, o que a movia, como era sua personalidade, postura, seu jeito de falar…”

CLAUDIA: Como foi a caracterização da personagem? Você sente que o estilo de vestimenta e maquiagem de Tarsila influenciou seu modo de pintar?

Claudia Raia: “O processo de figurino e visagismo foi um trabalho muito minucioso feito por Fábio Namatame, nosso figurinista, e o Dicko Lorenzo, nosso visagista. Eles pesquisaram esse retrato da época por meio da moda: os penteados, as roupas e como era o estilo dessas pessoas. Apesar de ter a referência histórica dos anos 20/30, a ideia é dar um olhar contemporâneo para o figurino, trazendo poesia. Acho isso muito impressionante porque ele se torna um personagem em cena. Quando entramos no palco, o que estamos vestindo já fala por si. Cada uma das perucas é feita sob medida. Para o Luca, por exemplo, eu fico irreconhecível. Ele só entende que aquela pessoa é a mãe quando começo a falar. É uma loucura! E assim como esses elementos me trazem a Tarsila, acredito que a vivência dela influenciou a obra, não tenho dúvidas.”

CLAUDIA: Qual é o aprendizado mais valioso que Tarsila do Amaral te ensinou?

Claudia Raia: “Uma coisa que ela tinha e que também tenho é a crença na potência criativa dos brasileiros, enxergando a profundidade da nossa arte e cultura. O Modernismo tinha isso como um de seus pilares – a ideia de você não só importar processos culturais, mas pegar o que vem de fora e criar algo com nossos próprios códigos. Isso segue vivo até hoje. No teatro musical, por exemplo, houve uma crítica de que só fazíamos musicais da Broadway. A questão maior para mim é que as coisas podem coexistir. E digo mais, a gente pode trazer uma história e contá-la de uma forma brasileira, como aconteceu com a peça “Chaplin, O Musical”. A montagem brasileira é diferente da americana. O espetáculo apresentado aqui tinha cinco músicas inéditas.

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Ao mesmo tempo, acho que temos hoje um mercado sólido que nos proporciona criar nossos musicais 100% do zero. Foi assim com “Concerto para Dois”, é assim com “Tarsila, a Brasileira”. São espetáculos tão grandiosos quanto as montagens internacionais. O importante é dar sempre a nossa identidade para o que vamos contar aqui. E isso eles já estavam pensando em 1922.”

Claudia Raia caracterizada como Tarsila.
Claudia Raia caracterizada como Tarsila. (Paschoal Rodriguez/Divulgação)

CLAUDIA: Após debruçar sobre o tema, como você percebe a importância da Semana de Arte Moderna para o Brasil?

Claudia Raia: “O Modernismo lançou bases que construíram e fortaleceram uma leitura crítica da sociedade brasileira. A valorização do que é brasileiro, e o pensamento crítico sobre nossa sociedade vem daí. Com “Macunaíma”, Mário de Andrade criou um grande anti-herói usando características do senso-comum sobre o brasileiro. É uma crítica de como somos vistos.

As outras gerações seguiram com essa pegada de mostrar a diversidade do país. Afinal, um país continental não pode ser descrito de uma maneira só. Isso fortaleceu tramas regionais – e até hoje vemos essa diversidade como um ponto forte. Foi realmente um movimento que nos colocou no centro da produção cultural. Tanto que passaram-se 100 anos e ainda estamos afirmando essa importância. Quantas vezes não vemos manifestações artísticas, especialmente periféricas, não serem levadas a sério? A arte não deve ser produzida por um grupo de pessoas e para apenas um grupo de pessoas. A arte não deve ser usada para manter privilégios e o status quo. A arte é a subversão, a descentralização. Ela é feita por gente e para gente. Isso vem do Modernismo.”

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CLAUDIA: Tarsila teve um relacionamento intenso com Oswald de Andrade, que eventualmente a troca por Pagu. Como você analisa essa relação? Sua forma de amar também influenciou sua forma de criar?

Claudia Raia: “Mas será que troca, mesmo? Na década de 20 ainda não falávamos sobre relacionamento aberto ou a três. Pelas minhas pesquisas, o que aconteceu ali foi isso. Tarsila é uma mulher muito à frente do seu tempo. Sua relação com Oswald é muito complexa. Mesmo separados, era a ela que ele recorria quando precisava de ajuda financeira, por exemplo. Ao longo dos anos, eles foram se transformando, mas fizeram parte da vida um do outro mesmo depois do casamento acabar.

Acho que a forma de amar também influenciou a maneira de criar. A maior prova disso é o Abaporu: um autorretrato criado como presente de aniversário para Oswald e que se tornou símbolo de um movimento que revolucionou a cultura brasileira.”

CLAUDIA: Você acredita que o amor e a arte seguem juntos?

Claudia Raia: “Acho que isso não é algo obrigatório, mas quando acontece é muito bom. Eu vivo essa experiência no meu relacionamento com o Jarbas. No nosso caso, amor e arte seguem juntos, entrelaçados, de mãos dadas.”

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CLAUDIA: Uma parcela da população ainda não tem acesso aos museus. De que forma democratizar o acesso e fortalecer o conhecimento sobre a arte brasileira pode nos transformar enquanto pessoas e sociedade?

Claudia Raia: “O problema é ainda maior do que esse. Não há incentivo. A arte e a cultura são vistos como supérfluos. Então, além de não termos políticas públicas que democratizam o acesso, aqueles que têm essa possibilidade não vão porque não acham que vale a pena. Vivemos um culto à ignorância no pior sentido que isso possa soar. E isso não é algo que acontece só no Brasil. Por isso tantas fake news ganham status de verdade. Há um cultivo dessa ideia de que você não precisa duvidar: se você recebeu em algum lugar, então é verdade.

Você perguntou o que o Modernismo nos deixou de importante: outra coisa foi o desenvolvimento do pensamento crítico. Questionar, pensar e refletir são ações fundamentais para que possamos o que não está bom e para entender esse país tão desigual em oportunidades e distribuição de renda. Conhecimento é poder e é ferramenta de transformação social. Por isso, precisamos pensar em mecanismos que nos ajudem a corrigir essas disparidades e façam a cultura e a arte serem cada vez mais inclusivas e representativas.”

CLAUDIA: Você acaba de ter a terceira gestação e volta aos palcos aos 57 anos. Como está sendo esse processo de conciliar a maternidade com o trabalho?

Claudia Raia: “No começo, foi bem difícil ficar longe do Luca. Ao mesmo tempo, estou muito feliz por realizar esse trabalho que há tanto tempo vem sendo pensado e desenvolvido. Eu sabia que voltaria para casa, inclusive uma mãe melhor para ele. Além disso, criamos uma rotina que nos permite vê-lo nem que seja rápido. Ele também ia nos visitar nos ensaios. Quando estou em casa, reservo um tempo para matar a saudade. É difícil retomar a rotina de trabalho, mas é muito bom. Para mim, especialmente, foi um reencontro comigo mesma. Foi um momento de me rever dentro de mim, de entender o que ainda faz sentido para mim ou não. Foi um momento de novas sensações também.”

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Entrevista Claudia Raia.
A atriz confessa que, no início de seu retorno ao trabalho, foi difícil permanecer longe de seu filho recém-nascido. (Paschoal Rodriguez/Divulgação)

CLAUDIA: De tempos em tempos, você recebe comentários etaristas na internet. Como você lida com isso? Seguir trabalhando e alcançando novos patamares inspira outras mulheres?

Claudia Raia: “Uma coisa que acho fundamental sempre é trabalhar para não deixar os comentários alheios derrubarem a gente. As pessoas podem falar o que quiserem, infelizmente muitas usam essa prerrogativa para atacar, ferir e magoar. Não é fácil se blindar, mas é importante entender que isso não diz nada sobre você, mas muito sobre quem fala. Eu vivo para me sentir bem, realizada, satisfeita com quem sou e para realizar meus sonhos. Nem sempre é fácil a gente deixar um comentário rude entrar por um ouvido e sair pelo outro. Além disso, ficar remoendo é um desperdício de energia sem tamanho. Não tenho roupa e nem tempo para isso.

Tenho 57 anos, acabei de começar meu segundo ato. Estou estreando esse espetáculo que é a realização de um sonho, tenho um bebê lindo, uma família amorosa, amigos maravilhosos… Quando falo sobre isso nas redes sociais recebo um retorno muito positivo de mulheres que se sentem inspiradas a seguir em frente independente da idade e das convenções sociais que são impostas a nós. Isso me deixa muito feliz – aí faço questão de compartilhar mais ainda, de encorajar mais e de trazer informação. Menopausa e amadurecimento não devem ser encarados como o fim da vida. Muito pelo contrário! Ainda tem muita vida para ser vivida, e vivida com qualidade!”

CLAUDIA: O que você e Tarsila têm em comum?

Claudia Raia: “Nossa, quase nada. Ela era uma mulher para dentro, com um tom de voz baixo e a postura mais curvada. É uma partitura corporal completamente diferente da minha. Sou muito mais expansiva do que ela, meu tom de voz é outro… Na personalidade também somos bem diferentes. Ela foi uma mulher com uma resiliência impressionante. Às vezes eu tinha vontade de falar: “amor, senta aqui, vamos conversar. Isso aqui não está muito bom. Por que você não age de outro jeito?”. E eu lia, lia e não conseguia entender muito bem como ela pensava daquela maneira. Acho que somos duas mulheres fortes e que sabem o que querem, é nesse ponto que nós nos assemelhamos muito.”

“Tarsila, a Brasileira” (Serviço)

  • Data: A partir de 25 de janeiro até 26 de maio
  • Horários: Quintas-feiras, às 20h; Sextas-feiras, às 20h; Sábados, às 16h e 20h; Domingos, às 16h e 20h.
  • Duração: 2h30min, com intervalo
  • Local: Teatro Santander – Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041, Itaim Bibi, São Paulo
  • Classificação etária: Livre, menores de 12 anos acompanhados dos pais ou responsáveis legais.
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