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Cinema negro: um panorama histórico sobre a diversidade no audiovisual

De Halle Bailey como "A Pequena Sereia" até Viola Davis em "Mulher Rei", mudanças na indústria traçam outras vivências para além dos estereótipos

Por CARISSA VIEIRA
20 nov 2022, 09h00

Ao divulgar a atriz Halle Bailey como a escolhida para interpretar a princesa Ariel no live-action de A Pequena Sereia (2023), a Disney precisou administrar uma avalanche de comentários negativos. Algumas pessoas não queriam ver uma atriz negra interpretando uma personagem que se popularizou no imaginário coletivo sendo branca e ruiva. Por conta disso, o vídeo de divulgação acumulou deslikes.

“Quando comecei a ver filmes, eu não me enxergava”, diz a pesquisadora e crítica de cinema Yasmine Evaristo (@yasminecomy). “Você deve criar personagens negros, mas também dá para ressignificar os que já existem. Eles são mudados o tempo inteiro: altura, cor do cabelo… Qual o problema de trocar a etnia?”, questiona. Por isso, a importância dos vídeos das meninas que viralizaram no TikTok, reagindo ao trailer com uma sereia negra, igual a elas. A diretora e fotógrafa Juh Almeida (@juhalmeida, que clicou a capa da edição de novembro de CLAUDIA) diz que ficou tocada ao vê-las: “É algo que pulsa na gente. O coração fica quentinho”.

A indústria audiovisual foi construída através da lógica de pessoas brancas contando suas próprias histórias para um público também branco. O cinema e a televisão apresentaram por décadas personagens caucasianos dos mais diversos tipos. Para quem sempre dominou a indústria audiovisual, representação nunca foi um problema. Agora, se você é negro, a coisa é um pouco diferente.

Isso fica claro desde o surgimento do cinema, época em que as pessoas negras nem apareciam nas telas. Alguns anos depois, até tinham alguma chance, mas sempre em personagens caricatos. Um exemplo: em 1915, D.W.Griffith, um dos grandes pioneiros da indústria, lançou O Nascimento de Uma Nação. Tido como uma obra-prima para muitos por estabelecer o padrão técnico e narrativo para os filmes, ele também perpetuou e disseminou a desvalorização dos negros. Tudo isso com os atores brancos pintados de preto. Ou seja, a prática racista do blackface. E tem mais: ainda foi usado como propaganda para grupos supremacistas brancos, associando aos negros a violência, o perigo e a irracionalidade.

Mesmo quando a inserção de fato aconteceu, a lógica preconceituosa não ficou para trás. Falhas de caráter e subalternidade eram diretamente relacionadas à negritude. Outro clássico que não nos deixa mentir é E O Vento Levou (1939), de Victor Fleming, que trouxe a imagem da mulher negra sem vida própria, cujo os desejos não existem e ela só serve para cuidar das pessoas brancas para quem trabalha. “O lugar que foi dado para nós, pessoas negras, sempre foi o de personagens estereotipados”, pontua Juh.

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E de fato. Basta pensar nos personagens negros de qualquer filme de diferentes gêneros cinematográficos: eles existiam sem profundidade, apenas facilitando o desenvolvimento do protagonista branco. O que morre primeiro em um filme de terror, a melhor amiga negra que não tem história própria, o interesse amoroso negro que é trocado por uma pessoa branca… São inúmeros os exemplos.

Contudo, a questão não está apenas no que se vê, como lembra Yasmine. “A gente fala muito sobre representação nas telas, mas também tem que pensar como isso está sendo feito fora delas. Quantas pessoas por trás das câmeras são negras? Pessoas pretas precisam ter em mãos o controle de contar suas próprias histórias.” É a partir disso que o audiovisual passa a trazer concepções que fogem dos clichês raciais e conseguem se comunicar com mais pessoas do que só com um público branco.

Foi o que aconteceu nos Estados Unidos na década de 1970. Anos antes, a segregação racial não apenas era forte como também escancarada. Com a força dos movimentos de luta pelos direitos civis, empresários, diretores e atores negros se uniram para criar o Blaxploitation, movimento feito por criativos negros para uma audiência também negra. Filmes como Blácula, o Vampiro Negro (1972), de William Crain, e Ganja & Hess (1973), de Bill Gunn, são alguns dos que ajudaram na autoestima das pessoas pretas que trabalhavam na indústria audiovisual e do público que até então mal se via nas telas. O problema foi que, na sequência, a concepção do que seria a negritude na tela caiu em outro lugar bastante questionável, o do sofrimento. Narrativas sobre escravidão eram as únicas que permitiam atores serem premiados pelas suas performances.

Para evitar que isso se repetisse, os negros da indústria do cinema e da televisão tiveram que traçar novas rotas e criar possibilidades para contar suas histórias de uma outra perspectiva. “Desde que comecei a trabalhar, tinha em mente que só iria construir imagens positivas de pessoas negras, porque não é o que costuma ser colocado na mídia. Eu quero que as minhas imagens transmitam amor, afeto, que sejam pessoas negras amando, celebrando e apenas existindo. Porque a gente é sempre colocado num lugar de dor e violência, como se nossa história fosse resumida a isso”, diz Juh.

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ENFIM, UMA MUDANÇA

Uma nova onda invadiu Hollywood com bastante força — e ainda bem. Os blockbusters Pantera Negra (2018), de Ryan Coogler, e A Mulher Rei (2022), de Gina Prince-Bythewood; e os premiados Moonlight (2016), de Bary Jenkins, vencedor do Oscar de melhor filme em 2017, e Corra! (2017), de Jordan Peele, que ganhou melhor roteiro original no Oscar 2018, são alguns desses exemplares. “Os blockbusters alcançam algumas pessoas que não seriam impactadas fora do mainstream”, comenta Yasmine. E é importante que essas vozes ecoem, porque abrem mais espaço para outros cineastas e filmes.

No Brasil, não é diferente. Apesar de gradual, a mudança vem acontecendo. Segundo o professor, pesquisador e curador da Mostra Internacional de Cinema Negro, Celso Luiz Prudente, “é no Cinema Novo que começa a nascer o cinema negro brasileiro”. E, apesar das desigualdades existentes no país e de uma lógica que coloca o negro como o outro, vemos, cada vez mais (e felizmente), realizadores criando narrativas audiovisuais que refletem a pluralidade das vivências.

“No cinema negro, a pessoa deixa de ser objeto e se torna sujeito. É o negro falando dele mesmo”, reflete Celso. Artistas como Grace Passô e Glenda Nicácio, que nas suas produções apresentam as diferentes experiências da mulher negra, são prova desse novo audiovisual brasileiro que faz questão de enaltecer um olhar mais amplo diante das representações.

Outro caso é o de Marte Um (2022), de Gabriel Martins, atual selecionado do Brasil para a disputa do Oscar 2023. Filme sobre uma família negra da periferia de Minas Gerais, aborda não apenas a situação político-social do Brasil, mas também como existem outras histórias para serem contadas. Narrativas que podem ser sobre dificuldades, mas incluem sonhos, amor e beleza. Porque pessoas negras também são bonitas e capazes de jogar essa poesia no mundo.

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