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Ainda é bem difícil ser uma mulher gamer no Brasil

Você pode não saber, mas as mulheres passam por muitos desafios para jogar videogame com tranquilidade nesse mundo tão machista.

Por Fábio Garcia
Atualizado em 16 jan 2020, 04h08 - Publicado em 12 dez 2018, 15h16
Daniela Rigon é gamer e jornalista da área. (Felipe Guerra/Reprodução)
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Enquanto boa parte do público da CCXP 2018 explorava os corredores abarrotados, encarava filas gigantescas e vislumbrava a chance de ver atores internacionais de longe, uma arena próxima à praça de alimentação trazia um outro tipo de entretenimento para os visitantes. Era a arena de jogos eletrônicos patrocinada por uma operadora de telefonia, que durante todo o evento realizou partidas competitivas de jogos famosos na atualidade – como League of Legends e Rainbow Six Siege.

No entanto, um detalhe chamou a atenção de quem passava por lá: o número de mulheres assistindo era bem baixo. Será que é pelo fato de os jogadores do campeonato serem apenas homens? Não dá para afirmar, mas boa parte das moças abordadas pela reportagem estava apenas acompanhando amigos ou então aproveitando as cadeiras para descansar em um evento tão exaustivo. Afinal, como é a participação das mulheres nesse universo dos videogames?

Cenário online opressor

A modernidade trouxe não só gráficos melhores para os jogos, mas também a possibilidade de se jogar com outras pessoas através da internet. Não apenas com amigos, mas a internet permite jogar com completos desconhecidos de qualquer canto do mundo, seja em partidas competitivas ou em disputas cooperativas. Em League of Legends, um dos jogos mais populares da atualidade, as pessoas precisam assumir funções distintas para cumprir os objetivos da área e derrotar o time adversário. Para esse objetivo ser atingido pela equipe, é necessária muita comunicação entre os membros do grupo para combinar a melhor estratégia e a melhor investida. E aí a coisa pega para mulheres.

Há inúmeros relatos na internet de mulheres que sofreram algum tipo de assédio em chat ou conversa de áudio. Mesmo sendo maioria por aqui (cerca de 58,9% dos jogadores brasileiros são mulheres, segundo a quinta edição da Pesquisa Game Brasil), elas acabam sendo inferiorizadas por homens ou então questionadas a respeito de seu conhecimento sobre videogames.

O jogo League of Legends, da Riot Games
O jogo League of Legends, da Riot Games (Riot Games/Reprodução)

É o caso de Laura (24), formada em Psicologia, com quem conversamos na CCXP, próximo à área dedicada ao console PlayStation 4. Ela, que joga desde criança graças à influência do irmão mais velho, já passou por situações em que outros homens duvidaram do conhecimento dela em jogos. Infelizmente é bem comum essa cobrança pela “carteirinha gamer” na internet.

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Laura diz preferir a experiência offline em jogos, ou seja, games que não exigem interação com outros jogadores. “Eu não gosto muito da cultura online porque as pessoas são muito grossas num geral, são muito impacientes com quem está começando. Sem contar a questão do assédio“, explica a jogadora aficionada por jogos indies (uma categoria de games produzidos de forma mais autoral por equipes menores, às vezes uma pessoa só como no caso de Stardew Valley ou Undertale).

Uma saída encontrada pelas jogadoras para driblar o assédio na internet é a escolha do nome de usuário. Há uma preferência por apelidos masculinos ou sem indicação de gênero, tudo para que os outros jogadores não saibam que estão em uma partida com uma mulher. Essa estratégia também foi utilizada por Taís (18), uma das raras garotas sozinhas que assistia às partidas de Rainbow Six Siege na arena gamer da CCXP. Ela contou que nunca sofreu assédio na internet nesse meio dos jogos, mas aponta que isso pode ter acontecido graças à coincidência de seu apelido no jogo não ser identificável como feminino.

Mas, como dito antes, esses jogos exigem uma comunicação rápida entre os membros. Como num chat de voz é difícil esconder seu gênero, as mulheres costumam jogar mais em grupos com outras mulheres ou, principalmente, com amigos. “São pessoas que te conhecem e você não precisa passar pela experiência de estar num grupo com gente que vai te xingar“, afirma Laura ao explicar como prefere contar com as amizades que já tem na hora de participar de partidas online.

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O olhar de uma profissional na área

Daniela Rigon é jornalista de jogos eletrônicos, especialista na área de e-sports e acompanha de perto todos os esses problemas (e possíveis soluções) sobre assédio com mulheres nos games há algum tempo. Em conversa com o MdeMulher, ela contou sobre uma tentativa recente de conscientizar o público masculino, a campanha MyGameMyName A ideia era colocar jogadores masculinos usando apelidos femininos em jogos, para os homens entenderem na pele as dificuldades e xingamentos constantemente ouvidos por mulheres. Mesmo com as campanhas, a jornalista também lembra que os relatos sobre assédio continuam aparecendo com frequência, e até mesmo ela acaba evitando jogar com desconhecidos.

Mesmo com as campanhas e iniciativas, não houve exatamente uma melhora nos casos. “O que eu acredito que aconteceu nos últimos tempos é uma maior exposição aos casos e mais tentativas de punição e conscientização.”, explicou a jornalista. “As desenvolvedoras, algumas mais do que outras, também estão tentando combater o assédio, mas não existe uma maneira rápida de fazê-lo a não ser que o caso tenha uma exposição absurda“.

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O jogo Rainbow Six Siege, da Ubisoft (Ubisoft/Divulgação)

Assim como as entrevistadas na CCXP, Daniela explica que é possível encontrar grupos de meninas de praticamente todos os jogos online. “São espaços seguros que as pessoas encontram pra descobrir novas pessoas com quem jogar sem correr o risco de cair em partida com gente escrota“. Ela também contou que muita gente pode falar “ah, é só desligar o microfone de quem está te incomodando” (os jogos permitem essa função), porém isso afeta o grupo como um todo pela falta de comunicação. Ou seja, o ideal acaba sendo encontrar pessoas legais para se jogar mesmo.

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Aproveitamos para perguntar à Daniela a respeito da ausência de mulheres acompanhando as partidas online na CCXP, e ela explicou que pode ter sido um fenômeno exclusivo do evento em si, cujo foco não era necessariamente os games. Acompanhando o mercado de games há vários anos como jornalista, ela percebeu que houve um aumento no número de mulheres tanto no público quanto como jornalistas e pessoas do backstage – ou seja, alguma coisa está mudando.

Campeonatos femininos

Uma alternativa possível para mostrar o quão importante é a presença feminina nos jogos online seriam os campeonatos com participantes mulheres. Eles serviriam não só para mostrar que as mulheres podem jogar bem como também incentivaria mais garotas a entrarem nesses jogos competitivos. Mesmo assim, esses tipos de campeonatos ou ações ainda são muito raros.

O jogo Overwatch, da Blizzard
O jogo Overwatch, da Blizzard (Blizzard Games/Divulgação)

Em outubro, por exemplo, a Brasil Game Show (o maior evento de games do Brasil) teve a ação de uma empresa que colocou apenas mulheres jogando Overwatch (outro jogo competitivo de bastante fama no mundo online de games, com destaque para o elevado número de personagens mulheres das mais variadas etnias e orientações sexuais). Foi um sucesso e repercutiu muito bem nas redes sociais.

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Porém, esse parece ser um ponto fora da curva, pois há pouco investimento nos campeonatos com maior participação feminina. “Não há muito interesse em criar times mistos, mas as jogadoras existem e estão esperando para serem notadas“, lamenta Daniela Rigon a respeito da questão.

Quem sabe isso melhora mais pra frente, não é mesmo?

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