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Verdadeira Natureza, por Mariana Ferrão

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Mariana Ferrão é jornalista, palestrante e CEO da Soul.me, empresa especializada em bem-estar, qualidade de vida e desenvolvimento humano. Aqui, marca um encontro quinzenal com as leitoras - e consigo mesma

Um mergulho transformador nas águas do México

Meu filho à minha frente e toda a imensidão do oceano nos unindo

Por Mariana Ferrão
26 mar 2022, 09h22
oceano
 (Sebastian Voortman/Pexels)
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Em janeiro deste ano, levei meus dois filhos ao México. Meu pai é mexicano e eu queria muito que as crianças gostassem tanto do país quanto eu gosto, por isso resolvi começar esta exploração por Cancun, em um hotel que dá passe livre para os principais parques da cidade.

Quando chegamos ao quarto do hotel, a TV estava ligada passando um pot-pourri de todas as atividades que poderíamos encontrar nos próximos. O Miguel, meu filho de 8 anos, avisou logo: “Mamãe, eu quero fazer este mergulho para andar debaixo d’água”. Este mergulho é feito em pelo menos dois parques: XEL-HA, e X-Caret. A pessoa recebe um capacete de escafandro ligado a uma fonte de oxigênio por uma espécie de mangueira muito comprida. Por isso, você consegue andar por muitos metros embaixo d’água, apenas usando o capacete, suas próprias pernas e se apoiando em um corrimão construído no fundo do mar para que você se mantenha com os pés no chão, sem boiar e siga o caminho pré-determinado pela equipe de suporte do parque.

Marcamos o passeio para uma segunda-feira, dia em que os parques não estão tão cheios. A minha madrasta ficou com o João, meu caçula, nas piscinas naturais de XEL-HA, e lá fomos eu e o Miguel até a fila para esperar a nossa vez de andar pelo fundo do mar de Cancun. Enquanto esperávamos, os instrutores passaram algumas informações e tiraram as nossas dúvidas. Lembro-me de uma moça que perguntou: “e se eu tiver alguma dificuldade, dá para falar lá embaixo?”. O rapaz que estava explicando respondeu: “Falar até dá, mas ninguém vai te ouvir. Aliás, você pode falar, pode gritar, pode cantar, pode rezar…Ninguém vai te ouvir. Por isso, a importância de aprender a se comunicar por sinais quando se está lá no fundo.” Na superfície o capacete pesa 30kg. O Miguel pesa menos do que isso: 26kg. Quando o moço que colocava os equipamentos viu o tamanho dele, logo falou: “não sei se ele vai aguentar o peso”. Eu sabia o quanto ele queria aguentar e, por isso disse: “a coragem dele é maior do que o tamanho”. O moço reagiu: “Ah, então é como os mexicanos, nós também temos a coragem maior do que o nosso tamanho”. E eu respondi sorrindo: “deve ser genético, então, porque o avô dele nasceu na cidade do México”. Foi o que faltava para que toda a equipe desce total atenção para o Miguel. Eles colocaram até uma espécie de balão com gás acoplado no capacete para que o equipamento ficasse mais leve e foram ajudando ele a descer, bem devagarinho. Mesmo assim, confesso que estava com medo de algo dar errado, do Miguel desistir, de não aguentar o peso, de ficar frustrado por não conseguir mergulhar.

O mergulho entrou na minha vida quando eu fiz o Globo Mar, um programa da Globo, que apresentei junto com o Ernesto Paglia, em 2009. Foi uma das experiências mais mágicas que já tive. E até hoje me lembro das vezes em que, amamentando o Miguel, eu sonhava um dia mergulhar com aquela “criaturinha” que estava no meu colo. Quando ele desceu a escada e desapareceu no fundo do mar, eu comecei a chorar.

Logo em seguida, eu desci. Os olhos marejados de lágrimas, rodeados da água do mar: meu filho à minha frente e toda a imensidão do oceano nos unindo. Lembrei-me da resposta do instrutor na fila: “você pode falar, pode gritar, pode cantar, pode rezar…Ninguém vai te ouvir”. Primeiro eu cantei. Cantei bem alto a música Gracias a la Vida, da Violeta Parra, que eu escuto muito na interpretação de Mercedes Sosa: “Gracias a la vida, que me ha dado tanto!!”. Gratidão à vida que tem me dado tanto! Tanto, tanto! Agradeci e chorei mais e mais e mais. Depois falei para mim, para o mar, para os peixes, o quanto eu estava feliz de estar ali. E o estar ali não era simplesmente estar debaixo d’água com o Miguel: era ser capaz de mergulhar na vida, com tudo que ela tem, de lindo, de misterioso e também de assustador. Depois eu rezei, olhando para o céu de dentro do mar. Me senti em um templo, protegido e poderoso. Rezei do fundo da minha alma para sempre ter coragem de fazer os mergulhos necessários para viver cada vez mais a minha própria vida. Quando saímos da água, nos abraçamos em um sorriso que não desgrudava dos nossos rostos. Os olhos dos dois em um brilho intenso e silencioso comunicando toda a intensidade daquele momento.

Hoje, refletindo sobre o que aconteceu ali, sinto que, às vezes, o peso que carregamos na superfície parece muito maior do que podemos aguentar. Uma briga com alguém que amamos, uma demissão, o fim de um casamento, um luto – o capacete do escafandro com 30 kg, o Miguel com 26kg. Mas quando topamos o mergulho com medo e coragem de mãos dadas, quando recebemos ajuda para nos aprofundarmos em lugares antes nunca visitados, damos uma chance de a leveza visitar a nossa vida. O peso desaparece. Embaixo d’água, o capacete flutua. É assim também no mergulho para o nosso autoconhecimento: há partes de nós que de tão profundas são muito assustadoras. Mas é justamente lá, acredito eu, que moram os nossos maiores tesouros. Topar o mergulho é ter a oportunidade de, depois, do fundo da alma, cantar a plenos pulmões: Gracias a la vida! Mesmo que só você ouça, as ondas de gratidão vão reverberar por todo o oceano da sua vida!

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