O que temos a aprender e ensinar sobre educação midiática aos nórdicos
Enquanto nesses países os jovens confiam no governo, na polícia e na saúde, no Brasil, nenhuma das instituições ultrapassou os 40% de confiabilidade
Não conheço forma mais inspiradora de aprender e evoluir do que trocar conhecimento. Saber o que os outros pensam, entender a visão que eles têm sobre um determinado tema (e até sobre mim) ou sobre meu negócio, me traz ideias, me apresenta novos caminhos e diferentes horizontes.
Tive a oportunidade de experienciar tudo isso no início de novembro durante um encontro realizado pelas embaixadas da Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, em Brasília, que apresentou algumas iniciativas jornalísticas bem-sucedidas para crianças que são realizadas nos países nórdicos. Fui convidada para falar sobre como tem sido a trajetória do Joca, jornal exclusivo para crianças que criei em 2011.
A realização do evento é resultado da preocupação dos países nórdicos com a proliferação das fake news e a falta de educação midiática por aqui. Eles nos apresentaram uma pesquisa sobre como os jovens brasileiros consomem notícia e se engajam politicamente. E também um panorama de como as empresas de mídia do país focam esse grupo.
A pesquisa, feita com 1.740 pessoas de 15 a 29 anos, de diferentes gêneros e classes sociais, apontou uma total descrença dos jovens nas instituições do país. Enquanto nos países nórdicos os mais novos confiam plenamente no governo, na polícia e no sistema de saúde, no Brasil, nenhuma das instituições ultrapassou os 40% no nível de confiabilidade. A mais bem avaliada foi a igreja, considerada muito confiável por 36% dos jovens. As forças armadas atingiram um índice de 32% e o sistema de educação, de 28%.
“O número de brasileiros que acessam as notícias diretamente pelos canais dos veículos de comunicação é inferior à média global de 23%”
Durante o encontro, também tivemos a oportunidade de visitar e falar com os alunos do Centro Educacional do Lago, uma escola pública do Distrito Federal que oferece formação bilíngue em tempo integral para o Ensino Médio.
O que mais ouvimos dos estudantes é que quando se trata de discutir notícias e o que está acontecendo no país, a maior fonte de informação são os pais, mas também tem aqueles que se informam pelas redes sociais e poucos sites de notícias grandes.
“O que mais ouvimos dos estudantes é que quando se trata de discutir notícias e o que está acontecendo no país, a maior fonte de informação são os pais.”
Stéphanie Habrich
A pesquisa comprova esse dado. “Quase metade dos entrevistados no Brasil (46%) afirmou acessar notícias por meio de redes sociais ou e-mail. Apenas quinze dos 46 países estudados tiveram uma taxa mais elevada. Por outro lado, o número de brasileiros que acessam as notícias diretamente pelos canais dos veículos de comunicação é inferior à média global de 23%.”
Ao conhecer as iniciativas jornalísticas para crianças desses países e apresentar a eles o Joca, fiquei feliz em ver que o que fazemos aqui não fica aquém do que é feito lá, descontando-se, claro, as diferentes realidades dos países. Enquanto aqui no Brasil, a internet ainda é limitada e há mais crianças que levam mais tempo para se alfabetizar, lá não é preciso driblar esse tipo de dificuldade. Além disso, alguns jornais são públicos e oferecidos de forma gratuita aos leitores mirins.
Outra diferença entre as realidades é a confiança nos meios jornalísticos. As populações da Dinamarca, Finlândia, Noruega e da Suécia entendem que as notícias dadas pelos veículos de comunicação são verdadeiras. Já aqui no Brasil a população é mais descrente disso.
Perguntei a eles sobre a questão da polarização política. Diferentemente de nós, eles não têm esse problema. As pessoas que pensam diferente e até os partidos políticos são convidados ao debate – e não só nos períodos eleitorais. Há uma cultura que estimula um a escutar o outro.
Mas isso não tem nos impedido de realizar ações ainda inéditas para eles, como as bibliotecas para refugiados e o projeto Futuro em Pauta, que convidou os jovens de escolas de todo o Brasil a sugerirem soluções para a educação e a economia do país. Uma coletânea das melhores foi transformada em livro, que será entregue por alunos aos ministros da educação, Camilo Santana, e da Fazenda, Fernando Haddad.
Fiquei surpreendida com o interesse deles pela forma como nós interagimos com as escolas e no apoio à educação midiática que oferecemos com nosso time pedagógico. Também fiquei muito inspirada com diversas iniciativas que eles trouxeram, especialmente em serviços multimídia, como o caso de uso de vídeos do jornal Ultra Nyt, da Dinamarca.
Eles fazem pílulas audiovisuais de 3 minutos, 4 vezes ao dia, sempre nos mesmos horários. A criança assiste ao primeiro antes de ir para a escola, ao segundo quando retorna e ao terceiro no final da tarde. À noite, para fechar o dia, é enviado um vídeo mais longo, de 10 a 15 minutos, com todo o conteúdo do dia. A ideia me encantou não só pelo produto em si, mas pela forma como é produzido e distribuído para os leitores.
Todo o grupo do evento foi recebido por Paulo Pimenta, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) e teve a oportunidade de conhecer a estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
O saldo desse intercâmbio foi superpositivo, não só por conhecer outras experiências, mas por ver que também temos a ensinar com o que fazemos aqui no Brasil.