Comunicação não-violenta: a importância dela para famílias
Conceito, sintetizado pelo psicólogo Marshall Rosenberg, diz respeito à forma como interagimos com outras pessoas, inclusive nossos filhos
“As palavras têm o poder de ferir e de sarar. Quando elas são boas, têm o poder de mudar o mundo.” Este ensinamento de Buda é muito valioso e nos mostra o quanto é importante ter cuidado com “o que” e o “como” falamos. Muitas vezes, nossos relacionamentos com marido, filhos, pais e colegas de trabalho entram em crise por não sabermos nos comunicar da melhor forma. Esse é um tema que sempre despertou minha curiosidade, especialmente porque sei o quão desafiador é verbalizar o que sentimos de forma clara.
Basta uma palavra usada de maneira errada para que uma mensagem seja mal compreendida. Meu interesse pelo assunto me levou a conhecer a comunicação não-violenta (CNV). Este conceito, sintetizado pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg, diz respeito à forma como interagimos com outras pessoas. Isso vale para como falamos com os filhos quando o quarto está bagunçado, como nos abrimos com o esposo ou esposa sobre a divisão de tarefas dentro de casa ou até como conseguimos ouvir e ajudar uma amiga que está passando por dificuldades.
A leitura do livro de Rosenberg, Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, fez todo sentido para mim. Ele mostra que a comunicação violenta vai muito além do jeito agressivo, do grito ou do dedo em riste. Ela pode ser sutil e está muito ligada a crenças de certo e errado, a padrões de comunicação onde induzimos – seja em nós mesmo, seja nos outros – culpa, medo e vergonha.
A CNV ensina que a comunicação começa muito antes de qualquer palavra sair de nossa boca. Ela diz respeito aos julgamentos que fazemos sobre as pessoas e situações do dia a dia. Temos a tendência de ter muitas conversas na nossa cabeça e não raro elas são carregadas de violência. É a mãe que se culpa por não conseguir dar a atenção que gostaria aos filhos, é a profissional que se rotula como pouco eficiente por não bater a meta. E quando vamos nos expressar externamente, essa violência é notada em nossas palavras.
O exercício da empatia
A tendência que temos quando vemos o quarto do filho bagunçado é falar “Pelo amor de Deus, arruma esse quarto. Não aguento mais. Já é a milésima vez que eu estou te pedindo isso.” É como se apontássemos para o outro desejando que ele se sinta mal e envergonhado por ter feito algo errado. Segundo Nolah Lima, especialista em comunicação não-violenta e co-fundadora do Instituto CNV Brasil, o que a CNV sugere é que em vez de irmos para a relação numa disputa de certo e errado, tentemos nos conectar de forma empática com a outra pessoa, independentemente de sua idade.
Seria o caso de a mãe dizer ao filho: “Eu estou muito preocupada e cansada. Eu valorizo muito um espaço organizado e todos contribuírem com a arrumação da casa. Quando, pela terceira vez, eu entro no seu quarto e vejo as roupas espalhadas no chão, fico perdida. Eu quero conversar com você. Quero entender por que que você não está conseguindo arrumar. O que está acontecendo? Vamos conversar?”
A diferença entre os dois diálogos é que, no segundo, as palavras da mãe não fazem o filho sentir vergonha ou culpa. Ela está trazendo sua vulnerabilidade para a conversa, tentando se conectar para entender a perspectiva dele também. Pode ser que o filho responda que está exausto e que fica totalmente sugado e sem energia quando precisa arrumar o quarto. Se isso acontecer, a mãe pode convidar o filho para eles pensarem numa solução juntos. “Ela pode dizer ‘e se eu te ajudar agora e você se comprometer a manter a organização? Desse jeito você vai gastar menos energia do que se deixar a bagunça ficar deste tamanho. Vamos experimentar por uma semana?’”, diz Nolah.
Salvando relacionamentos com a comunicação não-violenta
A CNV é um caminho para uma conexão de alta qualidade com as outras pessoas e com nós mesmos. E isso pressupõe empatia, ou seja, precisamos nos colocar no lugar do outro, entender suas necessidades e acolhê-las.“A CNV é capaz de salvar relacionamentos”, diz Nolah. “Se uma esposa chega para o marido e fala – ainda que de forma brincalhona – ‘Para de ser preguiçoso, faz alguma coisa nessa casa’, ele vai ficar chateado e tentar se defender falando tudo que fez sem ter o reconhecimento da esposa.”
A violência também pode estar no silêncio. Em vez de falar ao parceiro o que está incomodando, a esposa fica quieta, sem dizer nada. Ele não sabe o que está acontecendo, não sabe a razão para ela estar chateada, mas ela fica em silêncio, com a crença de que ele tinha que saber. “O tratamento de silêncio pode ser uma forma manipulativa de criar no outro a sensação de punição”, diz a especialista.
A orientação de Nolah para quem quer se comunicar de forma não-violenta é olhar para dentro e entender “de onde” estamos falando. Há uma diferença entre fazer uma cobrança e falar “eu estou supercansada, estou vendo que tem várias coisas para fazer aqui em casa. Tem a roupa, tem a louça, a sala… Topa dividir comigo? Eu imagino que você também esteja cansado, mas eu não vou dar conta de tudo.”
O mais trágico de se comunicar de forma violenta é que o objetivo real dificilmente é atingido. “Aquilo que a esposa mais queria, que era que o marido a escutasse, compreendesse e apoiasse, não acontece, porque ele gasta toda energia se defendendo, se justificando”, conta Nolah. “O ideal para se chegar à solução seria eles se conectarem e fazerem combinados cuidando do que é importante para os dois”.
Como saber se estamos nos comunicando de forma violenta
Toda vez que nos expressarmos e colocamos um julgamento, uma crítica, um rótulo, são grandes as chances de estarmos estimulando na outra pessoa à experiência de culpa, medo e vergonha. Outra forma de comunicação que está ligada à violência é a ameaça e punição. São frases como “se eu voltar aqui e esse quarto continuar uma bagunça, a gente vai ter uma conversa”.
“A punição como forma de motivação está muito presente na nossa cultura de educação, tanto na escola como nas famílias. Tendemos a achar que só vamos conseguir motivar o outro se ele sentir que tem um risco, se ele se sentir ameaçado”, afirma a especialista. Para nos comunicarmos de forma não-violenta, o primeiro passo é separar o fato do julgamento. Uma coisa é o que realmente aconteceu. Outra é o que sentimos e como aquilo nos afeta.
Outro comportamento que gera muitos conflitos é a nossa dificuldade de fazer pedidos específicos. Normalmente, esperamos que o outro perceba o que queremos, como se isso fosse óbvio. “Não adianta andar pelos cantos da casa reclamando que está sobrecarregada e não fazer pedidos ou apontar ao outro qual acordo não está sendo cumprido”, diz Nolah. Mas seguir essas dicas não significa que as conversas serão fáceis. A comunicação não-violenta não garante que o mundo vai ser de unicórnios e sorrisos no rosto. “Às vezes, a CNV te apoia a ter mais conflitos, a convidar as pessoas para as conversas difíceis que precisam acontecer, porque essas conversas vão cuidar das suas necessidades. Talvez cuide até da necessidade do outro e da conexão de vocês”, completa.
Não se julgue
Quando comecei a ler sobre CNV e ouvi as palavras de Nolah, minha primeira reação foi vestir a carapuça, me reconhecendo nos maus exemplos. Mas ela fez um alerta importante: “Não quero que isso que estamos falando seja entendido como um ‘você está errada’. Se isso acontecer, estaremos mantendo o jogo de certo e errado e essa não é a intenção”. O que fazer, então? A resposta da especialista é: “Tenha consciência de como está agindo, desde onde está agindo e escolha se é esse o caminho que quer seguir. É uma questão de consciência e escolha”.