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Sofia Menegon é feminista, idealizadora da podcast Louva a Deusa e consultora em relacionamento e sexualidade
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Mãe, obrigada pela canjica!

Tenho descoberto ao longo dos anos que amor exige tempo e que vínculos não simplesmente acontecem

Por Sofia Menegon
Atualizado em 16 Maio 2023, 15h50 - Publicado em 11 Maio 2023, 07h44

Posso dizer que fui amada por você. Não sei se me amou desde o primeiro instante e, sinceramente, não espero que o tenha feito. Tenho descoberto ao longo dos anos que amor exige tempo e que vínculos não simplesmente acontecem. Mas, verdade seja dita, desde onde estabeleço minha memória, fui amada por você e, com você, aprendi o que significava me sentir amada. E ser amada, então, era sinônimo de abraços quentinhos, carinho na cabeça, bolo de chocolate que só você sabia fazer, mas também de medo, dor e inadequação.

Eu, assim como a maioria das crianças da minha geração e das gerações anteriores, cresci sob a ameaça constante de não ser amada. Éramos punidas ora com o silêncio e indiferença, ora com tapas, castigos longos demais e o constrangimento. “Se continuar agindo assim, vai ficar sozinha”. Como eu ouvi que morreria sozinha! Não só de você, com outras palavras, mãe, mas de um tanto enorme de gente à minha volta. E ouvi que iriam embora se eu continuasse a colocar para fora o que sentia. E eu ficava com tanto medo de você desaparecer. Tinha medo que pegasse aquela mala e partisse. Era aterrorizante a ideia de ficar sozinha, sem sua existência pertinho de mim.

Então, busquei amores que me amassem um pouco menos e que a qualquer momento pudessem ir embora. Me vinculei a quem era menos disponível emocionalmente e que se incomodasse com a minha não conformidade. Namorei uma dezena de gente que me puniu com o silêncio, que confirmou minha insanidade e seguiu me prometendo a solidão. 

Ah, mãe, eu te amaldiçoei mais vezes do que sou capaz de lembrar. Já quis exorcizá-la de mim, tirar daqui de dentro o tanto que tenho de você. Tentei repetidamente dizer para o mundo, e para mim mesma, que não somos parecidas. Coloquei na sua conta muitos dos meus dias mais difíceis.

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Mas hoje eu acho que eu entendo. Eu entendo que só posso dizer tudo isso porque estamos falando de mãe e não de pai. Entendo que você estava sozinha, aos vinte e poucos anos, dando conta de cuidar de duas crianças, uma casa e do pouco dinheiro que tínhamos. Entendo que tudo aquilo que chamavam de birra virava sua responsabilidade e que aos vinte e poucos ainda nos faltam muitas ferramentas para lidar com a quantidade de julgamento que você lidava. Entendo que me amar deve ter sido difícil demais e, ainda assim, você amou, mãe. E amou com as vísceras. Me amou das profundezas de si. E me fez sentir amada, apesar de todo o resto.

Ainda tenho medo de ficar sozinha e custo a acreditar que alguém possa me amar exatamente pelo que sou. Mas, a cada dia, tenho nutrido a coragem de deixar escapar partezinhas minhas que mantinha em sigilo. A cada dia tenho arriscado ser quista pelas minha facetas mais inadequadas e, embora ser amada ainda me cause certo nível de dor, tenho caminhado por essa estrada com alegria. E, no fim, mãe, estou caminhando nessa estrada porque a vi caminhá-la também, mesmo sem qualquer recurso para isso.

Acho que estamos as duas aprendendo a amar e sermos amadas sem tantos medos. E posso dizer? Tem sido gostoso demais olhá-la assim, por quem é. Amar essa mãe que é também uma mulher inteira e que foi o que pôde ser. Amar essa mulher que falha, que erra, que é também inadequada. Te amar assim é um grande alívio. Você ainda é meu lugar quentinho no mundo e para onde eu quero voltar quando as coisas apertam aqui fora. Obrigada pela canjica que trouxe ontem. Eu estava precisando dela.

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