Louis Vuitton Cruise 2024: Um novo olhar na feminilidade contemporânea
A grife cria uma conexão única entre a modernidade emblemática da maison e o romantismo barroco da arquitetura italiana
Enquanto assistia ao último desfile da Louis Vuitton, me perguntei: “Sobre o que falamos quando pensamos no heritage da maison?”. É um exercício interessante porque, de imediato, pensei: destinos. E a temporada de Cruise é ideal para resgatar a essência de uma marca tão valiosa e que gera tanto buzz quanto à Vuitton. Diferente de outras grandes casas de moda de luxo, que foram criadas a partir do vestuário, e vivem uma espécie de ode ao seu costureiro, a grife foi fundada com base na jornada de viagem de Monsieur Vuitton a Paris – e foi assim que o seu DNA composto por malas, trunks e outros itens foi construído. Antes de Nicolas Ghesquière, a marca só teve Marc Jacobs como responsável pelo prêt-à-porter (não só responsável, mas ele introduziu um novo segmento na marca em 1999).
Diretor criativo da marca desde 2014, Nicolas sabe interpretar e renovar esse conceito a cada temporada de Cruise, com destinos deslumbrantes. Desta vez, completamente lúdica. A busca do estilista, com seu olhar atraído por ícones da arquitetura, está sempre mostrando que pode transcender a moda. Afinal, suas roupas também saem da zona de comum – seja nos shapes, estruturas e materiais. Só que, desta vez, foi diferente, inclusive, para quem já está acostumado com a forma como Ghesquière apresenta suas inspirações e transformá-las em roupas. Sua assinatura estava ali, mas tinha uma magia de conto de fadas também.
Diferente das temporadas passadas, que tiveram em cidades como Nova York e San Diego como as eleitas (com o devido hiato durante o período pandêmico), o diretor criativo propôs deslocar toda a sua trupe para Isola Bella, ilha na Itália localizada no Lago Maggiore. É a primeira vez que a Louis Vuitton desfila no país e, para celebrar a estreia, elegeram uma ilha que pertenceu por 400 anos à família Borromeo. A área também é conhecida por abrigar uma das manifestações mais reconhecidas do estilo barroco italiano, com o Palazzo Borromeo e seus jardins, com geometrias, formas e linhas que encantam Ghesquière.
O lado fantástico escolhido por Nicolas foi criar uma narrativa a partir do lago, como se as criaturas aquáticas saíssem em direção ao Palazzo. O encanto está na estética híbrida que, logo no primeiro look apresentado por Samile Bermannelli, já conecta esse novo olhar sobre a feminilidade contemporânea, busca incessante do estilista. E, para a nossa surpresa, há barbatanas, bolsas em formato de conchas e algumas cabeças e máscaras fantasiosas que remetem ao mistério das águas. Entretanto, com tanta novidade, sua assinatura está ali, intacta, com shapes tradicionais, que destacam mangas com ombros arredondados, um quê de oitentista, como é característico da sua moda; as suas guerreiras (ou, desta vez, sereias) usam neoprene, seja em jaquetas (algumas de alfaiataria), calças, saias ou short johns (aqueles de mergulho).
A silhueta icônica de Ghesquière está presente, com suas formas amplas, volumosas e sensualidade de maneira moderna, mas ele explorou bons elementos que podemos chamar de inéditos na Louis Vuitton. No bloco final da coleção, uma série de vestidos longos, feitos com seda fluidíssima, entrou na passarela com chão de pedra, com direito a transparências, alguns com mangas volumosas, e barras estruturadas. Em tons pastel, os sete modelos trouxeram um suspiro de romantismo, algo delicado e que, para encerrar a apresentação, carregam também um ar lúdico.
Desde a época que estava na Balenciaga, Ghesquière costumava ver suas musas com armaduras e, a cada estação, estávamos acostumados a encontrar novas propostas tão duras e elegantes. O que me encantou, sinceramente, foi o caminho que o diretor criativo escolheu para finalizar um show com uma leveza tão especial para a maison e para nós – também. Digo isso, porque, como iniciei a coluna falando sobre a base da Louis Vuitton ser construída a partir das viagens, as coleções de Nicolas sempre trazem essa sensação de nos distanciar de uma realidade por alguns minutos de desfile. Desta vez, ele, com seu mundo mágico arquitetado para dar um suspiro de romantismo, nos fez conhecer uma nova forma de viajar. Tão Vuitton e tão Ghesquière também.