Violência contra a mulher aumenta com a conivência de homens no poder
Não acredito que, em pleno 2024, ainda seja preciso lutar para que nossa voz seja ouvida e nossa palavra, levada a sério
Eu não gostaria de estar escrevendo este texto, mas aqui estou. É um texto triste, porém necessário. Na verdade, diria que é ainda mais necessário do que outros que já escrevi neste espaço. É um texto que me entristece, porque, mais uma vez, estamos falando sobre o assédio de uma mulher.
Recentemente, estive em um podcast de mulheres, o Louva a Deusa, organizado por Sofia Menengon, e minha primeira fala foi: “Uma mulher com um microfone na mão é muito potente”. Naquele momento, eu não imaginava os desdobramentos que viriam nas semanas seguintes.
Para minha surpresa e tristeza, soube que um homem que eu admirava, alguém que eu via como progressista, de falas precisas e até então íntegro, foi acusado de abuso por 14 mulheres e, entre elas, Anielle Franco.
Anielle Franco — ministra de Estado, irmã da vereadora assassinada Marielle Franco, uma mulher forte com o microfone na mão — é a representação dessa potência. Eu anseio pelo dia em que mulheres potentes, com voz, não precisem mais expor casos tão graves e que sua palavra não seja questionada.
Para alguns, principalmente os que defendem esses homens poderosos, talvez isso não pareça tão claro. Quem já trabalhou com política, assim como eu, sabe que a maioria dos partidos é composta por homens brancos, mais velhos e detentores de poder.
O caso de Anielle Franco era conhecido pelo governo desde o começo do ano. Estamos em outubro, e só recentemente houve desdobramentos, como a saída do ministro, impulsionada pela pressão da mídia e da população. Onde estava esse governo progressista?
Não há nada mais parecido com um homem de direita do que um homem de esquerda quando se trata de proteger seus pares. Eles se protegem, se unem, e nós, mulheres, temos que gritar ou esperar por outra mulher com um microfone na mão. E é por isso que eles temem. Eles têm medo porque somos poderosas quando estamos juntas.
Eu peço encarecidamente que, com o tempo, esses crimes se tornem menos frequentes. Vejo amigas comentando: “Agora há muitos casos”. Mas não é que existam mais casos. Agora, as mulheres têm coragem de denunciar. Assim como o ministro que se manteve no cargo durante meses, sabendo do caso, imagino quantas mulheres, sem microfone na mão, sem apoio, sofrem caladas.
Espero, de verdade, que possamos nos unir cada vez mais, que falemos mais, e que não seja necessário ter um microfone ou uma caneta de revista para expor essas histórias. Fico triste porque acredito no progressismo, e fico ainda mais triste por Anielle Franco e por todas as mulheres que foram abusadas.
Mais ainda por todas aquelas que não têm voz e que não conseguem escapar dessa cadeia de violências — seja formada por pais, tios, avós, amigos, colegas, sempre envolvendo abusos psicológicos, físicos, traições, mentiras. Tudo o que machuca.
Eu me vejo na Anielle quando ela se calou por tanto tempo, porque estava enfrentando homens poderosos, dentro de um governo que foi difícil de conquistar. Ela se viu numa encruzilhada: enfrentar um homem poderoso, e ao mesmo tempo colocar em xeque um governo progressista, a esperança de tanta gente.
Mas, Anielle, eu falo com você agora. O governo não é formado por um homem ou alguns poderosos. É feito também por mulheres, por pessoas de verdade. Precisamos acreditar naqueles que acreditam em nós, que nos defendem, que nos escutam e respeitam nossa verdade. Eles existem.
Podemos nos sentir pequenas e sem saída, mas ela existe. A quem lê este texto: eu desejo sorte, força, resistência e persistência. Porque quando saímos do inferno do abuso, voltamos mais fortes, com braços e pernas torneados, e com pessoas mais verdadeiras ao nosso lado, que nos mantêm sempre alertas.
Que a justiça seja feita e que tempos melhores venham para nós, mulheres. Que a verdade sempre apareça e que acreditemos nas mulheres, de uma vez por todas, desde as suas primeiras palavras.
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