Vai, malandra
Anitta se vale do estereótipo da carioca vagaba e estraga nosso trabalho de valorização da mulher
Sou carioca da gema. Ando de metrô, ônibus e subo favela. Tenho 53 anos de Rio e juro que detesto esta apologia dos morros, da pobreza, da ixperteza do carioca malandro.
E eis que a diva Anitta, atualmente Ârita por sua entrada no mercado internacional, se vale dos estereótipos da carioca vagaba, seminua, piranhuda para engordar ainda mais seu cofrinho com o lançamento do novíssimo clipe “Vai malandra“.
Eu sempre gostei de funk, desta ginga da gente, do nosso jeitão “erre” de puxar, da beleza natural do biquíni com calcanhar lotado de areia; da sainha curta com regata, até do legging cafona das gordinhas suburbanas. Mas a gente luta tanto por uma valorização feminina e vem alguém com voz (muita voz) e estraga nosso trabalho.
O biquíni de fita isolante, o quadradinho empinado, o peito de fora, a quase ménage na piscina na laje dão o tom. Será que tô encaretando? Será que Anitta tá tentando chamar a atenção para o Rio sem filtro, a miséria criativa das comunidades e euzinha é que estou com olhar azedo? Sei não.
Vi esta semana um documentário no GNT sobre a guerra talibã, li os relatos em uma matéria em O Globo sobre os estupradores de guerra que defloram meninas de 8 a 15 anos e juro que vejo uma ligação perversa entre a indústria do entretenimento e da guerra. Pirei?
A culpa não é da Anitta, J Lo, Nicki Minaj com suas bundas coreografadas para o deleite masculino e a inveja feminina. A sociedade como um todo valoriza o sexo como trampolim social e as inúmeras denúncias de abuso, assédio, violência sexual não deveriam então chocar tanto.
Basta ouvir um proibidão, descer até a boquinha da garrafa com seu fio dental e jogar na web ou praticar suruba-society (com consentimento) nas altas rodas endinheiradas para ver que a mulherada, por um lado, brada por mais respeito, e por outro, faz a egípcia e manda ver. Segue o baile! Solta o som.
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