Lute como uma velha
Kika reflete sobre a necessidade de tomarmos decisões transformadoras na maturidade (ao invés de ficar apenas reclamando)
Recebi um telefonema de uma amiga. Murcha, reclamona. O cotidiano não tem sido fácil. Questões de saúde, dinheiro, achaques mis. E ela me revela, pelo fio, que não importa o tamanho da culpa em não melhorar quando seus pecados são mais convenientes . Essa ausência de si a levou a criminalizar a sua existência. Tudo nela é blefe. Existe a ausência do self e ela dá de ombros para certezas . E fica contaminando os outros.
Eu, por exemplo, que sou vacinada contra melancolias, afinal nasci cinza, espelho as neuroses da amiga dentro de mim. Já fui essa. Já desfiei um rosario de maledicências e tropecei em transtornos. Não que a maturidade tenha me curado mas conheço esse caminho. Mudar a rota é exercício hercúleo mas necessário.
Eu comecei com um tranco. O câncer foi um chamamento para uma grande mudança. 360 diria. Sou quase como o capeta que se virou do avesso para ser outro. Venho de mim mas não sou mais eu. E quero ser ainda mais diferente. Não sei bem como e qual Kika. Mas outra. E nessa nova vestimenta que escolhi pra mim, reparo na indumentária alheia.
As pessoas mais velhas estão experimentando uma ressignificação imensa. Por vezes mais acadêmica do que real. No dia a dia, do dormir e acordar, existem abismos. Não é simples envelhecer. E volto para a amiga momentaneamente depressiva, espécie de auto falante das lamentações. Ela está errada em reclamar? Precisamos ser guerreiras, altivas e resilientes o tempo todo?
O que aprendi na idade madura foi que a reclamação tem que servir para um impulso interno. Não adianta apenas lamentar. Urge encontramos uma fórmula individual para atravessar a terceira etapa da vida. E rápido, por que vai acabar! Lute.