3,2,1… Esquecendo a vida
E onde está aquela mulher sensacional, trabalhadora, chique, doce, minha tia Regina? Não importa onde está sua mente, meu coração te pertence
Nunca é fácil lidar com o fim. Não sei se porque havia lido o artigo da jornalista Ruth de Aquino em “O Globo” sobre maus-tratos com os mais velhos. Não sei se foram as fotos dela que achei em uma gaveta qualquer. Não sei se foi perceber que passei a Páscoa com a família do meu marido. A minha mesmo, não existe quase. Uma filha comigo, outra a léguas. Minha mãe meio arisca. Primos em Mônaco.
E onde está aquela mulher sensacional, trabalhadora, chique, doce, minha tia Regina? Durante anos ela foi meu porto seguro, minha injeção de autoestima, minha fada com pó de pirlimpimpim. Com demência avançada, ela oscila. Ainda me reconhece, mas fala coisas desconexas. Pergunta pelo meu pai (falecido há 15 anos) e diz que vai pra Europa amanhã. Repete, repete, repete. Está ali na minha frente, mas não está. E eu, tentando fazer a egípcia com meus sentimentos, faço cara que está tudo bem, afinal, ela não tem dor, ela levanta, ela fala, ela come sozinha e está com avançados 91 anos. É para celebrar, não é?
Mas não sei se é porque lido com o tema da maturidade com frequência, através do meu ATITUDE 50, que uso a minha tia como espelho. Estou na segunda idade. Se eu tenho 53 anos e os 50 são os novos 30, sou uma garotona. Mas, caso não haja nada pior, caminharei para ser, eu mesma, a mesma Regina. Vou esquecer. Vou falhar. Vou ficar com esse olhar vidrado no nada.
Ela silencia. Ela está encurvada. Ela treme. As cuidadoras não têm a mais vaga ideia de quem foi minha tia. Nem nenhum daqueles internos no pavilhão francês do Asilo São Luiz da Velhice, no Caju. Minha tia foi uma rainha, não só no nome. Mas no presentismo de domar sua vida. Nasceu na Bahia em berço de ouro. Seu pai jogou tudo no cassino (o jogo era liberado nos anos 30), ela veio para o Rio com sua mãe (minha querida avó Helena), meu pai e uma outra irmã com muito pouco dinheiro. Deram muito duro. Fizeram doces pra vender de porta em porta. Virou boleira. De tanto entregar doces na casa dos outros, acostumou-se a entrar em residências. Tomou gosto pela decoração. Teve uma coluna autoral no “Correio da Manhã” e depois se tornou uma grande decoradora de ambientes. Se casou apenas aos 40 anos com um homem desquitado. Ficou falada. Cagou pra isso. Comprou, com seu suor, um apartamento na Lagoa. Andava de motoneta, viajou o mundo inteiro pela Polvani –sempre pagando a prestação. Escreveu contos para si mesma. Fazia cursos de atualização da mulher. Lia Clarice Lispector. Me espelhei nela. Grande tia. Grande mulher.
Regina, não importa onde está sua mente, meu coração te pertence. Te amo.