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Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos
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Monica Benicio: a história do grande amor de Marielle Franco

Em entrevista de quase duas horas, conta como se apaixonou por Marielle, fala do casamento e afirma que fará de tudo para manter vivo o nome da companheira

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 mar 2018, 18h53 - Publicado em 22 mar 2018, 03h13

Eu me mudei para o Complexo da Maré, que reúne 16 favelas do Rio de Janeiro, onde ainda me encontro nesta madrugada de 22 de março, quinta-feira. Queria sentir o povo daqui e pedi abrigo ao fotógrafo AF Rodrigues, que, com sua mulher, Elisângela, me acolheu amorosamente em casa. Precisava entender como essa comunidade produziu Marielle Franco, hoje o nome mais comentado no mundo, a vereadora de mandato popular, mulher associada à luta,  à guerra e à paz; a negra que levou a favela para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Só no ano passado, o território da infância e juventude de Marielle foi palco de 108 eventos cravejados de balas. Em 41 deles, as armas de fogo foram disparadas em operações policiais. Outros 41 decorreram de confrontos entre facções do crime organizado e 26 se deram fora de embates, ou seja, a carnificina foi promovida por um único grupo.

O sangue correu pelas ruelas, e o povo desse local chorou sobre 42 corpos, além de cuidar de 57 feridos. Em média, um mareense tombou sem vida a cada nove dias. O mesmo povo do lugar cria muitas alternativas de ajuda e sobrevivência. Marielle era fruto disso, também protagonista da resistência que se faz aqui.

Para entender Marielle, precisei da ajuda de Monica Tereza Azeredo Benicio, arquiteta, 32 anos. Também cria da Maré, ela é mestranda da PUC e está pesquisando como a violência pode interferir na relação do cidadão com o seu local de moradia, resumindo rapidamente. Em Monica fui buscar a melhor definição de Marielle da porta para dentro. Da Marielle mulher –a mulher que Monica amou desde os 18 anos.

Eu me apresentei pelo WhatsApp. Por três dias, trocamos mensagens. Monica, sempre firme e ao mesmo tempo delicada, permitiu que eu me aproximasse. O problema era o acúmulo de atribuições e demandas que ela, embora tão doída e chorosa, precisava administrar. Na terça-feira, por exemplo, passou  muito tempo prestando depoimento na delegacia de polícia que investiga a execução covarde de Marielle sete dias antes. À noite estava no ato público na frente da Câmara Municipal. Desde o assassinato de Vladimir Herzog não se via uma celebração ecumênica tão emocionante e sensível, juntando uma multidão para ouvir pastores, um rabino, padres, representantes das religiões de matrizes africanas e do islamismo.

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De carona na moto do fotógrafo, fui conhecer Monica nas proximidades da Vila do João, que pertence à Maré. Percorri fronteiras que dividem as áreas dominadas pelos grupos que se enfrentam e deixam marcas de rajadas de projéteis nas paredes. Vi como são alegres as crianças indo à escola ou vindo dela, apesar de toda a truculência. E fiquei pensando que entre elas pode surgir outra Marielle.

Monica está sofrida, mas íntegra. Conversamos por quase duas horas; depois ela se entregou às lentes de AF, outro menino nascido na Maré. Foi Monica quem sugeriu o local do nosso encontro. Disse que me receberia na casa que dividiu com seu amor, na Tijuca, mas preferia mostrar os lugares delas na Maré. Nós nos abraçamos no pátio da Igreja Nossa Senhora dos Navegantes. “Foi aqui que vi Marielle pela primeira vez”, me contou Monica.

Era Carnaval, um grupo de jovens que frequentava a igreja sairia de viagem, numa van, para a Praia de Jaconé, em Saquarema (RJ). “Primeiro, entrou no pátio a Luyara, que tinha apenas 5 anos”, lembra Mônica. “Ela veio na minha direção. Eu levava um bichinho de pelúcia que a atraiu. Comecei a brincar com Luyara no chão e logo apareceu Marielle. Eu levantei a cabeça e dei de cara com o sorrisão dela. Vi sua luz. Uma luz forte. Foi um impacto. Na van, demos um jeito de sentar juntas e, na casa da praia, dividimos o mesmo quarto. Não aconteceu nada ali de erótico. Mas nós nos grudamos, fizemos todos os passeios juntas. Ela precisou voltar antes de terminar o Carnaval, porque tinha que trabalhar. Fui com ela e Luyara até a rodoviária e choramos muito na despedida, como se não pudéssemos viver longe. Nossa amizade cresceu, fui morar na casa dos pais dela para ficar mais perto da escola, mas continuávamos nos relacionando com rapazes. Tinha um estranhamento, um ciúme; no entanto a gente não se dava conta. Um ano depois, aconteceu um beijo. Ficamos assustadas. Parecia que aquilo não estava certo. Marielle era catequista, muito ligada à igreja. As nossas famílias não aprovariam. Havia o machismo da favela e o preconceito de todos contra nós.”

O que se seguiu foi, de fato, tudo o que elas previam: rejeição, condenação dos amigos, dos vizinhos, e os homens insinuando o estupro corretivo para que não voltassem a pensar em sexo com mulheres.

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Monica contou abertamente o que enfrentaram, das inúmeras vezes que se separaram. Até que, para tomar a decisão mais difícil de sua vida, Marielle precisou ouvir Monica e foi procurá-la. Ambas estavam em um relacionamento firme; ela com uma mulher, Marielle com um companheiro.

Marielle revelou que cogitava disputar as eleições municipais, de 2016, e queria saber a opinião dela. Monica foi sincera. Respondeu que, conhecendo o lado frágil daquela leoa brava – que chegava em casa, fechava a porta e desabava –, era contra Marielle se candidatar. Mas, como cidadã, tinha certeza de que faria um grande mandato e votaria nela.

O relato de Monica, às vezes interrompido por lágrimas, é sobre uma grande história de amor e de opostos que se completam. “Marielle adorava os holofotes; eu queria estar longe deles. Tinha uma força pública, um talento para isso, mas não conseguia organizar a vida prática, a rotina. Eu punha as despesas da casa em planilhas, cuidava do que íamos comer, criava um ambiente calmo com velas  no quarto. Tudo para segurar um pouco a onda brava que ela vivia na política”, diz.

No domingo passado, elas inaugurariam um  jardim na casa de vila que montaram. Em setembro próximo, casariam no civil –estavam orçando os serviços e poupando dinheiro para uma festa. Pensavam em filhos… mas esbarravam na dúvida: “Quem de nós vai gerar?”.

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A entrevista completa estará publicada na edição de abril da revista CLAUDIA. Devo confessar que fiquei embargada duas vezes durante a conversa. Uma delas foi ao ouvir Monica explicar que, mesmo não sendo uma líder, não tendo a força e o carisma da companheira, vai fazer de tudo para  levar as investigações até o final, com punição aos homens que tiraram dela a mulher, o grande amor – e arrancaram do povo pobre uma brava leoa que urrava para defendê-lo. Disse mais: que tomará para si a missão de não deixar o legado de Marielle ser esquecido. Nesse momento, a entrevistada, abatida, se tornou grande e eloquente. Eu me vi diante de uma mulher que está para descobrir como é longo o seu fôlego. E como permanece inteiro o seu desejo de seguir vivendo.

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