O risco de virar verdade
Pesquisa derruba estereótipo de que, no mundo corporativo, homens se arriscam mais do que mulheres
Mulheres têm aversão a riscos. Você certamente já ouviu essa frase, usada tanto contra como a nosso favor. Serve, do lado negativo, como argumento para desconfiar do nosso bom desempenho em cargos de liderança, já que não estaríamos preparadas para tomar decisões arrojadas. Pode também ser uma referência favorável ao estilo de gestão feminino, que seria mais cauteloso, menos intempestivo.
Seja como for, o risco real dessa afirmativa é acreditar nela. Mulheres e homens, na verdade, têm igual aversão ou amor ao risco. A quebra de um estereótipo tão consagrado no mundo corporativo veio do resultado de uma pesquisa realizada pela consultoria internacional Grant Thornton, que analisa há 13 anos o papel das mulheres na liderança. Esse novo estudo, “Women in Business”, com informações de líderes empresariais em 36 economias, concluiu que executivos e executivas são “igualmente bons e ruins em controlar o risco”. A diferença entre os gêneros, segundo a pesquisa, não está em um medo maior ou menor do risco, mas na estratégia adotada diante dele. Homens e mulheres o percebem e gerenciam de maneira diferente. Não de um jeito certo ou errado. A crença que levou ao estereótipo sobre o gosto ou a aversão é baseada no fato de que homens, diante do cenário desafiador, pensam e agem mais rápido. Mulheres tendem a moderar o comportamento extremo e usam mais tempo para ouvir e avaliar antes de partir para o plano estratégico.
A conclusão é mais um ponto a favor da diversidade nas lideranças. “Equipes diversas dificultam a consolidação do que chamamos pensamento coletivo, que se forma quando nos envolvemos apenas com aqueles que compartilham uma visão similar de mundo, abafando outras perspectivas”, analisam os estudiosos da Grant Thornton. Além de derrubar o “pensamento coletivo” que identifica homens com uma cultura empresarial agressiva e mulheres com um comportamento cuidador, milenarmente atribuído à proteção ao lar, o estudo mostra o perigo da linguagem e das crenças infundadas no trabalho.
O maior problema do estereótipo mora no seu poder de “virar verdade”. Diante de situações difíceis, explicam os consultores da Grant Thornton, tendemos a usar estereótipos como “atalhos mentais para acelerar uma decisão”. Na dúvida, recorremos à nossa intuição, e ela é composta de coisas em que acreditamos. Se achamos que temos medo de correr riscos, perdemos o foco na solução do problema e caímos na armadilha da crença. É o famoso viés inconsciente –-a gente não acha que está sendo preconceituoso, mas está.
Já imaginou quantas vezes fomos vítimas desse viés? Dos nossos chefes, pares e, principalmente, de nós mesmas? Submeter crenças de linguagem corporativa ao “detector de mentiras”, por meio de estudos sofisticados como esse, é libertador. Diminui, a princípio, as barreiras de gênero e, em um nível mais transformador, o poder da linguagem-clichê: “mulher é mais competitiva, homens se ajudam mais entre si”; “homens gostam de desafios, mulheres preferem segurança”. Afirmações como essas baseiam-se apenas em percepções e eternizam-se na cultura do trabalho de forma insidiosa. Aceite então este novo risco para o ano que vem. Enquanto não surgem novos estudos para derrubar outros clichês sexistas, que tal refletir um pouco e desconfiar deles antes de fazê-los “virar verdade”?