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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood
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Quem foi Ruth Snyder, que inspirou “Pacto de Sangue”

A assassina que morreu na cadeira elétrica, inspirou dois dos filmes noir mais clássicos de Hollywood, mas nunca teve sua história contada como deveria

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 22 mar 2024, 18h17 - Publicado em 22 mar 2024, 17h59

No início do século 20 um assassinato chocou Nova York: uma mulher casada convenceu o amante a ajudá-la a matar seu marido para que ficassem com o dinheiro de seu seguro de vida. Soa assustadoramente familiar? Isso mesmo, vários filmes de sucesso usaram essa “trama”, alguns sem lembrar do fato original e real, que foi a história de Ruth Snyder.

Dois clássicos saíram direto das páginas de jornal para livros e depois filmes: Pacto de Sangue (Double Indemnity) O Destino Bate À Sua Porta (The Postman Always Rings Twice).

Ambos escritos há mais de 80 anos, falam indiretamente da vida de Ruth: a assassina condenada à cadeira elétrica e a “verdadeira” femme fatale.

A mulher fatal “real”

Ruth Snyder
Ruth Snyder (Getty Images/Getty Images)

Mesmo para os que gostam de true crime, o nome de Ruth Snyder meio que está “se perdendo” ao longo do tempo, porque poucos associam a fórmula dos filmes noir à sua trajetória.

Hoje, é mais lembrada por ter sido a terceira mulher a ser executada na cadeira elétrica pelo Estado de Nova York, com apenas 32 anos. E, mais ainda, porque há uma foto do momento de sua morte (extremo mau gosto!).

Na época, Ruth foi vilanizada pela imprensa como uma mulher calculista, sedutora e cruel, que matou o marido por ganância e ambição, sem realmente contextualizar a trajetória de sua vida nas decisões erradas que tomou.

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Ela virou o exemplo para a invenção da femmed fatale perfeita, aquela que destrói a alma e as vidas de homens com sua beleza e maldade.

Será mesmo que a verdadeira Ruth chegou ao extremo por tão pouco? Teremos que seguir a presunção de que “sim”, pois foi apenas assim que ficou registrado.

Nascida May Ruth Brown em março de 1895, em Nova York, filha de imigrantes pobres suecos, ela teve uma infância dura, sem luxos e com problemas sérios de saúde, como a epilepsia. Sem grandes estudos, só poderia contar com um casamento para viver, e mesmo assim as perspectivas eram poucas. Perto dos 20 anos, passou a trabalhar como telefonista e sua vida mudou radicalmente.

Foi quando conectou erroneamente uma ligação que conheceu seu futuro marido, Albert Edward Snyder. Eles não poderiam ser mais diferentes. Segundo consta, ela era animada, divertida e fã de festas, enquanto Albert, que era 13 anos mais velho, apreciava ficar em casa e quieto. Mas ele se encantou.

Em 1915, eles se casaram e foram morar em uma casa modesta no Queens. A única filha do casal, Lorraine, nasceu três anos depois.

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A esta altura os dois já tinham maior conforto material, com Albert trabalhando como editor de arte para de uma revista e ganhando cem dólares por semana, uma quantia significativa naqueles tempos. O nascimento da filha afastou ainda mais os dois e pavimentou o caminho para a tragédia.

Abusos ou ciúmes?

O histórico comprova que, por volta de 1925, Ruth começou um caso com Henry Judd Gray, um vendedor de espartilhos, também casado, que morava nos subúrbios de Nova Jersey.  Os dois se conheceram ao acaso, quando Ruth estava preocupada com o ganho de peso após a maternidade, algo que seu marido se queixava abertamente.

Um espartilho ajudaria a disfarçar sua cintura. E um amante daria a atenção que ela não tinha mais em casa.  O romance secreto logo ganhou cores de conspiração quando, segundo Judd, Ruth passou a planejar o assassinato de Albert.

Obviamente, Ruth dizia que a ideia veio do namorado. A verdade morreu com os dois, mas em uma sociedade machista, ela ganhou o protagonismo. A sugestão de que havia mais do que ganância estaria nos testemunhos sobre Albert ser abusivo fisicamente e psicologicamente, fatores que certamente contribuíram para o crime (embora não justifiquem).

O fato é que Ruth não foi o amor da vida do marido. Albert idolatrava sua falecida noiva, Jessie Guischard, dizendo para todos – inclusive Ruth – que Jessie era a “melhor mulher que ele conheceu”. Ele insistia em manter uma foto de Jessie na parede de casa, usava suas iniciais nas abotoaduras e batizou seu barco com o nome da falecida. 

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Pelo timeline, percebe-se que o desgaste dos dois acelerou com nascimento de Lorraine, porque apenas sete anos depois Ruth se envolveu com Judd. Segundo consta, Albert a culpava por não ter lhe dado um herdeiro homem e, além de exigir uma casa perfeitamente arrumada, batia nas duas se suas exigências não fossem atendidas.

Quando a foto de Jessie voltou para a parede da sala da casa dos Snyders, Ruth passou a planejar a morte de Albert. O fato é que divórcio foi descartado. Então, por que matá-lo e não apenas divorciar-se dele?

Porque além do escândalo, Ruth não teria direito a nada e ela dependia financeiramente do marido. Já que iria ficar sozinha, melhor rica. Em seu depoimento, Judd alega que só concordou com o plano quando Ruth ameaçou matar sua esposa, mas pode-se desconfiar que a quantia que ela herdari também influenciou sua decisão.

 Com a ajuda de um agente de seguros, que estava ciente do esquema, ela convenceu ao marido a adquirir três apólices de seguro de vida totalizando aproximadamente 80 mil dólares (cerca de mais de 1 milhão hoje). Uma das cláusulas da apólice dizia que pagaria a mais caso um ato inesperado de violência matasse a vítima, a chamada de “double indemnity” ou indenização dupla. Isso selou o destino de Albert Snyder.

O crime mal planejado

Graças ao sensacionalismo da imprensa, todos os detalhes ficaram registrados  no julgamento, onde Ruth responde à promotoria como foi o crime. Albert dormia com um revólver embaixo do travesseiro e, toda quinta, quando ia jogar boliche, Ruth e Henry se falavam por telefone (eles também trocavam cartas), combinando cada passo.

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Ruth já tinha tentado sozinha matar o marido outras vezes: quando desconectou o cano de gás do forno e quando ligou o carro com a porta da garagem fechada na esperança de encher a casa com monóxido de carbono.

Também tentou envenenar o uísque contrabandeado dele, mas como o gosto ficou horrível, ele jogou fora a garrafa. Outra oportunidade foi pensada quando Albert adoeceu e Ruth adicionou vários medicamentos ao remédio que ele estava tomando. Ela torcia para que a combinação o matasse. 

Na noite do crime, Ruth e Albert foram a uma festa, onde ela o serviu de bastante whisky, para embriagá-lo. Judd entrou na casa deles por uma porta que a amante tinha deixado destrancada e se escondeu em um quarto. Quando o casal voltou e Albert dormiu, Ruth foi ao encontro de Judd.  

Os amantes entraram no quarto com trapos embebidos em clorofórmio e um halter. Judd atingiu Albert na cabeça com o peso, mas como foi apenas um golpe de raspão, o acordou. Ele gritou por socorro e tentou agarrar o agressor, mas Ruth agarrou o halter e bateu com força no crânio do marido, matando-o imediatamente.

Para garantir, amarraram um fio em volta de sua garganta para estrangulá-lo e enfiaram algodão embebido em clorofórmio em suas narinas.

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Para fazer parecer que era um assalto, bagunçaram a casa e esconderam objetos.   Como toque final, Judd amarrou e amordaçou Ruth e a deixou no local. Sua filha, Lorraine, de apenas nove anos, que estava na casa o tempo todo, não ouviu a movimentação e encontrou a mãe amarrada na parte da manhã. 

A carta e o ato falho

Quase imediatamente os detetives notaram que havia algo errado na história. Não encontraram evidências de invasão da casa e o comportamento de Ruth não combinava com o que se esperava. Estava calma demais para a violência que teria testemunhado.

Ela alegou que tinha sido atingida na cabeça e desmaiado, mas não tinha sinais de pancada e nem suas mãos ou pés pareciam ter sido amarrados com força. O revólver de Albert, que estava ao seu lado como se ele tivesse sido morto ao reagir, não tinha sido disparado.

As joias que teriam sido o objetivo do assalto estavam escondidas debaixo do colchão. Quando a polícia comentou que o roubo parecia forjado, ela se assustou: “Como você pode saber?”

A derrocada para os amantes veio por outra falha de Ruth. Os investigadores encontraram um papel com as letras J.G. e perguntaram a Ruth o que significavam. Eles desconfiavam que fosse uma amante do falecido Albert, e de fato era uma lembrança que tinha guardado de Jessie Guischard.

Ruth respondeu: “Judd Gray?… Ele confessou?”, ao invés de falar se Jessie. Até então, ninguém sabia que existia um Judd Gray. 

Julgamento midiático e sentença de morte

Confrontada, Ruth confessou o romance, mas quis colocar a culpa de tudo em Judd. Ela ajudou aos policiais dando o endereço do hotel onde ele estava e o amante foi preso. Tentando negar e usar um álibi falso, logo ele inverteu a situação e acusou Ruth de o ter forçado a participar do assassinato.

Os jornais da época exploraram todos os detalhes sórdidos do crime, realçando a figura da femme fatale, aquela que destrói homens como uma Medusa, o que criou ainda mais pressão por Justiça. A essa altura Ruth e Henry se acusavam mutuamente. Os dois foram condenados.

Apenas alguns meses depois de ter sido presa, Ruth foi colocada na cadeira elétrica em Sing Sing. Houve tentativas de conseguir o perdão para ela, porque era muito chocante condenar uma mulher à morte naquela época. Para deixar ainda mais complexo, o governador Al Smith justificou o feminismo como motivo de negar clemência, afirmando que “o sufrágio igual colocou as mulheres em uma nova posição. Se forem iguais aos homens perante a lei, deverão pagar as mesmas penas que os homens por transgredi-la”. 

A execução involuntariamente ficou eternizada com uma foto de extremo mau gosto: no momento da descarga elétrica, feita escondida e publicada na primeira página do Daily News. Me recuso a postá-la. Judd foi morto na mesma cadeira, 10 minutos depois dela, sem imagens ou grandes escândalos.

A filha de Albert e Ruth, Lorraine, passou anos como alvo de disputa de parentes e da herança. Não se sabe como ficou depois de adulta.

Inspirando livros e filmes

O fascínio sobre a trágica história de Ruth Snyder foi a semente de um mar de versões lucrativas de literatura e filmes. Entre eles, James M. Cain, que fez a cobertura do caso como repórter. Ele recontou o caso não apenas uma vez, mas duas, com adaptações para o cinema consideradas clássicas. 

Cena do filme
Cena do filme “é O Destino Bate à Sua Porta” (Divulgação/Divulgação)

A primeira versão, de 1934, é O Destino Bate à Sua Porta (The Postman Always Rings Twice) que é mais próxima da história real e onde ele centrou a motivação na relação sexual dos amantes e abusos físicos no casamento. Cora, a personagem principal, é uma mulher frustrada, mas menos ardilosa que a Phyllis, a segunda personagem que Cain usou Ruth Snyder como base.

Talvez pelo conservadorismo da época, a recepção tenha sido morna ao livro. O filme só foi feito em 1946, com Lana Turner no papel principal. Em 1981, a história ganhou cenas mais explícitas, com Jessica Lange e Jack Nicholson como os amantes. Nessa versão, Cain mostra um vagabundo que começa um caso com uma bela jovem casada com um empresário mais velho e bem-sucedido. Juntos, eles planejam assassinar o marido, com consequências trágicas para todos.

Versão de 1981 do filme
Versão de 1981 do filme “O Destino Bate à Sua Porta” (Divulgação/Divulgação)

Dois anos depois, Pacto de Sangue (Double Indemnity) fez mais sucesso, porque nessa versão Cain transforma a mulher em uma sórdida golpista que convence o amante a ajudá-la a matar seu marido por dinheiro. 

O filme assinado por Billy Wilder é considerado uma das maiores referências do cinema noir, que completa 80 anos em 2024. A sordidez da história era uma novidade para a época e, por isso mesmo, um sucesso.

A produção chegou aos cinemas oito anos depois do livro, mas teve que aliviar vários pontos importantes por causa da censura: o sexo entre os amantes só é sugerido, não há imagens de corpo e queriam que a cena da execução fosse na câmara de gás. O final foi adaptado, quem já viu sabe.

As atuações de Fred MacMurray e Barbara Stanwyck são icônicas, mas o feminismo atual teria fortes críticas ao papel.

Curiosamente, até hoje não foi feita uma cinebiobrafia ou série sobre Ruth Snyder. Há um documentário em produção, mas ainda não ficou pronto. Sua história, cercada de mistérios, valeria revisitar. Concorda?

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