O que falta em Hollywood para mães e filhas se entenderem?
Ana Claudia Paixão reflete sobre as colisões que acompanham essa relação entre mulheres em filmes e séries
Depois de maratonar tantos filmes e séries, cheguei a uma tardia conclusão de que fui uma adolescente bizarra. Com amigas bizarras também! É que nós não tivemos drama com nossas mães e mesmo com diferenças e discussões ocasionais, os relacionamentos foram sem altos e baixos. Claro que ajuda não ter uma mãe tóxica, mas se fosse roteirista essa lacuna certamente tiraria boa parte do apelo das histórias que gostaria de contar. Ou assim parece. Afinal, dez entre dez conteúdos que trazem mãe e filha na narrativa as colocam em rota de colisão. Os exemplos mais recentes vão de Big Little Lies (HBO); Friendly Fires Everywhere (Amazon Prime); e Moxie e Ginny e Georgia, da Netflix, para citar apenas quatro deles. Se você achar que já viu a história antes, é porque já viu mesmo.
A equação invariavelmente transita em torno de uma mãe solteira ou divorciada, que faz de tudo para que a filha adolescente tenha as oportunidades que ela não teve. Isso demanda tanto dela que se anula ou apaga. A filha a despreza, a acha antiquada e sem noção. Embora se amem, é difícil que se entendam. Por que será que ainda batemos nessa tecla?
Isso me chamou a atenção no interessante Moxie, de Amy Poehler. O filme é a adaptação do best-seller do mesmo nome (escrito por Jennifer Mathieu) e é inspirado em uma história real. Nele Vivian (Hadley Robinson) é uma tímida adolescente navegando em tempos do movimento #metoo que a força sair da inércia da timidez e se posicionar. Sua inspiração acontece quando justamente descobre que a mãe cansada e apagada (Amy Poehler) foi punk, engajada e atuante. Legal, não? Só que Vivian tem ressentimentos quanto à mãe e quando “explode”, fica um pouco vazio.
O filme poderia escorregar na tentação panfletária, mas genuinamente coloca as questões atuais com inteligência, o que faz com que a crise adolescente – e imatura – volte ao clichê de conflito de gerações. Se conseguimos avançar na mensagem de sororidade entre mulheres, por que ainda não abordamos esse problema? Será que toda mãe tem que estar sozinha, incompreendida, louca e perdoando incondicionalmente as filhas?
A personagem de Reese Witherspoon em Big Little Lies tinha algo em comum com Gilmore Girls e na nova Ginny e Georgia. Todas foram mães adolescentes e quando as filhas chegam à adolescência, começam os conflitos. No caso de Gilmore Girls, que Ginny e Georgia citam abertamente, havia menos problemas entre Lorelai e Rory. Elas tinham dinheiro e viviam quase idilicamente em uma pequena cidade não longe dos avós. Lorelai tinha problemas com sua mãe, os mesmos de sempre que “não se entendem”, “não me ouve”, “é uma decepção”, etc. Mas Lorelai e Rory tiveram muito menos problemas.
Na nova série da Netflix, Ginny e Georgia, Georgia tem dificuldades financeiras, mas faz de tudo (literalmente, não vou dar spoilers) pelos filhos. Ginny enfrenta todas as mudanças hormonais, sexuais e comportamentais adolescentes, mas com um elemento a mais, a questão do preconceito racial. Ginny é amiga de Georgia, mas detesta o jeito que ela vê como irresponsável da mãe. Podem citar Gilmore Girls, mas a fonte é o filme Em Qualquer Outro Lugar, de 1999, estrelado por Natalie Portman e Susan Sarandon. Ou até Minha Mãe É uma Sereia, com Winona Ryder e Cher. Passa o tempo, muda a atitude, mas o conflito feminino permanece no berço. A fórmula “mãe maluca, filha responsável” que só muda de roupa e atriz. A boa Friendly Fires Everywhere aborda questões parecidas também. Juro, é a mesma série em cidades diferentes.
Se estamos trazendo elementos que encorajam aceitação, poderíamos começar a explorar um novo capítulo nas relações femininas sobre a distância entre maternidade e amizade. Claro que sem um apelo dramático a narrativa perde o arco de evolução da heroína, mas está cansativo ver a mesma exata tecla entra ou sai a década. Podemos reescrever essas histórias também.