O mais impressionante de “Mães da Máfia” é lembrar que é uma história real
Série reconta a emocionante trajetória das mulheres que se uniram para desmontar a perigosa facção criminosa italiana
A história verdadeira das mulheres que tiveram a ‘ousadia’ de se unir e enfrentar a ultraviolenta facção criminosa calabresa, a ‘Ndrangheta, rendeu um best-seller assinado pelo jornalista Alex Perry, em 2019, e é a base da série da StarPlus, Mães da Máfia, disponível na plataforma desde o início de abril. É uma série que mescla suspense e drama, fazendo o coração ficar apertado e disparado ao mesmo tempo por ser uma história de coragem e muita determinação contada sob a ótica das mulheres que se uniram contra o crime. Sem surpresa, foi a grande vencedora no Festival de Berlim de 2023.
De alguma forma, é uma versão oposta de O Grande Chefão, pois não traz glamour para o crime e, mais ainda, é vista e contada da perspectiva feminina, algo muito raro nessa tradição. Dividida em seis episódios, Mães da Máfia relata as trágicas histórias de mulheres abusadas, ameaçadas e que, ainda assim, não se calaram. Em um cenário extremamente machista e violento, a promotora vivida por Barbara Chichiarelli percebe que pode convencer esposas e filhas a tentarem se unir e destruir o sistema que as usa apenas como objeto, por dentro. A motivação maior acontece depois do “desaparecimento” de Lea Garofalo (Micaela Ramazzotti).
Desculpem o spoiler, mas é impossível evita-lo. Acompanhamos o drama de Lea, que no início dos anos 2000 forneceu à polícia italiana detalhes sobre as rixas internas dentro da máfia e provocaram as mortes de cerca de 40 pessoas. Lea entrou para proteção de testemunhas em 2006, junto com sua filha, Denise Cosco (Gaia Girace). Porém, saindo do programa em 2009, ela acabou sendo atraída para Milão por seu ex-companheiro, Carlo Cosco, para o que seria uma conversa amigável. Foi sequestrada, torturada e morta pelos irmãos dele.
Denise escapou e testemunhou contra seus tios e seu pai, e ajudou a promotora a chegar até Giuseppina Pesce (Valentina Bellè), uma mãe de três filhos que também aceita enfrentar o patriarcado que a oprime e que, por sua vez, traz para o grupo sua melhor amiga, Maria Concetta Cacciola (Simona Distefano), que também está com problemas em casa por ousar questionar a ordem das coisas. Os destinos delas podem ser iguais ao de Lea, mas elas encaram a sorte da mesma maneira.
A estratégia da promotora para descobrir o que aconteceu com Lea e ao mesmo tempo derrubar a ‘Ndrangheta, depende da contribuição dessas mulheres porque elas conhecem os detalhes do esquema criminoso como poucos. Porém, como Lea sabia, romper o milenar código do silêncio conhecido como “omertà”, que se resume em se manter fiel à família ou morrer, pode ser fatal. As consequências trágicas dos bastidores de toda essa ação estão no livro de Alex Perry, mas o elenco se concentrou mais nas pesquisas que fizeram. “Não li o livro, porque o tempo de preparação foi muito limitado e por isso o roteiro virou nossa Bíblia, em muitos momentos parece uma história de terror”, comentou a atriz Valentina Bellè em uma entrevista exclusiva por telefone com CLAUDIA essa semana, direto de Roma. “É muito raro ver mulheres que se comprometem dessa forma e que vão contra a própria família para buscar uma nova forma de vivenciar as coisas, a máfia vista de fora tem muitas faces, não é?”, completou Barbara Chichiarelli.
As atrizes, com razão, ficaram muito impactadas com a história pois há desdobramentos trágicos para algumas que colaboraram com a Justiça, como o que acontece com Maria Concetta Cacciola. “Foi importante vivê-las”, Simona comentou com CLAUDIA. “Valentina e eu conversamos muito para entender a submissão das mulheres nesse contexto [da máfia], pois para mim, como uma mulher, foi difícil entender totalmente como era para elas e precisei de um trabalho de conscientização”, confessou.
“Sim, e eu acrescentaria que existem muitas diferenças entre as mulheres ligadas ao crime. Por exemplo, no caso da Gomorra [outra facção mafiosa que age na Itália], há mulheres no topo, mulheres que gerenciam diretamente o Poder, mas, no caso da ‘Ndrangheta, não. As mulheres são as mais sacrificadas e obrigadas a sofrer”, continuou Simona. “Por isso é muito importante conhecer essas histórias um pouco mais de perto, entrar mais profundamente numa realidade dessa violência.”
Quem está acostumada a ver uma Itália paradisíaca nos cinemas e séries vai estranhar os cenários realistas, sujos e sufocantes das regiões mais pobres do país. Sem alternativas, é a sororidade que as une, mesmo que enfrentem suas próprias mães e irmãos, forçados a respeitar as “regras” milenares da máfia. Sem cair nas armadilhas de vitimização, Mães da Máfia traz uma história realista, real e muito humana para as telas.
“Infelizmente o modelo criminoso da ‘Ndrangheta foi exportado para todo o mundo, do Canadá ao Brasil, por isso espero que Mães da Máfia possa colaborar para criar um debate público em torno de algo fundamental como a liberdade”, sugere Barbara. “Ao levantar questões de uma dinâmica que destacamos de uma forma muito cristalina e que não só as mulheres, mas também os homens possam também entender como funciona a linguagem da máfia e suas consequências.”