“A Primeira Profecia”: mais um filme com mulheres em complôs malignos
Primeiro foi "Bebê de Rosemary", e agora o cinema tenta desvendar a história da mãe de Damien Thorn, o mais famoso Anticristo do gênero do Terror
Eu acho um tanto ousado como os departamentos de marketing dos grandes estúdios funcionam. Colocaram O Exorcista no circuito perto do Natal, e perto da Páscoa resgatam uma franquia que lida com a profecia da vinda do Anticristo. Ou são corajosos, ou não têm fé. Sim, A Primeira Profecia (The First Omen) chegou aos cinemas em 2024 pertinho do feriado, causando furor entre os fãs do gênero do terror, desconfiados depois que O Exorcista – O Devoto falhou em resgatar a história da mãe Regan (Linda Blair), a atriz Chris McNeill (Ellen Burstyn), tentando ajudar outras famílias a lidarem com o mesmo trauma dela. No caso de A Profecia era mais complexo: a mãe adotiva de Damien Thorn foi assassinada por ele no filme de 1976, e nunca soubemos quem deu a luz à ele. Um mistério a ser resolvido?
A Profecia (The Omen), de 1976, arrecadou mais de 60 milhões de dólares apenas nos Estados Unidos, foi estrelado por Gregory Peck, Lee Remick e Harvey Spencer Stephens e é considerado um dos melhores clássicos do gênero terror (está no acervo do Star+). Nele, acompanhamos a conspiração ao redor da família Thorn, que aos poucos passa a acreditar que seu filho de 5 anos, Damien, possa ser na verdade o Anticristo. O filme foi produzido três anos depois do enorme sucesso de O Exorcista, que por sua vez seguia outro sucesso, O Bebê de Rosemary, lançado em 1968. Foi a década do “terror psicológico”, com três clássicos perfeitos.
Foi o filme de Roman Polanski, onde Rosemary (Mia Farrow) é usada para gerar o demônio que deu a ideia ao produtor Harvey Bernhard de investir na história onde a possibilidade de que o Mal já pudesse estar entre nós, na pele de uma criança inocente.
Quando o roteiro ficou pronto, em 1975, o diretor Richard Donner foi contratado para conduzir o projeto e logo as divergências artísticas começaram, porque ele queria deixar dúvida e o roteirista estava determinado a ser direto: Damien Thorn era mesmo o capeta criança. O único espaço deixado para imaginação era justamente de onde vinha a criança e quem era sua mãe, tema do filme A Primeira Profecia.
No caso de que não conheça a trama original aqui vai um resumo: em A Profecia (The Omen), acompanhamos a vida do diplomata Robert Thorn (Gregory Peck) e sua esposa, Katherine (Lee Remick), que estão em Roma aguardando o nascimento de seu filho. Para choque de Robert, ele é informado que o bebê nasceu morto.
Desesperado, ele é abordado por um padre e uma freira, que sugerem que ele minta para Katherine e troque a criança por um órfão cuja mãe morreu no parto e nasceu no mesmo dia, horário e hospital. Ele aceita e os primeiros anos são idílicos, mas conforme ele vai ascendendo politicamente, a vida do casal dá uma curva sinistra.
Katherine está cada vez mais desconfiada sobre seu próprio filho, que passa a duvidar ser seu. Ao mesmo tempo, Robert é procurado por um padre, Brennan (Patrick Troughton), que o alerta que Damien é na verdade filho de Satanás e que nunca deixará que Katherine e Robert tenham herdeiros, sendo que a vida deles está em risco.
Mesmo tentando ignorar o aviso, Robert começa a juntar as peças e a ajuda do fotógrafo Keith Jennings (David Warner) é essencial para que finalmente ele seja convencido, porém, tarde demais. Obviamente há detalhes, mas deixo para que curtam ao ver o original.
O grande sucesso do filme, com a imbatível trilha sonora de Jerry Goldsmith, vencedora do Oscar e copiada desde então, deu espaço para que A Profecia virasse uma trilogia. No filme de 1978, um adolescente Damien descobre quem é, e no filme 1981, já adulto (e interpretado por Sam Neil), ele trabalha para criar o Apocalipse e enfrentar Jesus.
Não, as continuações não chegaram perto do filme de 1976. Em 1991, tentaram reavivar a franquia com The Awakening e uma série de TV, Damien. Apenas em 2006, refilmaram o original com Julia Stiles e Liev Schreiber nos papéis principais. Finalmente, agora tentam preencher o espaço mais interessante da história, que é identificar a mãe de Damien.
Tudo que o filme de 1976 nos diz é que a Igreja estava envolvida com o plano e que o filho verdadeiro de Robert e Katherine Thorn foi morto e enterrado ao lado de um esqueleto de um chacal. Como um incêndio destruiu o hospital onde o bebê nasceu, não há os registros ou sobreviventes, toda a equipe médica estava de plantão e morreu no fogo.
O padre que sugeriu a troca estava vivendo em um mosteiro gravemente queimado, mudo, cego de um olho e parcialmente paralisado, só conseguindo indicar o cemitério onde a mãe biológica de Damien estaria enterrada. É esse o mistério resolvido em A Primeira Profecia.
O filme é centrado nos percalços de uma noviça americana, Margaret (Nell Tiger Free), que chega à Roma para trabalhar para a Igreja. Aos poucos, ela se vê envolvida em uma conspiração do Mal, que trabalha justamente para trazer o nascimento do anticristo.
“Desde o início, sempre vimos esse filme como uma descida do céu ao inferno. Um sonho que se torna um pesadelo através da lente de nossa protagonista, Margaret”, explicou um dos roteiristas, Tim Smith, obviamente fã do filme original.
Aliás, é fácil perceber que a equipe de A Primeira Profecia é fã do clássico, incluindo muitas referências para quem já conhece a obra. Para ele, é justamente o conhecimento do que vai acontecer que faz quem gosta de terror apreciar o suspense do passado.
Fazer com que o público conhecesse a mãe biológica de Damien era essencial, mesmo que por décadas muitos apostassem que literalmente ele tivesse nascido do chacal.
Nada disso, Margaret é a mãe e a atriz Nell Tiger Free segura o protagonismo de uma história cheia de tensão que, de quebra, tem uma Sonia Braga que muitos custam a reconhecer. O filme tem o comando da diretora estreante Arkasha Stevenson, que se preocupou em amarrar as pontas e trazer atualidade à história.
“Sempre fomos muito influenciados pelos thrillers paranoicos e os filmes de terror psicológico dos anos 1970, portanto, a oportunidade de mergulhar no mundo de A Profecia (1976) foi muito emocionante para nós”, continua Tim Smith.
“A Profecia (1976) é um filme seminal que elevou o gênero e explorou os medos de sua época. Ele tornou o sobrenatural tão assombrosamente familiar e tátil que é o tipo de terror que realmente penetra na sua pele e lá fica”, teoriza.
Estou evitando deliberadamente todos os spoilers de A Primeira Profecia, incluindo a ousadia do final, que meio que descarta as continuações e abre um novo espaço a ser explorado na franquia.
Sim, vale a pena conferir o filme de 1976 para acompanhar o de 2024. Afinal, o sucesso de crítica sugere que pode ser, de fato, apenas um novo começo.