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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

A lendária Elena Mukhina: uma história que o Cinema deveria imortalizar

Em um ano de orgulho da equipe feminina brasileira na Olimpíada, é a trágica história da atleta russa Elena Mukhina que ainda não é devidamente relembrada

Por Ana Claudia Paixão
2 ago 2024, 16h00
Elena Mukhina no Mundial de 1978
Elena Mukhina. (Universal/Corbis/VCG/Getty Images)
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Por muitos anos, quando apareciam filmes biográficos na corrida do Oscar sabíamos que seriam “favoritos”. Embora frequentes, não eram tão dominantes como nas últimas décadas, onde em um único ano podemos ter a categoria de atores e atrizes num festival de biopics que enterra a máxima anterior. E acaba sendo ainda mais irresistível quando unem Esporte e Cinema.

Boa parte da população mundial se concentra na torcida a cada quatro anos, nos Jogos Olímpicos, mesmo que as competições mundiais aconteçam todos os anos em várias categorias. Em especial, a Ginástica Artística é uma das mais populares, porque vamos combinar: ver acrobacias e pessoas desafiando a gravidade é irresistível.

Era muito pequena quando Nadia Comaneci virou a lenda que ainda é hoje, e ela me fez querer ter aquela franjinha e aprender a saltar. Até hoje não sei dar cambalhota, mas a dança clássica foi uma alternativa imediata na qual consegui aprender.

E em 2024, falamos e choramos com o grande retorno de Simone Biles, fazendo história e passando para o campo da lenda. Uma lenda merecida e ainda mais emocionante se lembrarmos de como ela foi corajosa ao encarar de frente a crítica mundial ao decidir priorizar sua saúde mental e não competir nos jogos de 2020, na verdade realizados em 2021, em Tóquio.

A história de Simone está lindamente contada no documentário da Netflix, O Retorno de Simone Biles, que parou justamente para completar os últimos episódios com a consagração dela em Paris. Sua história vai virar filme, a gente já sabe. Mas a parte mais dramática, justamente a de parar e não se arriscar, jogou luz sobre outra lenda, uma que o cinema ainda não visitou e que deveria, imediatamente. Falo da história de Elena Mukhina.

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Elena Mukhina no Mundial de 1978
Elena Mukhina no Mundial de 1978 (Universal/Corbis/VCG/Getty Images)

Talvez Simone tenha pensado em Elena quando tomou sua decisão, mas a verdade é que eu duvido. A passagem de Elena na história foi breve e muitas gerações a esqueceram ou não ouviram falar nela, que estava sendo treinada para ser a maior rival de Nadia Comaneci.

Nascida em Moscou, Elena Mukhina teve uma infância triste: órfã com apenas cinco anos e criada pela avó, encontrou na ginástica e patinação artística um espaço de inspiração para seguir em frente.

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Em tempos de Guerra Fria, foi descoberta e levada para o Clube Esportivo Central do Exército Soviético, onde mesmo inicialmente sendo considerada mediana, foi arduamente treinada para ser um símbolo da hegemonia soviética nos esportes. Em 1977, o plano parecia estar dando certo e ela desbancou a grande Comaneci no pódio, passando a ser a mais aguardada dos Jogos de Moscou de 1980.

Só que Elena não apareceu e notícias desencontradas falavam de lesão a um repentino desejo de se aposentar, nada que fizesse muito sentido. Na verdade, a ginasta ,que era impressionante nos saltos mortais, tinha se machucado enquanto treinava e a verdade parece um roteiro de filme de horror.

Meses antes da Olimpíada, durante um treinamento, Elena Mukhina sofreu uma fratura na perna e perdeu a chance de estar no Campeonato Mundial em Fort Worth, Texas, onde a equipe soviética voltou a perder para as arquirrivais romenas.

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Era inadmissível que isso se repetisse em Moscou, e foi decidido que a recuperação deveria ser “acelerada”, mesmo contra a vontade e apelos de Elena. Após a cirurgia, ainda sem cicatrizar, voltou a treinar. Precisou operar novamente e, da mesma forma, praticamente saiu do hospital para os treinos. Era uma tragédia anunciada.

Chamada de “muito sensível e preguiçosa” quando se opôs ao que estava acontecendo, acabou cedendo porque entendeu que o prestígio da União Soviética estava sobre seus ombros. Mais ainda, tinha que surpreender, e por isso incluíram em sua rotina movimentos da ginástica artística masculina, em especial o assustador salto Thomas, um dos mais perigosos já criados, hoje banido da competição.

É um salto mortal duplo de giros e aterrisagem em uma cambalhota, cuja menor falha é irreversível – como Elena comprovou ao cair de queixo e quebrar a coluna. Ficou tetraplégica imediatamente.

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Para piorar o drama, a verdade do acidente foi mantida em segredo pela Federação Soviética de Ginástica, que manteve Elena reclusa e sem oportunidade de discutir o que ocorreu publicamente.

Ao longo do tempo, a imprensa e as autoridades soviéticas divulgaram informações falsas que minimizaram a gravidade da lesão, alterando a razão e descrevendo a condição do atleta como “um problema temporário”, e finalmente colocando a culpa nos ombros dela, como se fosse uma mulher de 20 anos tão ambiciosa que ignorou os riscos que corria.

O gaslighting foi ainda pior: ao culpar a vítima, destruiu-se ainda mais a saúde mental de Elena, que recebia cartas de fãs cobrando sua volta ou, depois, a acusando de ter sido irresponsável. Ela passou o resto de sua vida lutando para revelar e mudar esse cenário esportivo. Elena faleceu de complicações aparentes de tetraplegia em 2006, aos 46 anos.

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Ela recebeu a Medalha de Prata da Ordem Olímpica, em 1983, que é mais prestigiosa do que uma medalha olímpica e reservada apenas atletas que deixaram um legado maior do que esportes. Certamente, é o seu caso.

Lembrar dessa história contribuiu ainda mais para a minha emoção de acompanhar as medalhas brasileiras, o show de Rebeca Andrade e a superação de Simone Biles. Mas a história de Elena, merecia ser mais divulgada. E, sem duvida, filmada.

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