Uma casa de Vilanova Artigas restaurada por Marcos Bertoldi
A casa com rampas, vidro e concreto, fica em Curitiba. O olhar de Marcos Bertoldi, colecionador de clássicos do design deu ainda mais vida à linguagem modernista
Difícil não acreditar em destino quando se ouve uma história como esta. Desde a época de estudante, o arquiteto curitibano Marcos Bertoldi tinha esta casa guardada em seu “altar de obras sagradas”. Trata-se de uma das duas residências assinadas pelo arquiteto João Batista Vilanova Artigas remanescentes em Curitiba. Certa vez, uma cliente comentou que a “casa do Artigas” estava à venda e Marcos viu ali uma chance de visitar o local. Chamou uma corretora de imóveis, negociou a proposta e acabou comprando a residência projetada pelo mestre do Modernismo. Mais tarde veio a saber que sua cliente referia-se a outra propriedade da família Artigas, e não a projetada pelo arquiteto. Enfim, o destino se incumbiu de entregar a casa certa à pessoa certa. Isso foi há nove anos, quando Bertoldi mudou-se para lá com a esposa e a filha, e há três montou ali também seu escritório. Assim que recebeu o imóvel, o arquiteto pesquisou sobre a obra icônica de Artigas nos arquivos da FAU-USP e encontrou toda a documentação da residência projetada em 1978 e concluída em 1981. Com o projeto executivo, estrutural e croquis iniciais em mãos, deu início à recuperação da casa de 620 m². “O estado de conservação era péssimo, com goteiras e infiltrações”, conta o arquiteto, que reformou o imóvel enquanto morava nele. Além de trocar toda a parte hidráulica, impermeabilizou as lajes, se desfez de um telhado falso que havia sido acrescentado e substituiu o carpete pelo piso de borracha preto.
Como Marcos Bertoldi criou o projeto de reforma
“Não tive a pretensão de pensar com a cabeça do Artigas. Quando fiz a reforma, incorporei um pouco da minha linguagem”, explica o arquiteto. A pesquisa e o conhecimento do trabalho renomado de Artigas o levaram a destacar a linguagem brutalista da casa – os elementos estruturais ficam aparentes e os materiais aparecem em sua forma mais crua, destacando o concreto, a pedra e o vidro. Tudo é o que parece, sem truques. No portfólio de Bertoldi, é possível ver pontos consonantes com a escola modernista, seja nas linhas retas, no uso de vidros, seja nos volumes soltos. “Gosto da linguagem do concreto armado, dessa apropriação do terreno inteiro como uma grande estrutura, das rampas. Enfim, esta casa é uma excelente síntese do trabalho de Artigas”, explica o arquiteto, que vez ou outra recebe ali alunos da faculdade onde ministra aulas. Para coroar isso tudo, Bertoldi coleciona obras de arte e móveis de design, com um invejável acervo de cadeiras. Ou seja, sua casa é um verdadeiro templo da arquitetura e do design. Um passeio por ela é um tanto instrutivo e muito inspirador. A casa, que foi projetada para Márcia Artigas (sobrinha e afilhada de Vilanova), teve um destino especial – além de ter sido resgatada, passou a acolher criativas criações de mobiliário e arte da melhor qualidade. João Batista Vilanova Artigas uma vez disse: “Admiro os poetas. O que eles dizem com duas palavras a gente tem que exprimir com milhares de tijolos”. O mestre faleceu em 1985, mas ficaria feliz em saber que a poesia desta casa perdura, com seus milhares de tijolos – concreto, vidro e rampas – preservados.