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O cantor Lenine e a sua paixão pelas orquídeas

Critico veemente, músico premiadíssimo, Lenine tem um labo B florido. Sim, ele tem um pacto de amor com as orquídeas

Por Reportagem Liliane Oraggio | Fotos Pedro Loes | Ilustrações Toz
Atualizado em 26 Maio 2022, 15h22 - Publicado em 24 set 2012, 17h42

 

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De raízes aéreas, Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, 53 anos, é recifense e cidadão do mundo – sua música já conquistou o planeta, com quatro Grammys e com turnês lotadas por onde passa. Sua seiva é composta de paradoxos, cresceu entre a mãe católica fervorosa e o pai comunista militante, ouvindo ao mesmo tempo Tchaikovsky e Luiz Gonzaga, estudando profundamente a língua portuguesa e o latim para fazer letras muito populares, como em Paciência, e para construir jogos de palavras afiadas e críticas veementes, como em Jack Soul Brasileiro. Já pensando na estrutura do caule, digamos, Lenine é gregário, superfamília. Casado há 25 anos com Anna Barroso, tem três filhos homens, João, 32 anos, Bruno, 23 (que tocam com o pai), e Bernardo, 16. “Há uns 15 anos, comprei um sítio na serra fluminense e lá, por acaso, descobri minha grande paixão: as orquídeas. Vi uma flor no alto de uma árvore, o caseiro disse que era uma parasita da região. Levei a planta comigo para comparar com fotos no Google e ali abri uma janela enorme para esse universo. Virei orquidoido!” Quem vê Lenine no palco – íntimo do rock, mandando muito bem na sua guitarra Gretsch 1962 – e acompanha sua poética provocante custa a acreditar que ele goste tanto dessas flores quanto da música. Mas assim é: “O que me conquista nelas é a dicotomia entre a delicadeza da flor e a robustez da planta. Isso é uma loucura. É difícil conseguir machucar a raiz e as folhas. Mas, se tocar errado, elas desmancham”, diz ele, que adora os paradoxos na filosofia e na natureza: “Essa planta pode ficar 15 dias numa mala. Assim que ela entende que não tem luz, naturalmente reduz seu metabolismo. Como um faquir, hiberna até voltar para o ar livre e continuar florescendo. Isso é um sinal de inteligência”, conta Lenine, que costuma visitar orquidários e colecionadores nas cidades por onde passa com seus shows.

As viagens pelo Brasil rendem flores novas

 

 

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Quando viaja pelo interior do Brasil, ganha e compra plantas que são transportadas de caminhão, junto com o equipamento de som. Assim compõe sua rica coleção: “Tenho 600 espécies e o sonho de fazer um banco genético de plantas brasileiras, o que abrange 2,5 mil espécies. Para mim, deixar esse acervo vale mais do que qualquer discografia milenar”, afirma. Como a música exige que viaje para todos os continentes, ele aproveita para aprofundar a pesquisa botânica. “Não paro de aprender, já que no planeta existem 40 mil espécies catalogadas de orquídea. Cada uma delas é resultado das condições específicas da região de origem, o que determina a infinidade de cores, formas e estratégias de sobrevivência. Então descubro onde ela ocorre, que bioma, altitude, umidade… Essas são características que me ajudam a resolver que substratos usar no cultivo”, diz ele, que também mantém uma biblioteca especializada, com cerca de 300 volumes.

Entre tantas, ele não é capaz de eleger uma preferida, mas tatuou no braço direito Cattleya labiata. “Ela tem características muito fortes e é totalmente nordestina. A labiata é uma das únicas espécies que ocorrem desde o nível do mar até quase 2 mil metros de altitude, dona de uma adaptabilidade incrível, mas eu não tenho uma favorita.” O cuidado com as orquídeas intensificou o propósito de Lenine de preservar o meio ambiente. Ele recicla 70% do lixo que produz em sua casa fazendo compostagem e aproveita travesseiros, sapatos, vassouras velhas de piaçava, garrafas PET para cultivar mudas. “Elas se adaptam bem e não descarto o que pode ser reaproveitado. E não tiro nada da natureza e respeito as leis fitossanitárias. Quando quero trazer algo de fora, importo as sementes e tento reproduzir no meu orquidário as condições ideais para o florescimento”, afirma.

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Lenine ensina que as orquídeas precisam de cuidados

 

Na faixa Seres Estranhos, de seu último CD, Chão, Lenine fala dos seres estranhos que conversam com as plantas. Mas ele só admite a maluquice com um raciocínio muito bem plantado: “Tudo o que faço é autobiográfico, me sinto um cronista, um repórter registrando o meu tempo. Mas é bom definir o que é conversa, né? Se houver algum tipo de empatia entre dois seres e isso de alguma maneira ajudá-los, isso é uma conversa. Então, eu converso com as plantas. Se eu não estou ali, elas não crescem da mesma forma, não têm a floração da mesma maneira. Eu preciso olhar e ‘como você está bonita’… Mas isso não é falado, é mais a dedicação”. Porém no dia a dia ele é capaz de falar horas seguidas sobre o assunto para quem se dispuser a ouvir. Os músicos e os amigos já estão acostumados e sinalizam quando ele passa do ponto. “Durante as turnês o assunto está proibido”, diz a produtora Paula Gomes. Lenine leva isso numa boa e até fica constrangido em citar e soletrar os nomes científicos em bom latim. Como um contador de histórias, torna simples a compreensão de fatos muito complexos, incluindo o sexo (das orquídeas): “São flores hermafroditas e podem se autopolinizar. Mas, geneticamente, isso não é bom, pois é como casamento entre primos, os filhos nascem fraquinhos. Para evitar isso, existe um gênero de orquídeas, o Catasetum, que se reproduz de um jeito genial. Dá duas floradas por ano. Numa vem uma flor fêmea, toda delicada. E, seis meses depois, surge a flor macho, feia e rústica. As duas nascem da mesma planta. Impossível não se encantar sabendo do que elas são capazes!” E aí está outra semelhança, Lenine é o que se pode chamar de um homem feminino: agreste e delicado, cabra macho e capaz de muitas sutilezas, na música e na rotina, que inclui boa dose de silêncio entre suas plantas. Ele nega que elas tenham qualquer ligação com seu processo criativo, mas confessa que se alimenta da harmonia das cores, do ritmo da floração, da melodia da propagação. E como descrever uma orquídea? Mesmo ele, poeta juramentado, não arrisca: “Uma coisa é você sentir e outra é pôr as palavras nesse sentimento e fazer com que as pessoas sintam o que você sente. Nesse caso, não existe poesia que dê conta de aplacar o sentimento que eu tenho por elas”. De fato, essa é uma obsessão contagiosa e totalmente do bem, portanto, aos leitores que foram fisgados, Lenine ensina o segredo para estar sempre bem com as flores: “Elas adoram água, mas se não regar não tem problema, pois absorvem a umidade do ar da manhã. Elas amam claridade, mas têm horror a sol direto. Elas adoram o ar livre, mas odeiam vento. É só isso”. 

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