No ateliê do artista José Bechara impera a linha reta de suas obras
Espalhado nos cerca de 200 m² de um apartamento antigo em Santa Teresa, o carioca José Bechara desenha, com óxidos, metal e vidro, obras de arte sutil e hesitante.
O telefone toca. É a filha menor, adolescente, pedindo confirmação se ele vai buscá-la no curso de inglês, no fim de tarde, no Jardim Botânico. Com tom carinhoso, José Bechara responde que sim, desliga rapidamente e dá o recado: “A entrevista não pode passar das cinco. Tudo bem?” E foi assim, em menos de duas horas de papo, que deu para conhecer um pouco do mundo desse carioca, formado em economia pela PUC, de 56 anos, casado há quase 30 com a atriz Dedina Bernardelli, pai de três filhos (um economista e duas meninas, de 20 e 13) e dono de uma bem-sucedida trajetória de quase 3 décadas no universo das artes. “Virei artista já maduro. Na verdade, só entrei com 28 anos para a Escola do Parque Lage, depois de administrar por um tempo a empresa de meu pai, que morreu subitamente quando eu estava ainda na faculdade. Fiz questão de me envolver na base que ele construiu com tanto esforço para a família. Foi um desafio que me deixou mais obstinado. Depois, resolvi seguir minha vocação. Nos anos 1990, montei as primeiras exposições e coloquei enfim a cara a tapa. É a partir do olhar de um terceiro que o trabalho entra em crise, ou seja, no momento em que ele sai do ambiente protegido do ateliê. E é assim que ele evolui”, conta. São várias as fases pelas quais a arte de Bechara passou. E várias “crises”. Pintor apaixonado pelas tintas, ele diz que flerta constantemente com a escultura, que exercitou na série intitulada A Casa, de 2002, em que brinca com uma composição que traz os móveis e peças domésticas saindo por janelas e portas. Há ainda os módulos de ferro, como grades sólidas que desenham linhas que estão nas telas, tingidas com óxidos de diferentes metais carregados de tons inesperados – dos marrons aos vermelhos, dos azuis aos verdes, do preto ao magenta. “Cada experiência contamina a outra. Sei que nunca vou abandonar a pintura, que é a base de tudo, a grande paixão. Acho que a obra que produzo é a minha forma de gritar, de protestar, de me colocar no mundo”, reflete. Agora, sua mais recente produção é a série Suspensos, fruto de muita pesquisa, que utiliza grandes painéis de vidro presos por cabos de aço no teto, emoldurando de forma irregular peças aleatórias. “É um trabalho que me dá muita liberdade e que vejo como uma pintura, embora a operação seja tridimensional. Pretendo experimentar muitas coisas. Estou só começando a esculpir o vazio”, revela ele, que confessa ser um observador da arquitetura pelo mundo e aprecia especialmente o design italiano, inglês e escandinavo. “Fui convidado para participar da Trienal de Arquitetura em Lisboa em 2012. E foi uma experiência bacana. Meu olhar flerta com o universo estético presente em qualquer canto, seja no subúrbio carioca, em uma cidade de Portugal, seja na agitação do centro. A série A Casa, por exemplo, partiu de uma residência artística em Faxinal, no Paraná. Estava hospedado em uma cabana bucólica, linda. Mas nada de ideia e inspiração. A noite era fria e, em certo momento, olhei para a janela emoldurando um quadrado negro lá fora e achei que aquilo era um vazio pronto para ser preenchido. Fui então colocando nas aberturas tudo o que tinha pela frente: camas, mesa de centro, cadeiras. No dia seguinte, de manhã, vi que aquele espaço tinha virado uma escultura, uma poesia”, diz ele, que tem na agenda deste ano exposições marcadas em Belo Horizonte e em 2015 deve viajar para a Espanha com seus trabalhos. “Posso rodar o mundo, mas o melhor lugar é o meu ateliê. É aqui onde tudo começa e termina”, arremata.