Bruno Moreschi subverte o mercado ao criar 50 artistas fictícios
Uma enciclopédia reúne 50 personalidades e suas respectivas obras. Seria um livro normal, se todas não fossem criações de uma mesma mente, a do jornalista e artista visual Bruno Moreschi.
“0 artista Adolf Flynt parece revelar a mais genuína e inerente liberdade da pintura. Mourning consiste no artista Abdul-Rafi Fayad preso por uma corda de enforcamento e ajoelhado em direção a Meca. Malala Rejala não teme afirmar que seus trabalhos são resultados diretos de sua condição no mundo: uma mulher no Irã.” A descrição desses artistas soa familiar? E as obras expostas nestas páginas? Lembram algo? Essa foi a intenção do jornalista e artista Bruno Moreschi ao criar 50 personalidades e suas respectivas obras, agrupadas em uma enciclopédia, a Art Book. Você leu direito: foram 50 artistas com biografias escritas e criações realizadas por uma mesma pessoa. O trabalho, que transborda imaginação e senso crítico, foi resultado do mestrado no Instituto de Artes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abraçado e incentivado pela orientadora, Lygia Eluf. “Com tanta criatividade, eu sentia que o Bruno queria colocar a mão na massa. Quando ele me falou da ideia da enciclopédia, sugeri que não fizesse poucos, mas sim 50 artistas”, conta a coordenadora.
Envolvido há algum tempo na arte como crítico, Moreschi deparou com um padrão enquanto folheava enciclopédias do ramo – tanto em sua estrutura, quanto na quantidade de artistas e obras. E foi mais além. Percebeu um estereótipo entre criadores e criações. E é aí que ele pega toda a poeira embaixo do tapete e joga pelos ares. “As pessoas sabem que esses padrões existem e que eles fazem parte da engrenagem da arte. Mas a minha intenção é questioná-los. Queria que o meu primeiro trabalho investigasse o que é arte, discutisse o que é ser artista”, explica. Essas questões são antigas e surgiram em diferentes escolas artísticas ao longo da história. “Mas materializar essas ideias, como Bruno fez de forma criteriosa e inventiva, é um trabalho incrível”, elogia o curador Agnaldo Farias, um dos escolhidos para participar da banca de defesa do mestrado. Partindo desses padrões, Moreschi passou a criar diferentes tipos de obra. Contratou um ator para fazer uma performance e o fotografou. Pintou quadros abstratos gravou uma videoarte, desenvolveu esculturas, desenhos e montagens. Cada trabalho se referia a um artista e a seu contexto. Não seria estranho ver autorretratos da iraniana que protesta contra a política e a religião de seu país. Nem irmãs gêmeas albanesas que criam sua obra baseadas no espaço em que elas farão a mostra. A cada página da enciclopédia, percebem-se paródias de sensos comuns tão presentes em bienais e livros. O mestrando produziu as 311 obras em apenas um ano. Demorou o mesmo tempo para dar vida aos 50 artistas escrevendo suas histórias. No terceiro ano, ganhou dois editais da Funarte para finalizar o projeto. “Os membros da academia duvidavam que seria possível fazer o projeto. Mas ele conseguiu. E com mérito!”, diz Lygia. Enquanto Moreschi caminhava na linha entre ficção e realidade, percebia que poderia ir além com a Art Book. Convocou dez críticos reais para chancelar os artistas irreais. “Entrei na dinâmica do trabalho: criar conteúdo com base na simulação”, conta Paulo Miyada, um dos nomes escolhidos. A ousadia de Bruno repercutiu, ganhou notoriedade e acabou representada pela galeria paulistana Blau Projects. Para quem quiser ver essa espécie de meta-arte criada por Bruno Moreschi, a Art Book agora faz parte do acervo do MAC de São Paulo e estará exposta no Paço das Artes, na capital paulista, de 31 de julho a 7 de setembro. Só cuidado com o risco de, ao final do livro, querer colecionar obras de algum artista que não existe. Ou existe?
“O pensamento enciclopédico tenta oferecer modelos, preparar e apresentar coisas que representam outras coisas (…). Não é necessário apresentar cada artista do mundo quando se pode agrupar 50 que, supostamente, representam todos eles.” Joseph Imorde, professor.