A série Catedrais da Cultura registra espaços culturais em 3D
A série de cinema e televisão Catedrais da Cultura nasceu do desafio que o alemão Wim Wenders propôs para seis cineastas: registrar em 3D espaços que promovem a cultura ao redor do mundo.
Tempos atrás, Wim Wenders (diretor de Asas do Desejo) teve uma ideia brilhante: usar o 3D, tecnologia normalmente empregada em grandes filmes de ação, em documentários. O exemplo mais famoso é Pina (2011), sobre o trabalho da coreógrafa Pina Bausch. Mas, um ano antes, ele já tinha experimentado o formato no curta If Buildings Could Talk (Se os Edifícios Pudessem Falar, em tradução livre do inglês), exibido na Bienal de Arquitetura de Veneza, sobre o Rolex Learning Center, em Lausanne, projeto arquitetônico do SANAA.
O cineasta resolveu ampliar um pouquinho essa noção com o projeto Cathedrals of Culture (Catedrais da Cultura), exibido no Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro. Ele chamou cinco outros cineastas para procurarem a alma de prédios que abrigam cultura. O dinamarquês Michael Madsen, por exemplo, filmou a prisão Halden, na Noruega, com desenho do escritório EMA, considerada a penitenciária “mais humana” do mundo. O americano Robert Redford preferiu o Instituto Salk, em La Jolla, na Califórnia, um centro de pesquisas criado em 1959 pelo virologista Jonas Salk, com projeto de Louis I. Kahn. Os outros selecionaram espaços mais obviamente culturais: Wenders ficou com a sede da Filarmônica de Berlim (de Hans Scharoun), o austríaco Michael Glawogger, com a Biblioteca Nacional da Rússia, em São Petersburgo (desenho de Yegor Sokolov), a norueguesa Margreth Olin, com a Ópera de Oslo (do escritório Snøhetta) e o brasileiro Karim Aïnouz, diretor de Madame Satã e Praia do Futuro, debruçou-se sobre o Georges Pompidou, em Paris (de Renzo Piano e Richard Rogers).
Centro Georges Pompidou por Karim Aïnouz
Nascido em Fortaleza, Karim Aïnouz viveu parte da adolescência em Paris, com o pai. Lá, costumava passar algumas tardes no Centro Georges Pompidou, conhecido como Beaubourg, inaugurado em 1977. Quando foi convidado por Wim Wenders para dirigir um dos episódios de Cathedrals of Culture, escolheu o prédio criado por Renzo Piano e Richard Rogers primeiro por razões sentimentais. Mas Karim sempre gostou da proposta multicultural, com biblioteca, cinema, teatro e exposições, e da singularidade do projeto, que usa apenas um terço do terreno – os outros dois terços são uma praça, lugar de encontro. “Ele se relaciona de uma maneira muito interessante com a cidade, é uma nova textura, um novo modo de ocupar espaços.” O Pompidou foi um dos primeiros equipamentos culturais utilizados para revitalizar parte de uma cidade, no caso, o Marais. Como havia uma diretriz de que os filmes da série fossem em primeira pessoa, o cineasta inventou um diário do edifício, lido por Deyan Sudjic, diretor do London Design Museum. “Para mim, foi uma oportunidade de pensar a arquitetura, sua relação com a história, seu papel hoje, seu impacto na vida das pessoas”, avalia. Aquela construção sem fachada, com estruturas aparentes, envelheceu bem, acha Karim. “E tudo porque tinha tantos conceitos por trás.”
Em lugares tão diversos quanto São Petersburgo, Califórnia, Berlim e Oslo, a série mostra, sob diferentes olhares, como a arquitetura impacta o ser humano e o tecido urbano.
Biblioteca Nacional
Criada pela imperatriz Catarina, a Grande no fim do século 18 e aberta apenas em 1814, a construção de estilo neoclássico desenhada por Yegor Sokolov em São Petersburgo, então capital do país, assistiu (e resistiu) a revoluções, guerras e transformações da sociedade russa, abrigando os tesouros da história, do conhecimento e da literatura do país. Largamente analógico num mundo cada vez mais digital, o conteúdo precioso da Biblioteca Nacional é guardado por um grupo de bibliotecárias dedicadas e orgulhosas que são o centro do filme dirigido pelo austríaco Michael Glawogger. O documentarista tentou filmar em outros edifícios com mesma função, no Vaticano e em Oxford, Inglaterra, mas acabou se decidindo por São Petersburgo porque os livros estão à mostra em estantes que cobrem as paredes.
Instituto Salk
O virologista americano Jonas Salk, criador da primeira vacina contra a poliomielite, resolveu criar um instituto científico na Califórnia, nos anos 1960, como “um lugar onde Picasso se sentiria em casa”. O ator e diretor americano Robert Redford escolheu retratar o projeto em seu filme, ao som de Moby. Num terreno à beira-mar, em La Jolla, o arquiteto Louis I. Kahn desenhou duas fileiras de edifícios de concreto, com cinco blocos de seis andares cada um – dois deles subterrâneos para atender ao gabarito local. No meio, um pátio sem nada, a não ser um filete de água rumo ao oceano, ideia do mexicano Luis Barragán. Dentro, quase não há divisórias para incentivar a troca de experiências. A luz natural entra pelas janelas de madeira teca e, nos subsolos, por poços de 12 m de comprimento por 7 m de largura.
Filarmônica de Berlim
Wim Wenders hesitou entre dois projetos em Berlim, ambos do arquiteto Hans Scharoun: a Filarmônica ou a Biblioteca Nacional. Como já tinha ambientado parte de Asas do Desejo na segunda opção, escolheu a primeira. A obra está localizada perto da Potsdamer platz, que costumava ser o centro da cidade, mas ficou despovoada depois da Segunda Guerra Mundial. Dois anos antes da finalização da obra, foi erguido, bem ao lado, o muro que dividiu Berlim e deixou a Filarmônica ainda mais isolada. Tudo mudou, claro, em 1990, com a queda do muro e a revitalização da região. O desenho é revolucionário porque colocou pela primeira vez a orquestra no centro do auditório, com o público disposto à sua volta em “arcos suspensos”, como costumava definir o arquiteto.
Ópera de Oslo
A cineasta norueguesa Margreth Olin estava acostumada a visitar a região da Ópera de Oslo, com desenho do escritório Snøhetta, bem antes de sua inauguração, em 2008. Ali, conheceu prostitutas e viciados em drogas que ocupavam o lugar. Como o Centro Georges Pompidou, em Paris, o novo edifício serviu para reanimar uma parte degradada da cidade com sua arquitetura cujo exterior e interior são igualmente importantes. Rampas de mármore circundam o prédio, e o telhado serve de praça e mirante para o fiorde de Oslo. “Um dos valores da social-democracia norueguesa é a igualdade, e acredito que a Ópera represente esse ideal”, avalia a cineasta. Margreth observou o cotidiano e conversou com alguns dos funcionários. “Eles se sentem honrados de trabalhar lá.”