A mostra de Miró exibe obras e fotografias do artista surrealista
O universo onírico do catalão Joan Miró é tema da mostra A Magia de Miró, que exibe obras e fotografias do artista na Caixa Cultural São Paulo.
Enquanto a vanguarda da arte ibérica se debandava para Paris, Joan Miró i Ferrà se escondia nas terras de sua família, em Montroig, no sul de Barcelona, sua terra natal, para pintar. A Quinta (1921-1922), tela comprada por Ernest Hamingway (conta-se que com todas as economias que o escritor tinha), foi um dos longos trabalhos realizados por esses mergulhos solitários do artista catalão no início da carreira. Foi André Breton quem foi atrás de Miró em sua quinta. O encontro entre os dois grandes representantes do que viria a ser um dos movimentos mais revolucionários daqueles tempos, o surrealismo, abriu uma série de portas de discussões, mostras e tudo o mais que corroborava com o fervilhamento moderno que tomava conta da capital mundial das artes. Miró nem sempre ia aos encontros. Quando o fazia, se cercava de um silêncio sepulcral, lembram os amigos, como o fotógrafo espanhol Alfredo Melgar, curador da mostra A Magia de Miró, coleção de 69 obras e 23 fotografias apresentadas pela primeira vez no Brasil, na Caixa Cultural São Paulo, até agosto. “Miró não gostava de teorizar sobre sua produção”, conta o fotógrafo, que conheceu o pintor nos anos 1970, num vernissage em Paris, e passou a fotografar e a acompanhar o trabalho dele desde então. As obras da coleção de Melgar datam de 1960 ao final da vida do pintor, em 1983. Quase todas são de papel, suporte eleito principalmente durante a Guerra Civil Espanhola e a Segunda Guerra Mundial pela facilidade de transporte. Muitas das fotos tiradas por Melgar, também chamado Conde de Villamonte, trazem momentos de intimidade do artista nos poucos ateliês que teve e que bem pouca gente visitou.
É sabido que Miró falava pouco. Vanguardistas como Man Ray e Max Ernst se irritavam com o pintor nos encontros do período entreguerras, quando o debate político era inevitável. Certa vez, em Paris, Ernst chegou a agarrar Miró e colocar uma corda em torno de seu pescoço para que ele se pronunciasse na marra. Não funcionou. A cena inspirou uma obra de Man Ray (Retrato de Joan Miró, de 1930). Miró buscava uma arte que estivesse além das questões do mundo e, para isso, precisava de silêncio. “Era um pintor visionário que tentava levar uma vida de operário com família para sustentar”, escreve a historiadora da arte Janis Mink, autora de Miró, da editora Taschen, e uma das maiores especialistas na arte do pintor catalão. E eram exatamente assim as aparições públicas do filho de joalheiro, de braços dados com dona Pilar Juncosa. Nas palavras de Melgar, imagem do casamento perfeito, de onde se apreendiam “a sobriedade, ordem, trabalho e disciplina típicos dos que vêm da Catalunha”. Um anti-Picasso, de fato, e não só pelo comportamento. Miró rompeu com o cubismo, o primeiro movimento a que foi associado (porque ele mesmo desconsiderava a ideia de pertencer a correntes coletivas). Para ele, a estética de Picasso não quebrava tantos pilares da arte acadêmica, como queriam os modernos. “O cubismo foi um ritmo vivo, certamente, uma ruptura com a visão tradicional formal. Mas o assunto, no entanto, permanece o mesmo tema recorrente: o ser humano e as circunstâncias de seu ambiente, pessoas, retratos, paisagens, objetos, sonhos (…) Sempre nós, nós, nós”, disse ele. De acordo com Miró, era hora de considerar a realidade de outra perspectiva. “Já era tempo”, disse, “de concluir a longa história de êxtases e respirar fundo, olhar em volta e navegar no espaço”. E assim nasceram as espaciais e inconfundíveis Constelações, as mais imaginativas e puras formas da história da pintura, lúdicas como as esculturas do amigo Alexander (Sandy) Calder e oníricas como os poemas de André Breton.