A alma concretista de Geraldo de Barros na arte e no design
Ele passeou por diversos momentos da arte e do design e foi genial em todos. Com ideais calcados na democracia e na difusão da cultura, Geraldo de Barros sempre exerceu um fazer coletivo, inclusive como designer.
Com uma carreira intensa, o artista Geraldo de Barros (1923-1998) transitou entre a pintura, a gravura, a fotografia e o design. Figura importante do modernismo no Brasil, era comprometido com a experimentação e a inovação nas mais variadas linguagens visuais. Barros foi um dos maiores expoentes do movimento concretista, que no país chegou ao ápice nos anos 1950, em companhia de nomes como Luiz Sacilotto e Waldemar Cordeiro, com quem formava o grupo Ruptura. Nessa mesma época acontecia a primeira Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1951, quando o artista paulista foi homenageado com o Prêmio Aquisição. Por causa da importância que alcançou na cena nacional, o ideal concretista deixou profundas marcas nas artes plásticas brasileiras. Hoje, as obras de Geraldo de Barros são crescentemente valorizadas, principalmente na Europa. Na América Latina, a instituição que mantém a maior coleção de peças do artista é o Sesc, que promove na unidade da Vila Mariana a mostra Geraldo de Barros: Jogos de Dados e Sobras. A experiência com mobiliário iniciou em 1954 em um dos momentos mais bonitos da história da produção de móveis no Brasil, com a criação da Unilabor. A Indústria de Artefatos de Ferros, Metais e Madeira Ltda. foi criada pelo frei dominicano João Batista Pereira dos Santos, no bairro paulistano do Ipiranga. Depois de passar uma temporada na França, onde se filiou ao movimento cristão Economia e Humanismo, o frei voltou ao Brasil animado para levar à prática suas ideias sobre comunidades de trabalho. Uma de suas primeiras iniciativas foi reformar um galpão que servia de venda e transformá-lo numa capela. Para decorá-lo, chamou artistas de ponta – ninguém menos que Alfredo Volpi, Bruno Giorgi e Yolanda Mohalyi. Nesse momento, Barros entrou na história, pois foi lá que se casou e conheceu o frei João Batista. Juntos materializaram a ideia de criar uma pequena fábrica segundo princípios de trabalho comunitário. Ele, que já havia começado a se aventurar no desenho de móveis, propôs a Batista que o ramo do negócio fosse esse. Explicava que sua atuação nesse universo era uma consequência natural no trabalho de um artista concretista. O encontro entre religião e arte resultou em um projeto que vislumbrava uma iniciativa generosa e ousada, empenhada em produzir móveis simples, baratos e funcionais ao alcance da classe média brasileira. O projeto era utópico, pois não seria uma fábrica tradicional, mas uma comunidade de artesãos. A princípio, Barros foi designado apenas para desenhar as peças que seriam fabricadas, porém, foi além dessa incumbência e implantou um método de trabalho coletivo em parceria com os marceneiros.
“Era uma clara influência da Bauhaus. E podemos dizer, sem dúvida, que seu espírito generoso e inovador foi o melhor interlocutor que a lendária escola alemã poderia ter”, afirma Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. O movimento concretista era uma das fortes influências e marcou a atuação de Barros na Unilabor. Como também foi o crítico Mário Pedrosa outra referência importante para o ideal de mundo com que ele sonhava. Nessa época, Pedrosa criou o jornal Vanguarda Socialista e ajudou a fundar o Partido Socialista, ao qual o artista se filiou. Foi também por meio do crítico que ele entrou em contato com as teorias da Gestalt, a psicologia da forma. Composta de 50 marceneiros, a Unilabor mantinha um sistema de participação igualitária, todos dividiam os lucros e tomavam as decisões em conjunto. Tanta liberdade gerou algumas dificuldades. O empreendimento, gerenciado sob a autogestão, durou apenas 13 anos. Em 1964, antes de a fábrica fechar as portas, os artesãos decidiram demitir Barros. “As pessoas ali dentro estavam cansadas de viver um sistema autista em uma sociedade inaderente, depois das pressões do golpe de 1964. Todos saíram muito tristes de lá, com uma utopia impossível. O frei ficou doente e meu pai foi em frente com a sua própria utopia, a de realizar um mundo melhor”, declara Fabiana de Barros, filha do artista. Enquanto existiu, a empresa cumpriu a primeira parte de sua proposta, a de ser gerida democraticamente, mas não conseguiu fazer móveis acessíveis até para as camadas menos abastadas. Os únicos trabalhadores que conseguiram comprar as peças da marca foram os marceneiros que as produziam. Nos primeiros anos de existência, a fábrica trabalhava somente por encomenda. Mas logo foi ampliada, passando a contar no final dos anos 1950 com cerca de 80 funcionários. Nessa época, as encomendas cessaram e iniciou-se um estoque. A necessidade de baratear o produto fez com que Barros desenvolvesse um sistema de móveis modulares, o que se tornou a principal característica da Unilabor. Assim, parte das peças seguia medidas padronizadas para facilitar encaixes e acoplamentos. De modo geral, a linguagem da marca era comum a outras fábricas da época, com linhas retas, sobriedade e funcionalidade. A estética inovou na combinação de ferro com madeira e no uso de compensado – material novo na época. O motivo da derrota parcial da empresa está ligado às dificuldades de comercializar as peças em larga escala e aos próprios custos de fabricação. Em meados dos anos 1960, Barros deu continuidade ao sonho da industrialização do móvel de design. Criou a Hobjeto, para onde levou a ideia dos móveis modulares e introduziu o acabamento laqueado. “Meu pai era muito humano e acompanhava, discutia e experimentava todos os seus móveis com os marceneiros”, afirma Fabiana. A empresa teve uma trajetória de sucesso e existiu até 1997.