Mulheres e big techs: elas revolucionaram os negócios globais no Brasil
Elas possuem a missão ainda de levantar a bandeira da diversidade
Empresas de tecnologia com atuação global, também conhecidas como bigtechs, exercem papel fundamental na economia e, claro, no comportamento da sociedade. Você já deu um Google, leu um post no Twitter, se hospedou no Airbnb, andou de Uber, comprou no Mercado Livre? Se respondeu pelo menos um “sim”, as inovações permeiam a sua rotina, mesmo que a gente não se dê conta. Outra questão que quase passa despercebida — mas não deveria — é a a subrepresentação das mulheres em cargos de liderança nessas empresas. A indústria de tecnologia tem um histórico de desigualdade de gênero, mas há um movimento crescente para mudar esse cenário.
No Brasil, alguns nomes inspiram. Conversamos com Fiamma Zarife, diretora-geral na América do Sul no Airbnb e ex diretora-geral do Twitter na América Latina; Silvia Penna, diretora-geral de operações da Uber Brasil; Julia Rueff, vice-presidente de marketplace do Mercado Livre; Fabiana Schurhaus, diretora da equipe de tecnologia da IBM Brasil; Juliana Sztrajtman, diretora de varejo da Amazon Brasil; e Fernanda Doria, líder da área de negócios para médias empresas brasileiras do Google Brasil. Todas, de alguma forma, enfrentaram desafios não só para chegar à posição de liderança, como também para se manter no cargo, seja por meio de obstáculos impostos ou de barreiras que elas mesmas se colocaram.
Quando comecei a falar sobre as dificuldades para equilibrar maternidade e carreira, vi mulheres chorando por se identificarem comigo
Fiamma Zarife, diretora-geral do Airbnb na América do Sul
Fiamma, aos 50 anos e mãe de dois filhos, é a mais nova responsável por liderar as estratégias do Airbnb em toda América do Sul. A sua carreira na área de marketing cruzou com a de tecnologia há mais de 25 anos: ela já ocupou cargos em empresas como Petrobras Distribuidora, Samsung, Claro e Oi. Em 2015, ingressou no Twitter e, em 2022, passou a comandar a operação da plataforma na América Latina. Ela conta que a trajetória é longa, mas foi de poucos anos para cá que sentiu a dimensão da importância de sua liderança feminina na vida de outras mulheres. “Eu cheguei a recusar uma promoção por estar grávida. Quando comecei a falar em eventos sobre as dificuldades para equilibrar maternidade e carreira, passei a ver mulheres chorando por se identificarem comigo. Foi um alerta, não deveria ser assim”, diz. A executiva pondera que a inserção da mulher no mercado de trabalho de forma equitativa proporcionaria o desenvolvimento de uma nação. “Quando a mulher progride, a sociedade evolui.”
E ela tem razão. De acordo com o recente relatório Women in Work Index, da consultoria PwC, reajustar os salários médios das mulheres para igualá-los aos dos homens nos 33 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aumentaria a renda feminina em mais de US$ 2,3 trilhões por ano. Por outro lado, se o progresso em direção à igualdade de gênero no trabalho continuar em seu ritmo histórico, uma mulher de 18 anos que começa a trabalhar hoje não verá igualdade salarial em sua vida profissional. A disparidade nas remunerações persiste em 14%.
A engenheira civil Silvia Penna, 33 anos, começou a sua carreira na Uber, em 2016, como gerente de operações em Belo Horizonte e teve uma progressão acelerada na companhia. Desde novembro, passou a responder oficialmente pela empresa norte-americana no mundo, no cargo de diretora-geral de operações no Brasil. “Quando saí da faculdade de engenharia, o debate sobre equidade de gênero ou maternidade era quase inexistente. Então, muitos desafios que enfrentava como mulher só fui perceber e compreender depois. Por isso, fico feliz de ver que, ainda que haja muito a se avançar, a conversa existe e os avanços são irreversíveis”, afirma Silvia, uma das embaixadoras do Movimento Elas Lideram 2030, coliderado pela ONU Mulheres.
Já a publicitária Julia Rueff, 40 anos, está desde 2016 no Mercado Livre e é responsável pela gestão da maior plataforma de marketplace no Brasil. Ela acredita que a falta de representatividade impede o avanço mais acelerado da participação de mulheres em cargos de lideranças no país. “O caminho para aumentar essa presença passa por demonstrar resultados. Segundo um estudo da McKinsey, as empresas diversas têm 25% mais chance de serem lucrativas. Em segundo lugar, não vejo como fugir de políticas de inclusão”, reitera. “Temos 49% de mulheres entre os nossos 15 mil colaboradores. Quando falamos de liderança, temos 39% de mulheres nestas posições. Na minha área, especificamente, tenho 54% de mulheres em posições de alta gerência para cima”, explica.
Há 23 anos na IBM Brasil, a cientista da computação Fabiana Schurhaus, 48 anos, é diretora da equipe técnica de tecnologia, com a missão de liderar profissionais responsáveis pelo desenvolvimento e comercialização de soluções como nuvem híbrida, inteligência artificial, automação, segurança da informação e hardware. Para ela, as mulheres, especialmente as da nova geração, precisam se conscientizar que têm potencial para se destacarem em STEM — sigla para ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Estudo realizado pela própria IBM mostra que, no Brasil, 60% dos profissionais em busca de um novo emprego e 67% dos que estão em transição de carreira acham que não estão qualificados para um emprego na área porque não possuem os diplomas acadêmicos adequados. “A maior barreira para o desenvolvimento de habilidades profissionais ou técnicas para as alunas é que elas não sabem por onde começar”, diz Fabiana, também líder executiva do grupo de afinidade feminina da IBM Brasil e representante da empresa no Conselho Executivo de Diversidade e Inclusão das Américas.
A comunicadora e administradora Juliana Sztrajtman, 46 anos, diretora de varejo da Amazon Brasil, destaca que alcançar equidade de gênero não se limita apenas às mulheres: “Aliados são mais do que importantes para o avanço social, econômico, cultural e político das mulheres. É importante, ainda, entender a interseccionalidade e oferecermos ferramentas para que todas alcancem as posições desejadas”.
“Acredito que há muitas portas para serem abertas, ainda mais pensando no recorte racial. Entendo que precisamos continuar nos fortalecendo”, concorda a administradora Fernanda Doria, 47 anos, há mais de 13 anos no Google Brasil e líder da área de negócios para médias empresas. Em 2022, ela assumiu o papel chamado de “executiva patrocinadora” — nomenclatura observada em outras bigtechs — do AfroGooglers, comitê responsável por estimular a diversidade racial, equidade e inclusão.
À medida que a sociedade avança em direção a um futuro cada vez mais tecnológico, é essencial que as multinacionais com atuação no Brasil liderem o caminho na promoção da diversidade e inclusão de gênero. Não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia fundamental para impulsionar inovação e crescimento sustentável do país. Um compromisso contínuo.