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O passado e o futuro da calça jeans

Uma conversa com Adriano Goldschmied, o estilista que criou a Diesel e há décadas revoluciona a indústria do jeanswear

Por Guta Nascimento
Atualizado em 3 jul 2019, 11h35 - Publicado em 21 Maio 2018, 14h27

Dos privilégios que trabalhar em CLAUDIA nos dá o que eu mais gosto é ter a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, gente interessante, grandes e pequenas histórias, vidas inspiradoras e também muitos profissionais extremamente talentosos em suas áreas. Todo mundo aí já ouviu a célebre frase atribuída a Confúcio “Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida”? Então…

Semana passada tive o prazer de conhecer, ouvir e conversar com Adriano Goldschmied, mais conhecido como “The Godfather of Denim” (algo como “o padrinho do denim” ou “o papa do denim”, que vem a ser o tecido de algodão com que é feito o jeans). O apelido faz mesmo jus. Adriano é incrível. Pra gente ter ideia, ele não só é fundador da Diesel, como de outras marcas big players no mercado internacional do calibre de Replay, AG, da linha 1969 da GAP e de algumas outras, sem falar no trabalho como diretor de Goldsign e da linha masculina da Citizens of Humanity.

QUEM É?

Aos 74 anos, Adriano é um italiano de olhos muito muito azuis, bem claros, da cor de muitos jeans que ele ajudou a desenvolver. Educadíssimo, é zero estrela. Conversa atenciosamente com quem o aborda. Em São Paulo para fazer uma série de três palestras no VIPreview (evento da Vicunha com lançamentos do inverno 2019), ganhou presentes desde boné (jeans, claro) customizado com seu nome gravado até uma caixa de cannoli made-in-Brazil.  Foi gentilíssimo com todo mundo. Inclusive comigo que não resisti e pedi uma foto ao seu lado.

(Arquivo Pessoal/Reprodução)

Nascido em Trieste, a vida de Adriano cruzou com a da calça jeans quando ainda muito criança via os soldados americanos estacionados na base militar que existe na cidade, de folga, andando pelas ruas. Segundo ele, a imagem se tornou a sua representação do chamado sonho americano. Foi, digamos, seu primeiro contato com uma indústria que já tem quase 150 anos (o tecido em si mais de 200) e que ele não para de ajudar a revolucionar. Até nos preços.

Sim, toda vez que você achar o preço de uma linda calça jeans exorbitante, pode culpá-lo (não se preocupe, não será grosseiro, ele vai sorrir orgulhoso). Sua primeira intervenção histórica no jeanswear foi criar o conceito de denim-de-luxo. No iniciozinho dos anos 1970, jeans eram populares mas não eram peças consideradas fashionistas. Isso até Adriano mirar seu talento como designer para as calças e abrir sua primeira loja, em 1971, numa das estações de esqui mais charmosas do mundo, Cortina D´Ampezzo, na época auge como hotspot do jet set internacional e das celebridades. Se uma calça jeans comum na época custava 8 dólares, as das duas primeiras linhas de Adriano, King´s Jeans e Daily Blue, custavam, em média, 80 dólares. Lindas mas para poucos. Foi um sucesso.

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Em 1978 Adriano fundou a Diesel e entre esse ano e o seguinte criou o Genious Group, aquilo que veio a ser um think tank poderoso de marcas influentes na época, Replay, Goldie, Bobo Kaminsky, Katharine Hammet. Mas não é isso o que mais me seduz na história dele. O que mais gostei de entender é que ele reúne não só um talentoso papel como designer mas também de visionário industrial. Na mesma época em que o Genious Group era referência em estilo, eles também eram pioneiros em técnicas de fabricação. Foram os responsáveis por desenvolver o método da estonagem, ou seja, são os pais do stone washing, a técnica de lavar a pedra o jeans pra ele ficar com aquele ar “batido” e mais molinho, mais gostoso e confortável de usar (o processo é bem louco porque consiste em misturar os jeans com pedras-pomes e lavar juntos duas ou três vezes em gigantescas máquinas de lavar industriais. Uma doideira.).

Como se não bastasse, anos mais tarde Adriano e sua turma escreveriam seus nomes novamente na história do denim ao criar o stretch jeans (as calças que ficam coladinhas na pele graças a mistura das fibras de algodão com fibras sintéticas elásticas), precursor da febre do skinny jeans.  Sim, a lista de inovações desse time é enorme e inclui a criação dos vincos que hoje chamamos de whiskers, a volta do selvedge em produção de larga escala (aquela listrinha branca da borda do jeans quando a gente vira a barra), a criação do super stretch, do knit denim, tanta coisa que daria para escrever um livro sobre a importância deles para a indústria.

E O FUTURO?

Em termos de design, acha que o skinny jeans tradicional não seduzirá mais tanto assim. Durante as palestras, exibiu o slide abaixo que mostra cinco modelagens que ele acredita estarem chamando mais a atenção tanto da indústria quanto dos consumidores.

(Guta Nascimento/CLAUDIA)

 

Minha favorita é a Sexy Mamma Jeans, de cintura alta e um pouco menos justa no restante do corpo. O estilista aposta também em uma forte reinterpretação dos anos 90 tanto na diminuição do stretch (segundo ele, hoje os homens são os que mais preferem os jeans colados e não as mulheres), quanto nos tons de lavagem que voltarão com os azuis mais leves e suaves.

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(Guta Nascimento/CLAUDIA)
(Guta Nascimento/CLAUDIA)

 

 

 

 

 

Atualmente seu foco está em criar um look que ele chama de “luxury-silky-denim”. Um território ainda inexplorado, inspirado em seda. Com todo esse passado, alguém se arrisca a duvidar que será uma tendência de sucesso no futuro? De modo geral, ele acha que o jeans fashion está ganhando terreno nas vendas sobre o jeans comum. Ressalta que “não há coleção de Tom Ford a Dior, da Gucci a Balenciaga e Balmain, que não tenha uma forte presença do denim”. Para ele, vem aí um streetwear de luxo que renova a força do tecido.

O FUTURO EM UM MURO

Um dia andando pelas ruas de Amsterdam, Adriano viu grafitada a frase “The future is dying faster than the past”, que vem a ser “O futuro está morrendo mais rápido que o passado”. Para quem tem inovação incrustada no DNA, foi o que bastou para entender a liquidez dos tempos em que vivemos.

 

Reprodução de slide apresentado por Adriano Muro (Guta Nascimento/CLAUDIA)

 

Antes da palestra começar, quando eu o encontro por acaso no balcão de comidinhas do evento, pergunto se ele acha que a indústria está preparada para atender em larga escala ao consumidor que vai querer uma peça única, exclusiva, sem ninguém com uma igual a dele por aí. Sim, garante. Em quanto tempo? Dez anos, cinco anos? Cinco, responde, “talvez em até três” e me recomenda ouvir a palestra seguinte a dele sobre o MYR, um software que vai revolucionar o processo de criação do jeans.  Sigo o conselho e não me arrependo. O MYR vai eliminar de maneira acachapante etapas do processo e acelerar o tempo da criação. Hoje até achar a cor certa do fio, a modelagem perfeita e todos os detalhes, toma tempo, são inúmeras provas para tudo. Agora, ao permitir a visualização de vários elementos, o processo de design fica mais simples. No MYR é possível aplicar para ver como ficam tecidos, bordados, acessórios, etiquetas, fios, estamparias, desenhar bolsos, simular bases de lavagem, de deformação, projetar como a peça se comporta em corpos de diferentes medidas (todo designer de jeans sabe que se “errar” uma calça ela vai deformar o corpo da pessoa e quem é que compra uma calça que nos deixe feios… rs). Um poderoso ambiente virtual que vai permitir que equipes interdisciplinares e em diferentes países desenvolvam projetos alterando simultaneamente um mesmo modelo. E ainda produz um catalógo prontinho ao final. Mais uma revolução na indústria.

Saio tão atordoada pela capacidade do MYR que abordo novamente Adriano em um canto da sala de palestras. Minha dúvida agora é se em breve a indústria de produção massiva não vai adotar um software também para atuar como designer. Inteligência artificial criando jeans, me pergunta. Sim, dessa vez sou eu que respondo. Não, diz ele categórico.

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Explico para ele minha angústia que é se não estaríamos caminhando para um futuro-de-volta-ao-passado-dos-8-ou-80-dólares em que haveria uma divisão entre jeans baratos e comuns desenhados por softwares e suas mentes algorítmicas e jeans de luxo mais caros por terem sido imaginados pelo talento de estilistas, digamos, de carne e osso.

Não, repete ele agora enfaticamente. Criatividade é hu-ma-na diz falando as palavras pausadamente para me convencer. Na verdade, convencer os dois, porque após a afirmação, abre um sorriso quase de criança e diz “Quer dizer, espero que seja”. Eu também, acrescento e rimos os dois juntos. Olha para a Apple, segue ele em seu raciocínio,  são o que são porque fazem um telefone bo-ni-to. Concordo. Apenas queria ter a assertividade natural do artista que tem dentro de si um enorme talento para defender a certeza que a criatividade é um dom exclusivamente humano e a indústria não vai optar por softwares-estilistas.

Discutir o futuro é fascinante. Pena que a Quarta Revolução Industrial em que vivemos transforma todas as certezas em meras especulações. Acho que ninguém – nem mesmo Adriano – é capaz de cravar o que será o futuro da indústria. Mas ouso arriscar que onde quer que esteja esse futuro, aos 74 anos, Adriano estará lá. Procurando saber mais sobre o MYR, leio na internet que ele é um dos grandes financiadores do desenvolvimento do projeto… Em nossa primeira conversa, a da sala do cafezinho, me contou que atualmente é parceiro da Amazon. Sim, a Amazon criou duas marcas próprias de jeans feminino. Uma delas, a Hale, é desenhada por ele…

A conversa sobre a Amazon nos leva a um novo território. Adriano é quem me alerta para perceber a rápida e avassaladora transformação que a automação vai trazer para a indústria de roupas. Se elas serão manufaturadas por robôs e robôs custam a mesma coisa em qualquer lugar onde estejam, por que fazê-las distantes, em países em que a mão-de-obra é mais barata, e gastar tanto dinheiro e tempo para colocá-las em seus mercados de venda? “Não faz mais sentido um jeans ficar boiando três meses em alto-mar dentro de um navio para vir da China ao Brasil”, observa. A produção – não só de roupas mas de toda uma extensa cadeia de produtos – passará a ser feita o mais próximo possível de seus mercados consumidores… o que impactará toda a indústria da logística, do comércio marítimo, extinção de empregos, lá vem mais uma revolução dentro da revolução…

Tenho vontade de ficar horas conversando com Adriano Goldschmied – tanto sobre o passado, o qual ele de forma genial ajudou a construir,  quanto sobre o futuro, no qual torcemos pela vitória da criatividade e do talento humano.  Na incerteza do que vem por aí, à noite, em casa, antes de dormir, fui curiosa procurar na internet quanto custa o jeans criado por ele para a Amazon… Nem 8 nem 80 (rs), por enquanto os modelos variam de 48.50 a 52.50 dólares… Deito e penso que dias assim, em que tenho a chance de conversar e ouvir pessoas interessantes, são mesmo o privilégio ao qual me referi no início desse texto. Durmo com pelo menos uma certeza. A de que realmente trabalho no que gosto.

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