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Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos
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31% dos machistas querem mudar. Mas não sabem por onde começar

Envergonhados com a canalhice, os estupros, a matança, 6 em cada 10 desejam tratar melhor a mulher. Renato Meirelles se joga em uma cruzada pró-mudança

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 dez 2016, 16h47 - Publicado em 9 dez 2016, 20h44

Renato Meirelles é um cara que adora estatísticas. Tem bom traquejo no palco para explanar pesquisas – desde as que assinava no Data Popular e, agora, as apresentadas pelo Instituto Locomotiva, criado e presidido por ele.

Entre os temas desse pesquisador que ajudou a definir a nova classe média brasileira, a mulher é o mais recorrente. O que ela representa na economia; seus desejos para a carreira e os filhos; os projetos de futuro; como ela é representada nas propagandas da TV etc.  A violência doméstica está permanentemente no escopo do seu trabalho, sob encomenda dos institutos Avon e Patrícia Galvão, que combatem esse flagelo.

Renato é um profissional que responde tudo com números. Mas eu o tenho visto um tanto diferente ultimamente. Ele deu cara aos dígitos na quarta-feira (7/12) ao apresentar, no evento do Avon, seu último levantamento intitulado O Papel do Homem na Desconstrução do Machismo. Ele próprio se colocou na roda. À plateia, majoritariamente feminista, reunida no Masp, Renato pediu desculpas pelo seu comportamento que naturaliza a tirania masculina. Disse se envergonhar das vezes em que corroborou com a violência ao se calar. Para ele, um homem é cúmplice da barbárie doméstica toda vez que consente com piadas que menosprezam a mulher, ridicularizam a loira, reduzem ao tamanho da piranha uma cidadã que decide transar livremente – como o homem transa (veja abaixo o depoimento dele).

Os gráficos que rotineiramente projeta no Powerpoint acabaram convencendo o técnico: ou o homem assume a sua parte e entra na luta para mudar o comportamento do outro macho ou a guerra não acabará jamais. Dez anos depois da criação da Lei Maria da Penha, quase 5 brasileiras são assassinadas, diariamente, pelo parceiro ou ex. Milhares ainda saem esfoladas das relações afetivas, e na elite acadêmica, estudantes estupram suas colegas de aula. A iniciativa de revisar o masculino não deve envolver apenas réus em dívida com a Justiça, mas todos aqueles que se acham o máximo por “participar” das tarefas domésticas apenas tirando o lixo da pia. Ou os homens mudam ou…

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Na semana anterior ao evento do Masp, o pesquisador havia revelado o levantamento Brasileiras, em parceria com El País, e se apresentou ao público assim: “Meu nome é Renato Meirelles, sou homem, branco, paulistano, com curso superior e tenho 39 anos. E pelo simples fato de ser homem, ganho 69% mais que uma branca, paulistana, de 39 anos, com curso superior como o meu. Se o salário feminino se equiparasse ao masculino, juntaríamos R$ 461 bilhões a mais na economia do país”.

Ele lembrou que a brasileira conseguiu diminuir a família. Nos anos 1960, ela paria, em média, mais de 6 filhos; hoje tem menos de 2. Muita gente fia perplexa, porque a mulher fez tudo sozinha. Sem uma política pública sequer, tratou de planejar o tamanho da prole – o que significa melhores condições de criá-la.

As mulheres bancam 40% dos lares, como chefe, e, mesmo assim, segundo a pesquisa de Renato, 3 em cada 10 homens continuam achando justo elas assumirem menos cargos de chefia, já que engravidam e saem de licença. Disse Renato: “15,4 milhões de machos concordam que o marido sempre deve ganhar mais que a esposa; 2 em cada 10 consideram constrangedor sua mulher ter holerite maior”. Olha aí mais uma forma de naturalizar a violência. Se ela ganha mais, está feita a afronta, o ringue para a pancadaria se arma.

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Palmeirense, autor do livro Um País Chamado Favela, colunista de Exame, Renato revelou no Masp que o machismo recuou um tantinho. Seus dados: 87% dos brasileiros consideram que boa parte da nossa população é bem machista. Reconhecer é o primeiro passo para tratar. Há mais um soprinho de esperança, já que 8% dos homens deixaram de chamar a mulher de vagabunda; 18% desistiram de cantá-la na rua; 11% abandonaram a crítica à saia curta e ao decotão e míseros 2% não tentam mais se aproveitar de uma mulher embriagada. Mas, observem, 44% afirmaram que ser chamado de machista não cativa o homem para a luta. A maioria dos que pararam de desrespeitar os direitos da mulher o fizeram depois de conversas com amigos ou mulheres próximas.

Para mim, a principal descoberta da pesquisa é esta: 31% dos homens gostariam de não ser machistas, mas não sabem como agir para mudar os velhos hábitos. Isso significa que mais de 30 milhões de brasileiros estão abertos à uma vida de igualdade e de respeito. Basta encontrar referências de como ser esse novo cidadão. Se Renato não está posando de bom moço, temos aí o grande começo: um homem avaliando sua estúpida amizade com a barbárie e querendo virar o jogo. Se muitos fizerem caminho parecido…

O depoimento de Renato Meirelles, conforme prometi:

“Meu nome é Renato Meirelles. Eu não consigo mais dormir com tantas notícias de violência contra mulher. Preciso confessar. Mais de uma vez eu fui cúmplice dessa violência.

Comecei cedo. Na adolescência, em um jogo de futebol, pedi para um colega de time parar de frescura e “jogar que nem homem”. Fui cúmplice cada vez que ouvi calado algum amigo chamar uma mulher de “vaca”, ou fiz coro com o grito de “filho da puta” em um estádio de futebol.

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Fui cúmplice cada vez que julguei uma mulher pelo tamanho da roupa que vestia ou achava normal quando algum homem xingava a namorada de galinha apenas por ela exercer a mesma liberdade sexual que ele se gabava de ter.

Infelizmente não parei na juventude. Continuei cúmplice quando debochei da ida de um estuprador confesso ao Ministério da Educação. Ao invés de achar graça deveria ter raiva.

A mesma raiva que senti assistindo um deputado falando que só não estupraria outra parlamentar porque, segundo ele, ela “não merecia” ser estuprada. Alguém merece?

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Se o maior medo de um homem ao entrar em uma penitenciaria é ter seu corpo violentado, imagine o que é para uma mulher viver assim constantemente.

Confesso minha cumplicidade pois não acredito em perdão sincero sem autoconsciência.

Perdão por cada vez que achei que era obrigação da minha mãe arrumar a casa e dever da minha avó cozinhar para mim.

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Perdão por demorar a entender que o maior culpado da violência é o machismo e ele está mais presente em nossas vidas do que podemos imaginar.

O combate ao machismo não é uma luta solitária das mulheres, é uma batalha da civilização contra a barbárie.

Hoje, no dia em que reconheço a minha responsabilidade por naturalizar um machismo que discrimina e humilha, eu convido todos os homens a refletir e confessar sua cumplicidade, consciente ou não, com cada uma das milhares de mulheres que todos os dias são violentadas no Brasil.

Qual foi a última vez que você foi cúmplice?”

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