Novo livro da psicanalista Jamieson Webster faz análise sobre o sexo
Em 18 ensaios, a autora reflete sobre a profundidade do ato sexual e analisa conceitos do comportamento humano

“Esse livro é uma reflexão psicanalítica sobre o sexo, mas também uma reflexão sexual sobre a psicanálise”. Essa frase, que está na quarta capa de Sexo e desorganização (Ubu, trad. Simone Campos), resume o que Jamieson Webster tenta (e consegue) fazer ao longo de 18 artigos. Trazendo à baila autores como Freud, Lacan e Adorno, a psicanalista torna conceitos mais acessíveis por meio de discussões que tratam de temas bem complexos. Ela conversou com CLAUDIA sobre sua obra, psicanálise e escuta:
Como foi seu primeiro contato com a psicanálise? Como você vê o papel da palavra nessa abordagem?
Lembro de encontrar e comprar aos 14 anos uma cópia de Transtornos de Personalidade Graves, de Otto Kernberg, em uma livraria no sul de Miami. Parece quase incompreensível, conhecendo o livro agora, que eu pudesse ler ou entender qualquer coisa naquele livro… mas a compreensão é superestimada.
Alguns anos depois, na faculdade, fiz uma apresentação sobre o caso Dora (de Freud) “Fragmento de uma análise de um caso de histeria”, e lembro de ficar atordoada e pensar que isso era para mim. Arranjos familiares confusos e hiperssexualizados, notas de suicídio, perguntas sobre o corpo e configurações de gênero, bocas e sonhos!
Tempos depois, fui apresentada a Jacques Lacan e a importância da linguagem veio à tona; sendo alguém que se importava profundamente com e estudava literatura, eu sabia que essa era a teoria psicanalítica que seguiria.
Há muitos outros psicanalistas que eu amo, tais como: Winnicott, Bion, Ferenczi; mas a linguagem, de alguma forma, escapa ao trabalho deles, o que os torna muito mais “psicológicos”. Se você quiser encontrar o idioma de alguém, não será na identificação de padrões psicológicos (você também pode fazer isso), e sim na escuta de sua fala. A ideia de que uma pessoa era como um texto que você pode ler com atenção, sucintamente, virar do avesso, ouvir o que ela diz – apesar de si mesma -, se atentar ao ritmo mais do que o conteúdo… tudo isso me parece ética, bonita.
No livro você fala sobre a possibilidade de abertura que a falha traz. Você pode dar mais detalhes?
Eu amo sonhos. Eu provavelmente os amo demais. Mas a ideia de que você cria algo tão forte, poético, intenso, carregado de afeto, engraçado, aterrorizante, quando você não está lá, nunca deixará de me surpreender.
E as associações sempre me surpreendem nas sessões [de psicanálise]. Sinto que este trabalho faz algo para as pessoas, elas sabem como se dirigir a um Outro quando necessário a fim de entrar no modo de análise de sonhos que podem levar consigo por toda a vida – uma maneira de falar consigo mesmo que é clara, a despeito de todo o barulho da vida.
Recentemente, um amigo chamou isso de relação sinal-ruído. Eu gostei disso. Essa é a “estrada real” para navegar no desejo de Freud, o sonho é criado pela compressão e composição de desejos dos quais você precisa se aproximar e, como ele diz no final do Livro dos Sonhos, isso é profético no sentido em que nossos desejos e vontades indeléveis moldam nosso futuro. Pode me chamar de mística!

Logo no início, ao falar sobre o tempo, você menciona a não linearidade do sexo. As culturas ancestrais africanas e indígenas falam em tempo espiralar e vivenciam o corpo e o sexo de maneiras diferentes, como a poligamia. Essa seria uma maneira positiva de desorganizar desejos?
SIM! Há muito conhecimento que foi perdido das culturas indígenas. Suas organizações variadas têm muito a nos ensinar. Infelizmente, com nossa cultura globalizada e impulsionada pela internet, acho que será muito difícil não cair em um mundo cada vez mais homogêneo. Sabemos disso quando viajamos. Às vezes parece que não fomos a lugar nenhum.
A obra traz uma passagem muito interessante na seção sobre masturbação, na qual você fala sobre culpa, erro e falha. Mas apresenta um novo significado a esta última palavra, falando sobre a possibilidade de abertura e o que a falha traz. Pode dar mais detalhes?
Vivemos em um mundo que celebra e elogia o sucesso e humilha e descarta o que vê como fracasso. Porém, a história da psicanálise é uma história de fracasso, impossibilidade, falta de comunicação, erro e impotência no cruzamento entre os mundos adulto e infantil. Ferenczi chamou isso de “A Confusão de Línguas”.
Dessa forma, me interessa trazer a falha para o primeiro plano e não apenas inverter tabelas. Quero falar sobre o que a falha movimenta. Há muitas narrativas psicológicas importantes que versam sobre traumas de infância e paternidade, por exemplo. Mas elas, tendem a ser muito idealistas e, por vezes, moralistas.
Quando escutamos as pessoas, especialmente as criativas, observamos que a criatividade vem muito mais do fracasso do que da resiliência – infelizmente. A adaptação é sempre desadaptativa, aberrante, contingente… Portanto, preservemos essas idiossincrasias e, ao mesmo tempo, tentemos refinar nosso senso de ternura e bondade uns com os outros.
Entendemos que Freud foi um homem de seu tempo (como todas nós somos) e sua teoria é sempre atualizada. Se você pudesse escolher um conceito dele para (re)criar, qual seria?
Eu sou uma dessas Freudlósofa, caso ainda não tenha ficado óbvio até agora. Então, eu realmente não consigo escolher. Estou interessada em toda a sua obra, o jogo rigoroso de seu pensamento, onde começa, como começa e onde termina. Mas acho que para responder à sua pergunta, eu diria que é a terapia ou o trabalho da psicanálise com pacientes que eu destacaria. Fazemos algo muito único com os pacientes, que ainda se relaciona com o método de Freud, mas que adaptamos a um novo momento histórico. Gostaria que pudéssemos dizer mais sobre esses temas como analistas clínicos. Espero que com este livro eu tenha tentado um pouco.
No último capítulo do livro, ‘Vida Sexual’, você apresenta uma ligação entre crise geológica e abuso. Você poderia explicar essa relação?
Trata-se de um argumento selvagem de Freud. Segundo ele, quando enfrentamos a primeira crise geológica, a Idade do Gelo, as mulheres ficaram histéricas, o que significa que se voltaram contra seu desejo de procriar por causa de condições ameaçadoras. De carta forma, significa que tiveram que se voltar contra si mesmas e sua sexualidade. Os homens fizeram algo diferente, voltaram-se para o pensamento mágico, em outras palavras, partiram para s negação e desenvolveram um sentimento de onipotência.
A troca, então, foi entre mulheres histéricas e homens tirânicos que prometiam proteção mágica às mulheres sob a condição de submissão. Assim, eles solicitaram e garantiram o cuidado das mulheres e seu trabalho em tempos difíceis, e aumentaram seu senso de onipotência. À medida que a realidade se apresentou e a magia foi se esgotando, a violência contra as mulheres, que são os recipientes para essa barganha, irrompeu.
É claro que Freud diz que não pode saber disso tudo, são fantasias, mas elas surgem quando ele olha para tipos especiais de neuroses que aparentam ter um caráter muito generificado, bem como transferências de pacientes; ou seja, aquilo que a neurose de determinados pacientes demanda/transfere do psicanalista em termos de proteção contra a dura realidade. Estamos lá novamente?
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