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Me apaixonei e me casei com um ex-presidiário

Vera Lucia de Queiroz passou sua primeira noite no presídio. Hoje ele está livre, formado e trabalhando!

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 20 jan 2020, 13h51 - Publicado em 15 dez 2010, 21h00

A boa índole de Francisco conquistou Vera, que percebeu que ele precisava de ajuda
Foto: Getty Images

Vera Lucia de Queiroz, aposentada de 61 anos, de Votorantim (SP) estava viúva havia seis anos quando viu Francisco pela primeira vez, na penitenciária de Itapetininga (SP), em 1996. Vera nunca tinha entrado em um presídio. Para ela, foi assustador. O desconforto começou logo na entrada, durante a revista: ficou só de calcinha e sutiã diante de uma policial. O objetivo desse procedimento é verificar se o visitante carrega algum objeto ilegal, como uma faca ou celular. Conheça a história completa de Vera Lucia de Queiroz:

“Fui até a penitenciária para acompanhar uma amiga que visitava seu filho. De repente, Francisco se aproximou de mim e se apresentou. Minha primeira reação foi de medo e desconfiança. Mas ele me tranquilizou com o seu papo. Percebi que aquele homem precisava de alguém para conversar.

Com calma, Francisco me contou sua história cheia de erros e de solidão. Disse que vinha de uma família pobre e conturbada. O pai dele bebia e batia em sua mãe. Ele acabou entrando para o mundo do crime e cometeu diversos delitos: roubos, assaltos, formação de quadrilha, porte ilegal de armas… Foi até acusado de homicídio. Francisco foi condenado a 36 anos de prisão. Quando o conheci, ele estava na cadeia havia oito anos.

Essa nossa primeira conversa foi agradável. O aconselhei a não perder a esperança na vida e a não se deixar levar novamente para o mundo do crime. Ele pediu que eu voltasse para visitá-lo. Fiquei de pensar no convite. Mas saí de lá com a sensação de que Francisco tinha um bom coração e precisava da minha ajuda”.

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Trocamos cartas

“Não me apaixonei por ele na primeira visita, mas senti que deveria ouvi-lo outras vezes. Francisco era um homem solitário. Quis ajudá-lo do meu jeito: conversando. Eu estava com 47 anos e ele tinha apenas 30. Mesmo assim, tivemos muita sintonia. Parte do meu desejo de ampará-lo era consequência da minha profissão. Eu trabalhava como enfermeira havia 28 anos. Cuidar das pessoas sempre foi algo natural para mim. Isso facilitou nossa aproximação.

No mês seguinte, voltei ao presídio para visitá-lo. Fui sozinha, sem contar para ninguém. Eu sabia que minha família não entenderia. Francisco se surpreendeu com a minha visita. Antes de eu ir embora, ele anotou meu endereço. A partir de então, começamos a nos corresponder por cartas.

Francisco me escrevia com muita frequência. Cheguei a receber quatro cartas por semana! Passei a visitá-lo na prisão uma vez por mês. Nossa amizade crescia, assim como a admiração que nutríamos um pelo outro. Seis meses depois, Francisco me pediu em casamento. Fiquei muito surpresa. Afinal, nunca tínhamos nos beijado! Ele disse que estava apaixonado e que queria ter um futuro ao meu lado.

Aceitei o pedido de casamento na mesma hora. Parecia maluquice, mas eu estava sozinha e já o amava. Só impus uma condição: Francisco jamais se envolveria com o crime outra vez. Ele aceitou”.

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Casamento à distância

“Do pedido ao casamento, se passaram três meses. Foi tudo muito rápido. Só esperamos o tempo necessário para agilizar os papéis. Com a data marcada, ele disse: “Será que posso te dar um beijo?”. Achei a pergunta de uma delicadeza sem tamanho. Respondi que sim. Me senti em um filme: aquele homem grande e forte grudou em mim e me deu um beijão. Foi mágico.

Minha família não aceitava meu futuro marido. “Casar com um presidiário? Você não tem medo?”, perguntavam minhas duas irmãs, lembrando que eu era viúva. Minha mãe foi a única que me apoiou.

Meu casamento com Francisco foi bem diferente do tradicional. Em 1997 os presos ainda não eram liberados para a cerimônia. Francisco assinou a papelada na cadeia com o advogado da penitenciária. A documentação foi enviada para o cartório, onde assinei tudo sozinha. Minha mãe e um primo foram as testemunhas.

Não teve bolo, véu ou grinalda. Mas o juiz fez questão de fazer um breve sermão de casamento. Fiquei emocionada, mas confesso que temi pelo meu futuro.

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Passamos nossa primeira noite, a suposta lua de mel, na sala de visita da prisão. Tínhamos uma cama arrumadinha e um banheiro com chuveiro. Só. A ideia de tirar a roupa e fazer amor ali era bem desagradável. Mas senti a paixão de Francisco quando nos abraçamos. E me entreguei ao meu amor.

Como esposa, tinha o direito de visitar meu marido mais vezes. A cada 20 dias, podíamos dormir juntos num quarto reservado. Apesar de tudo, estávamos felizes.

A partir de então, entrei em uma luta para tentar reduzir a pena de Francisco. Para isso, me aposentei. Um advogado da penitenciária me ajudou em tudo, sem cobrar nada. Eu e Francisco levamos o casamento à distância por dois anos”.

Me apaixonei e me casei com um ex-presidiário

Francisco Inácio descobriu que o criem não compensava
Foto: Getty Images

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Recebi uma visita-surpresa

“Em 31 de março do ano 2000, Francisco apareceu em minha casa. Faltava um dia para ele completar 11 anos de prisão. Me desesperei. Achei que meu marido tinha fugido da cadeia. Ele explicou: “Ganhei liberdade condicional para os próximos cinco anos”. Naquela noite, não dormimos. Matamos a saudade papeando e namorando.

Finalmente, passamos a viver juntos, como marido e mulher. A adaptação à nova vida foi difícil para nós dois. Tive medo de me arrepender. E Francisco precisou ter paciência para se ajustar a uma vida pacata em liberdade. Ele andava durante horas pelo bairro para ver a movimentação na rua. Também tinha que viver sob as regras da condicional. Meu marido não podia ficar na rua depois das 22h. Vez ou outra, recebíamos a visita de agentes da polícia. Com o tempo, Francisco provou a todos que estava regenerado. Minha família aprendeu a admirá-lo”.

Ele conseguiu um emprego

“Para que pudéssemos construir uma vida juntos, apoiei Francisco na volta aos estudos. Ele havia parado na quarta série. Corri atrás de um curso e ele concluiu o ensino médio com empenho! Nos momentos em que Francisco estudava, eu aproveitava para fazer artesanatos. À noite, eu o ajudava com as dúvidas e com a lição de casa. Nos finais de semana, íamos vender minhas peças em feirinhas de artesanato. Francisco vende muito bem. Ele tem um ótimo papo. Sempre voltamos cheios de encomendas!

Ao terminar os estudos, meu marido fez um curso para ser vigilante e passou a procurar um emprego fixo. Como tem um bom porte físico, Francisco logo conseguiu um voto de confiança. Foi uma alegria! Com um diploma e um trabalho com carteira assinada, sua vida se transformou a partir de 2002″.

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Queremos adotar uma criança

“Tudo que fiz pelo Francisco é recompensado diariamente. Com seu salário, ele até me ajuda a realizar um sonho antigo: cursar a faculdade de direito. Com 61 anos, sou a mais velha da turma! Receberei meu diploma em dois anos. Aí, será minha vez de ajudá-lo a entrar na faculdade. Ele quer fazer o mesmo curso. Vou dar todo o meu apoio.

Hoje temos uma vida leve. Francisco já cumpriu sua liberdade condicional e está livre há cinco anos, sem pendências com a Justiça. Vivemos em uma casa grande e temos todo o conforto de que precisamos.

Também frequentamos a igreja semanalmente e planejamos adotar uma criança. Infelizmente, Francisco ficou estéril na cadeia por causa dos traumas que sofreu. Mas tudo que se refere ao passado ficou para trás. Só agradecemos pelo presente. A vida é uma benção!”

Descobri que o crime não compensa!

“Nasci em uma família que teve poucas oportunidades. Meu pai queria arrumar um emprego de lixeiro para mim. Eu dizia que jamais trabalharia com isso. Assim, com 14 anos entrei para o mundo do crime. Roubava supermercados e lojas. Logo, entrei para o crime organizado. Preso por diversas infrações, fui condenado a 36 anos de cadeia e encaminhado a diferentes penitenciárias. Acredito que conhecer a Vera foi coisa do destino. Ela não demonstrou ter preconceito ou medo de mim, apesar de me conhecer naquelas condições. Vera foi muito mais do que uma conselheira. Ela me trouxe um mundo novo e me ensinou o valor dos estudos e do trabalho. Ao lado dela, aprendi que o crime não compensa. Não há riqueza maior no mundo do que a nossa liberdade. Ao sair da cadeia, trabalhei em
penitenciárias durante cinco anos, de 2003 a 2008. Eu evangelizava e passava valores morais para os presos. Vi muitas pessoas se transformando, como eu. E isso me dá uma grande alegria! Hoje sou um homem novo. Nunca é tarde para recomeçar!”, conta Francisco inácio, 43 anos, segurança, o marido da Vera Lucia.

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