Inverno: Assine Digital Completo por 5,99
Imagem Blog

Ana Claudia Paixão

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

Bertha Russell: Entre a Ambição e o Instinto Materno

Mãe obstinada, mulher estratégica e símbolo de uma era: a protagonista de The Gilded Age expõe feridas antigas sobre ambição, maternidade e poder feminino

Por Ana Claudia Paixão
6 jul 2025, 17h00
Carrie Coon interpreta Bertha Russell em série da HBO
Carrie Coon interpreta Bertha Russell, uma mulher determinada a usar sua fortuna e status para entrar na alta sociedade de Nova York. (Copyright HBO/Reprodução)
Continua após publicidade

Não ia voltar a falar de The Gilded Age tão perto da última coluna, mas é irresistível. Em tempos de girlbosses repensadas, é curioso observar como personagens femininas ambiciosas ainda causam desconforto. Na série, a figura de Bertha Russell é talvez a mais comentada e polarizadora — ao mesmo tempo admirada por sua força e criticada por sua frieza.

Vê-la em cena é como observar um jogo de xadrez social em tempo real. Mas o que torna Bertha tão fascinante não é apenas sua escalada implacável rumo ao topo da pirâmide novaiorquina — é a maneira como ela lida, com uma clareza quase cirúrgica, com as limitações impostas às mulheres do seu tempo. E, principalmente, como ela tenta quebrar essas amarras não só por si, mas pela filha Gladys — ainda que às custas da liberdade da própria menina.

The Gilded Age
Gladys Russell começou A Idade Dourada sob a sombra da mãe, Bertha, mas aos poucos construiu seu espaço dentro e fora de casa. (Copyright HBO/Divulgação)

Bertha, interpretada com precisão por Carrie Coon, carrega no olhar uma urgência que vai além da vaidade ou do desejo de reconhecimento: é sobrevivência pura. Coon já disse, em entrevistas, que não a vê como uma vilã, mas como uma mulher que entendeu as regras do jogo e fez o que era necessário para garantir que sua família não apenas sobrevivesse, mas ascendesse.

2025 é, sem dúvida, o ano da atriz. Após sua emocionante atuação em The White Lotus, onde interpretou uma mulher do século XXI lidando com desafios contemporâneos, é notável vê-la agora em The Gilded Age enfrentando problemas que ecoam os da Bertha do século XIX. Essa justaposição diz muito sobre seu talento e versatilidade. Sua personagem em The Gilded Age é, de fato, inspirada em Alva Vanderbilt, uma das figuras mais influentes e controversas de seu tempo, conhecida por sua rara obstinação ao desafiar os clubes fechados da elite nova-iorquina.

Gladys Russell e Bertha Russel são mãe e filha em série da HBO
Em The Gilded Age, Gladys já está vivendo a história de Consuelo Vanderbilt. (Copyright HBO/Divulgação)

Como Bertha, Alva teve uma filha — Consuelo Vanderbilt — que serviu como moeda de troca em seus planos sociais. O casamento arranjado de Consuelo com o duque de Marlborough é um dos episódios mais emblemáticos das alianças entre o dinheiro americano e os títulos de nobreza europeus — e também uma ferida que jamais cicatrizou por completo na relação entre mãe e filha.

Continua após a publicidade

Em The Gilded Age, vemos esse espelhamento na relação entre Bertha e Gladys. A jovem, interpretada por Taissa Farmiga, vive à sombra de uma mãe que diz querer o melhor para ela — mas cujas decisões frequentemente anulam seus desejos. A ideia de que o afeto materno pode vir envenenado por projeções, ambições e até por uma espécie de pânico geracional (“não quero que você passe o que eu passei”) é uma tensão que muitas mulheres reconhecem.

Gladys é a filha do magnata ferroviário George Russell e sua esposa Bertha, e é uma jovem socialite que busca seu lugar na sociedade nova-iorquina da década de 1880.
Taissa Farmiga interpreta Gladys Russell na série da HBO “The Gilded Age” (A Era Dourada). (Copyright HBO/Divulgação)

Bertha ama Gladys — disso não há dúvida —, mas ela também a instrumentaliza. O desejo de ver a filha “bem casada” não é apenas um capricho social: é uma estratégia de longo prazo, quase militar. Gladys é a próxima jogada no tabuleiro de Bertha, e talvez também sua maior vulnerabilidade.

Nessa nova temporada, a tensão entre as duas promete ganhar ainda mais camadas. Spoilers à parte, o que se anuncia é uma Gladys mais consciente, querendo se libertar da redoma dourada criada pela mãe. Bertha, por sua vez, começará a sentir o peso das próprias escolhas — e talvez a perceber que, ao projetar suas frustrações e sonhos na filha, corre o risco de perder a pessoa que mais ama.

Carrie Coon interpreta Bertha Russell, uma mulher determinada a usar sua fortuna e status para entrar na alta sociedade de Nova York.
A série “The Gilded Age”, com Carrie Coon como protagonista, está de volta com uma nova temporada. (Copyright HBO/Divulgação)
Continua após a publicidade

É um dilema antigo, mas que nunca sai de moda: até onde vai o zelo materno e onde começa o controle sufocante? Bertha encarna a figura da “mãe arquiteta de destinos”, uma mulher que molda o futuro dos filhos com mãos firmes — e muitas vezes sem perguntar o que eles querem. Se isso a torna detestável? Talvez. Mas também a torna compreensível.

Em sociedades que limitaram por tanto tempo as possibilidades femininas à maternidade e ao casamento, muitas mães canalizaram seu desejo de conquista para os filhos — especialmente as filhas. A luta de Bertha, nesse sentido, é profundamente feminina e profundamente trágica.

A série
A série recebeu críticas positivas, com destaque para os figurinos e atuações dos atores principais Carrie Coon , Morgan Spector , Cynthia Nixon e Christine Baranski. (Copyright HBO/Divulgação)

O sucesso da série — criado por Julian Fellowes, o mesmo de Downton Abbey — reside em parte nessa complexidade. Não se trata apenas de figurinos deslumbrantes e escadarias monumentais. A série acerta ao mostrar como os conflitos sociais, de classe e de gênero se desenrolavam no âmbito doméstico, nos jantares, nos silêncios entre sogras e noras, nos casamentos negociados.

Se Downton Abbey nos levou às paisagens bucólicas do interior inglês, onde a tradição ainda reinava, The Gilded Age mergulha numa Nova York em ebulição, onde as regras estavam sendo escritas em tempo real. E se em Downton conhecemos Cora Levinson — americana rica que se casa com um aristocrata britânico —, aqui vemos algo anterior: o momento em que mulheres como Bertha pavimentaram esse caminho.

Continua após a publicidade
The Gilded Age
Quando a terceira temporada de The Gilded Age estreiou 22 de junho na HBO. (Copyright HBO/Divulgação)

Cora, aliás, é herdeira direta do tipo de mulher que Bertha representa. Filha de um magnata americano e criada para se inserir na elite britânica, ela também teve uma relação marcada por expectativa e desconforto com a própria mãe — a sofisticada e mandona Martha Levinson, interpretada por Shirley MacLaine. A dinâmica entre elas é mais cômica, mas carrega a mesma carga: mães que vivem por (e através de) suas filhas, e filhas que oscilam entre a gratidão e a necessidade urgente de independência.

Talvez o que torne Bertha Russell tão inesquecível seja justamente essa contradição: ela é feroz, mas ferida. Pragmática, mas movida por fantasias de grandeza. É uma mulher que se recusa a aceitar as portas fechadas da aristocracia tradicional, mas que, ao mesmo tempo, busca desesperadamente ser aceita por elas. Sua praticidade é sua arma — e sua prisão.

Em The Gilded Age, Gladys já está vivendo a história de Consuelo Vanderbilt.
Gladys Russell e Bertha Russel são mãe e filha em série da HBO. (Copyright HBO/Divulgação)

Ela não tem tempo para ilusões românticas ou ideais de maternidade suave. Como tantas outras mulheres antes e depois dela, está tentando sobreviver num mundo feito por e para homens — e isso a transforma em figura incômoda, até hoje. Bertha Russell não quer apenas pertencer — ela quer dominar. E o preço disso pode ser o afeto da filha, a admiração do marido, a simpatia do público.

Continua após a publicidade

Mas, como bem sabemos, mulheres que ousam demais nunca foram unanimidade. No fundo, The Gilded Age nos lembra que por trás de cada vestido bordado e jantar de gala, havia uma guerra silenciosa sendo travada. E que mães e filhas, mesmo quando se amam profundamente, nem sempre falam a mesma língua.

Na dúvida, Bertha fala a língua do poder.

Assine a newsletter de CLAUDIA

Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:

Continua após a publicidade

Acompanhe o nosso WhatsApp

Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp

Acesse as notícias através de nosso app 

Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.

 

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Moda, beleza, autoconhecimento, mais de 11 mil receitas testadas e aprovadas, previsões diárias, semanais e mensais de astrologia!

Receba mensalmente Claudia impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições
digitais e acervos nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.

A partir de 10,99/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.