“Eu era inocente e ninguém havia me instruído. Fui abusada por anos”
A leitora Cássia* sofreu diversas violências. Sem poder contar para o pai, que a ameaçava, guardou os segredos até conhecer o marido
“Sou a mais nova de cinco filhos. Ficávamos na casa de um parente durante o dia para meu pai poder trabalhar. Depois de um tempo, passamos a morar lá. Então chegou o dia em que todos foram embora e eu fiquei. Não consigo entender o motivo até hoje. Mas era terrível. Eu apanhava da filha do dono da casa. E, à noite, o filho do dono ia até meu quarto e enfiava o dedo no meu ânus. Era uma dor horrível. Ele tapava a minha boca e eu ficava chorando.
Tinha um quartinho na casa onde guardavam bagunça, tinha um monte de coisas. Quando a mãe dele saía, ele ficava me chamando para ir lá com ele. Graças a Deus eu nunca fui. Imagino o que poderia ter acontecido. Eu tinha 6 anos e ele uns 24, era bem mais velho do que eu. Eu era inocente, nunca fui instruída, ensinada. Não sabia de nada. Uma vez ele estava se masturbando e me chamou. Eu fui, não tinha ideia do que estava acontecendo, o que era aquilo que escorria dele, mas ele me convenceu a experimentar.
O tempo foi passando. Uma noite, quando eu tinha 11 anos, ele chegou drogado e tentou passar a mão em mim, me beijar. Só que eu estava dormindo na cama com a irmã dele. Não sei de onde tirei forças, mas levantei e comecei a gritar que alguém tinha entrado no nosso quarto. Todos acordaram e, com medo da situação, me levaram de volta para o meu pai.
Meu pai era muito bravo. Ele ameaçava me colocar na rua se descobrisse que eu tinha feito sexo. Sofri calada muitos anos. Mas nunca fui uma criança triste. Não sinto ódio do homem que me abusou hoje. Mesmo assim, não contei para ninguém esses episódios de terror.
Aos 13, fiquei com um rapaz de 22, incentivada pela minha irmã e uma amiga. Ficamos umas três vezes. Da terceira, ele me penetrou com uma ferramenta. Eu pedi para ele parar, mas ele continuou. Era muita dor e eu empurrava a mão dele, mas ele era mais forte. Nunca mais o encontrei.
Tudo isso que passei ficou pra trás. Hoje, com quase 30 anos, estou casada há 8 anos com um homem maravilhoso. Eu contei para ele tudo que passei quando nos conhecemos e ele nunca me criticou, apenas apoiou. Tenho uma filha de 3 anos. Vivo muito bem, porque coloquei tudo que eu passei em um saco e joguei no mar do esquecimento. Já ficou muito longe, mas é bom poder falar sobre o assunto.”
A partir de agora, CLAUDIA mantém esse canal aberto e oferece acolhimento para quem quiser libertar as palavras e as dores que elas carregam. Fale com CLAUDIA em falecomclaudia@abril.com.br.
*Nome trocado para preservar a identidade da entrevistada.