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Por Atualidades
Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos
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Pra não deixar de falar em flor, erva daninha e Temer

Depois da bomba política que minou nossa autoestima, melhor buscar em Freud a retomada da libido, do amor e das armas que derrotam as velhas práticas  

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 19 Maio 2017, 19h50 - Publicado em 19 Maio 2017, 19h13

Os tempos andam duros e melancólicos. Ontem (18/5) foi um dia especialmente difícil. Mudos, atônitos, esperamos na frente da TV a catarse que não veio. Porém, nesta quinta-feira da renúncia que não houve, escutei, por duas vezes, a citação de um dos textos de Freud que mais me tocam: A Transitoriedade, escrito em 1915. O criador da psicanálise relata uma caminhada em companhia de um jovem poeta durante o verão que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. Eles passeavam por campos cheios de flores. O poeta olhava a beleza do cenário, mas não conseguia esboçar reação de alegria, perturbado com a ideia de que no forte inverno europeu a natureza morreria. O que o rapaz teria aproveitado esvaziava-se, perdia o valor por estar fadado à transitoriedade. A plantação de girassóis, o verde, o viço das árvores se encaminhariam para o fim.

O episódio fez Freud escrever uma reflexão sobre a perda antecipada. O impulso que impedia o poeta de se emocionar o conduziu à rebelião contra o fato consumado – mesmo antes de isso ocorrer, na realidade. É uma espécie de revolta diante do luto: o rapaz não se envolveu com a beleza por ter a certeza de que ela acabaria. Por instinto, a mente tenta fugir do que é sofrido e indesejável. Com medo de perder, perdemos antes. E em doses homeopáticas para termos a “certeza” de que a perda está sob o nosso controle. Se é efêmero e vai acabar um dia, por que me entregar agora? Talvez por isso, o desfrute no presente seja tão pequeno e interditado.

Freud tentou explicar ao amigo que a transitoriedade não significa falta de valor. Ao contrário, é a limitação pelo tempo que eleva a importância. Recomendou a ele observar que a cada destruição pelo inverno, a natureza retorna, nova, no ano seguinte. Entrando e saindo do calendário, ela se faz eterna. O que permite ver a finitude dessa maneira é um outro impulso, antagônico ao primeiro. Ele nos leva a sentir que a arte, o belo, todos os prazeres, as emoções finitas persistem na memória e no espírito, escapando da destruição para fruir e animar a vida.

O criador da psicanálise defendeu a tese de que todos nascemos com certa dose de capacidade para o amor: a libido. No começo ela está centrada no ego, depois se desvia para os objetos externos que passamos a desejar, como um par romântico, uma amizade, um trabalho… É penoso perder qualquer desses objetos. Diz Freud, a libido se apega a eles, com dificuldade de renunciar e de se dirigir a outro objeto.

Bem, o que o verão de Sigmund Freud tem a ver com a angústia dos últimos dias marcados pela impertinência de Temer e pelo desmoronamento da política nacional? Como ele e seu amigo poeta também estamos em guerra. Depois do encontro no campo primaveril, o psicanalista relatou os efeitos da devastação provocada pelo conflito mundial – parecidos com o que vivemos. Ele lembrava: “A guerra destroçou nosso orgulho pelas realizações da nossa civilização, nossa admiração por inúmeros filósofos e artistas, nossas esperanças quanto a um triunfo final sobre as divergências entre as nações e as raças… Revelou nossos instintos em toda a sua nudez e soltou de dentro de nós os maus espíritos que julgávamos terem sido domados para sempre, por séculos de ininterrupta educação… Amesquinhou mais uma vez nosso país e tornou o resto do mundo bastante remoto. Roubou-nos do muito que amáramos e mostrou-nos quão efêmeras eram as inúmeras coisas que consideráramos imutáveis”.

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Na avalanche de revelações, de delações em escutas – muitas persecutórias e assustadoras! –, a nudez do escárnio está corporificada. Sabemos que país somos, que carne temos. E o tamanho enorme das nossas feridas morais. Com os últimos fatos, perdemos todos. Assim como o belo morre, a desgraça morre também. Felizmente. Mas ao contrário da natureza, que brotará renovada a cada ano, a desgraça podemos conter e impedir que retorne. Nossa libido pode escolher amar outro tipo de pátria. Crendo em Freud, basta deslocar para outro objeto de desejo. Um objeto mais humanizado, igualitário, civilizado, democrático e fraterno.

Os assombrados dias brasileiros têm sido de purgação dolorosa e de ensinamentos. Não podemos mais permitir que esses homens sem valor, sem caráter, sem compromisso, sem vergonha e sem decência pública voltem a crescer como erva daninha. Essa podemos matar.

 

 

 

 

 

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