A sombra de Diana em The Crown
A temporada final da série da Netflix é focada nas últimas semanas da princesa e emociona mesmo mais de 25 anos depois de sua morte
A Família Real britânica “sofre” até hoje com a autenticidade de Diana Spencer, mesmo 26 anos depois de sua morte, aos 37 anos, em um acidente de carro em Paris. Os 106 anos da Dinastia Windsor viveu vários momentos tumultuados um sempre superando o outro em drama.
Há 87 anos, um Rei abdicou em nome do amor, algo que julgavam ser inigualável. Sua sobrinha neta, Margaret, envolveu o mundo em outra história de amor impossível ao se apaixonar por um homem divorciado, sem direito à final feliz. O atual Rei, Charles, foi impedido de se casar com a mulher que amava para ter uma noiva perfeita – uma professora primária de apenas 19 anos – e viver publicamente um casamento infeliz até conseguir o divórcio, um ano antes de ficar viúvo. Alguém ainda se se surpreende do sucesso novelesco de The Crown?
Os primeiros episódios da temporada final da série da Netflix foram liberados no dia 16 de novembro, seguindo onde parou e revivendo um dos momentos mais marcantes de toda a história da monarquia britânica: a morte de sua princesa mais popular.
Juro que é inacreditável que mesmo depois de mais de um quarto de século depois, tantos livros, documentários e controvérsia a morte da Princesa Diana seja tão emocionante – e é. A jovem Emma Corrin nos surpreendeu há dois anos com uma jovem Diana, colecionando prêmios e virando uma estrela, mas Elizabeth Debicki é Diana encarnada. Dá nervoso! Duvido que se você é da geração que cresceu acompanhando a lenda que Diana virou consiga superar os episódios sem chorar.
A sexta e última temporada de The Crown é uma das mais curiosas, afinal, foi com o filme A Rainha (The Queen), em 2006, que Peter Morgan explorou os dias após a morte de Diana e como impactou o reinado de Elizabeth II, arranhando a popularidade da Rainha e até reascendendo sentimentos republicanos. Elizabeth não apenas deu a volta por cima, se tornou uma das monarcas mais longevas e populares do mundo, finalmente saindo da sombra da nora e reassumindo sua posição de hierarquia na cultura pop.
Podemos argumentar que com a série da Netflix, que veio 10 anos depois do filme, é uma extensão de A Rainha, tanto que nasceu como um projeto de ser um longa e virou uma série de seis temporadas. E, justamente a temporada final, cobrindo o mesmo período do filme que rendeu um Oscar à Helen Mirren, é uma outra visão de um momento histórico.
Se na 5ª temporada, vimos como foi o divórcio de Diana (Elizabeth Debicki) e Charles (Dominic West), agora a reencontramos em suas últimas – e intensas – semanas de vida. A solidão de Diana é algo que The Crown destaca o tempo todo. Sua vida pública foi curta, apenas 16 anos, e significou uma mudança incrível da tradição da realeza. A série, embora ainda insistam em dizer o contrário, não é documentário, mas sim uma biografia fictícia. Os fatos estão lá, a reconstituição de época é perfeita, mas ainda tem muito da imaginação e menos da realidade.
Seja pela mudança dos tempos, seja ou receio de desagradar ao novo Rei, a série evita ofender os vivos ainda mais do que os falecidos. Parte do que é reportando nos tabloides ganha outra perspectiva, quase simpática, e pode ser confuso para quem gosta de polaridade.
Por exemplo, enquanto no filme de 2006 Charles é claramente ridicularizado como um homem vaidoso e tentando embarcar na popularidade da ex-mulher, agora é um homem mais sensível, que queria a felicidade de Diana tanto quanto lutou para ter a sua ao lado de Camilla (Olivia Williams). O paralelo da relação estável dos dois enquanto Diana jamais conheceu um amor verdadeiro é uma das partes mais emocionantes para os fãs da série ou especialistas em Família Real.
Há uma explicação básica para o ajuste de narrativa em comparação ao filme A Rainha e The Crown. O filme era sobre a pessoa de Elizabeth II e como ela sofreu para se ajustar à modernidade e a popularidade de Diana. Já a série da Netflix é sobre a Instituição da Monarquia, como uma jovem Elizabeth foi lançada para o desafio de reger uma nação tão poderosa como a do Reino Unido, mesmo que tivesse apenas 25 anos.
Ao longo do tempo, a vemos hesitar, aprender, a se surpreender e alcançar um estágio onde simplesmente é a Coroa. Também vimos a longa espera de Charles com outra perspectiva. Depois de anos olhando para ele sob a ótica ressentida de Diana, é surpreendente ver alguém o apresentando como uma pessoa marcada pelo tempo, frustrado em não ter autonomia nem sobre sua vida particular e sim, vamos ver como toda dor e repressão social impactou William, que está sendo moldado para o trono, eventualmente.
Em vida, e no documentário narrado por ela mesma, vimos como Diana era apaixonada pelos dois filhos – “os meninos” – e tinha uma conexão especial com seu primogênito. Em The Crown, diante do que sabemos hoje sobre a fragilidade da relação dois irmãos, Peter Morgan apaga a falsa percepção de uma amizade profunda entre William e Harry, mas, como avisou, William tem maior protagonismo porque ele é o herdeiro da Coroa e futuro Rei. A existência de Harry, em suas palavras, é satélite em relação ao irmão. Nos episódios já liberados, ele tem destaque, mas ainda terá mais.
Os episódios liberados são mesmo sobre Diana e sua morte prematura. E sua sombra sobre os Windsors, representada em algumas cenas como um espírito ou imaginação de Charles e Elizabeth II, algo que ainda estou tentando decidir se ficou bom. É a forma que Peter Morgan nos passa alguns recados. Longe vão os dias nos quais até considerou nem incluir Diana na série. Já imaginou?
Portanto, se você ainda não viu a primeira parte da temporada final, aproveite o feriadão. Vale cada momento, até para dar adeus, mais uma vez, à princesa que é mesmo do povo e que na ficção ou no mundo real, ainda mobiliza tantos fãs e tantas emoções. E claramente uma atuação que pode gerar prêmios para Elizabeth Debicki, uma Diana inesquecível.