Você já agrediu ou foi agredida hoje?
Parece que os tempos de redes sociais intensificaram essa característica em muitas pessoas. Especificamente quando as agressões se dirigem às mulheres
Há poucos meses conversei com a médica Carmita Abdo, do Instituto de psiquiatria da USP, para escrever a coluna sobre ghosting que publiquei aqui. Na ocasião, ela me falou sobre o quanto as redes sociais têm influenciado no comportamento das pessoas na vida real. O assunto já não é novo, mas ainda é relativamente recente.
Entre outras coisas, a doutora Carmita percebe que as pessoas estão menos dispostas a dar explicações sobre seus atos ao mesmo tempo que reproduzem na realidade a maneira como vem convencionalmente comportando-se no mundo virtual. Entre essas convenções eu incluiria a agressividade como forte candidata à primeira posição.
Sentir-se à vontade para falar barbaridades em público não é exclusividade da era facebookiana, obviamente. Mas parece que os tempos de redes sociais intensificaram essa característica em muitas pessoas. Especificamente quando as agressões se dirigem às mulheres.
Nesse quesito, o assunto da semana foi declaração lamentável que a atriz Betty Faria deu à revista Joyce Pascowitch, sobre sua repugnância a mulheres gordas. Justo você, Betty? Justo você que há dois anos foi alvo de chacota de internautas raivosos que sacanearam de seu corpo? Justo você que ganhou dinheiro recentemente fazendo propaganda para incentivar as pessoas a comerem chocolate?
Antes disso, há algumas semanas, dois cineastas brasileiros, Lírio Ferreira e Claudio Assis, foram a um debate sobre o filme “Que Horas ela Volta?”, com Regina Casé no papel principal e direção de Anna Mulayert, e protagonizaram um show de machismo. Um deles disse que as mulheres eram histéricas. O outro declarou que Regina estava gorda.
O terceiro caso midiático de agressão verbal a mulheres por conta da aparência aconteceu nos Estados Unidos, na semana passada. Dessa vez, o epicentro da polêmica é o sempre-epicentro-da-polêmica, Donald Trump.
O bilionário está numa cruzada para conseguir candidatar-se à presidência do país. Pelo sistema eleitoral americano, inicialmente disputam-se as chamadas Eleições Primárias, quando se decide quem serão os candidatos. Trump até pouco tempo estava nadando de braçada na preferência do eleitorado republicano, atacando principalmente minorias de imigrantes.
Seus ataques baixos agora também atingem os concorrentes de chapa. Ou melhor, a única concorrente de chapa. À revista Rolling Stones ele fez o seguinte comentário sobre a colega Carly Fiorina: “Olhem esse rosto! Vocês imaginam uma presidente com esse rosto?”. E continua: “Alguém realmente votaria nisso? Você pode imaginar que esse seja o rosto de nosso próximo presidente? Ela é mulher e eu supostamente não deveria falar essas coisas… Mas vocês realmente estão falando sério?”
A pegada machista e baixa do comentário de Trump foi consenso na grande imprensa americana – e a resposta de Carly não demorou. Ela soltou um vídeo na internet chamado “Look at this face” (Olhe para esse rosto) em que mostra a cara de mulheres em prol de sua candidatura. Sem mencionar o nome de Trump, Carly diz: “Esse é o rosto de uma mulher de 61 anos. Tenho muito orgulho de cada ano e de cada ruga”.
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Desde então Carly vem sendo chamada de “feminista anti-feminista”. Ironicamente, no início deste ano ela acusou o feminismo de ser “uma ideologia da esquerda, feito para colocar mulheres contra homens e usado para vencer eleições”. Agora, adotou um discurso de empoderamento feminino para se defender da agressão de Trump.
Poderia ser só uma simples ironia, mas não é. O exemplo de Carly só comprova que nenhuma mulher está blindada contra o machismo – nem mesmo as que parecem estar, muito menos as que desprezam o feminismo por achar que não precisam dele.
+ Mais iniciativas de empoderamento feminino? #girlpower
De uma vez por todas, é preciso entender que o feminismo não está para as mulheres como o machismo está para os homens. O primeiro trata de garantir que se viva em uma sociedade que respeite igualmente a todos. O segundo faz justamente o contrário. Um não é exclusividade das mulheres, nem o outro é dos homens.
Não é nem preciso lembrar que no Brasil exercemos nossa dose diária de machismo toda vez que, sob o pretexto de criticar a presidente Dilma, se ataca a sua forma física, suas roupas ou sua idade. Não importa o quanto se discorde do governo, esse é um direito de todos. Recorrer a essas ofensas todas, no entanto, é simplesmente errado. Hoje é contra ela, amanhã pode ser contra mim ou contra você. Que o diga Carly.